Desafios atuais no combate à corrupção
A corrupção é a principal preocupação do brasileiro, superando outros temas como pobreza e violência, revelou a pesquisa Latinobarômetro, realizada em 18 países da América Latina e divulgada no dia 27 de outubro, em Buenos Aires. Foi a primeira vez que a corrupção encabeçou o ranking de preocupações de um país nos 22 anos em que a pesquisa é feita. A importância do resultado da Latinobarômetro é que a sociedade brasileira está adquirindo consciência da gravidade do problema da corrupção no país, analisou o promotor de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, durante o evento “Ética, mídia e transparência: os desafios atuais no combate à corrupção”, realizado no dia 31 de outubro, no Insper, em São Paulo. O evento foi promovido pelo Instituto Não Aceito Corrupção, pela Cátedra Insper e Palavra Aberta, em parceria com Instituto de Relações Governamentais (IRELGOV) e o Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE).
“O brasileiro observou que a corrupção é profunda, espalhada e serial. Se as instituições não responderem à altura, o problema vai se agravar”, disse o juiz Sergio Moro, em vídeo gravado explicando sua ausência no evento. “Não podemos permitir que se instale a naturalização da corrupção. O sentimento de anestesia geral sabota a reação da sociedade contra a corrupção. Precisamos manter o poder de indignação”, afirmou Livianu.
O combate à corrupção é prioridade na pauta da sociedade brasileira, mas os mecanismos legais existentes precisam ser aperfeiçoados. Análises sobre a Lei de Improbidade Administrativa, que completa 25 anos, e o mecanismo de leniência de empresas foram temas de discussões no evento de São Paulo. O papel da imprensa como ferramenta de combate à corrupção também foi debatido.
A Lei de Improbidade Administrativa foi um marco importante na legislação brasileira no combate à corrupção. Ela foi criada como uma espécie de código de conduta dos agentes públicos, com força jurídica, não somente em questões ligadas à corrupção, mas também à má gestão pública. “A lei passou a ser utilizada com grande ´entusiasmo´ pelos membros do Ministério Público”, analisou Fábio Medina Osório, consultor jurídico e ex-Advogado-Geral da União, como uma das conquistas da lei.
Entretanto, o conceito aberto para a tipificação de improbidade acabou gerando interpretações diversas e enquadramento de situações das mais diversas, causando insegurança jurídica no manejo da lei. A utilização abusiva da lei de improbidade viola o princípio da interdição da arbitrariedade dos poderes públicos, afirmou Osório. “Tipos sancionadores abertos ou flexíveis demandam instituições mais compromissadas, com atuações vinculadas e a precedentes, ao princípio hierárquico e com a segurança jurídica, menos vinculadas a entendimentos individualistas”, defendeu Osório, criticando o uso abusivo do dispositivo legal.
Os acordos de leniência são outros instrumentos relevantes para as investigações de casos de corrupção. O mecanismo foi inspirado nos acordos firmados pelo CADE (Conselho de Administrativo de Defesa Econômica) para coibir a formação de cartéis, explicou o Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República e membro da equipe da Lava Jato. Segundo ele, os acordos de leniência foram pensados para casos menores e não para situações da envergadura e da complexidade da operação Lava Jato e que o mecanismo ainda está em fase de aperfeiçoamento.
Santos Lima disse que os atuais acordos agregam diversas punições e diferentes instituições e instâncias do poder público acabam discordando com os termos firmados pelo Ministério Público. “A lógica do sistema exige que o Ministério Público dela participe. Temos tamanha gama de instituições públicas que podem punir uma empresa e seus agentes que se você permitir que haja apenas uma porta de entrada, isso permite o revanchismo das demais instituições”, afirmou o procurador.
O advogado André Castro Carvalho, sócio da Braga Nascimento e Zilio Advogados e associado do IBDEE, confirmou as dificuldades que as empresas enfrentam após celebrar acordos de leniência. “Não se consegue colocar fim, num acordo de leniência, com a possibilidade de a empresa ser demandada depois por processos de improbidade administrativa”, explicou Carvalho. O caso da Odebrecht exemplifica essa dificuldade. Depois de ter assinado acordo com o Ministério Público Federal, a empresa foi acionada posteriormente pela Controladoria Geral da União (CGU), atual Ministério da Transparência. O mecanismo precisa ser aperfeiçoado para dar maior segurança jurídica para as empresas que concordam em assinar os acordos.
Compliance
Apesar da necessidade de ajustes na legislação, houve avanços inegáveis no combate à corrupção no Brasil. Além do maior controle dos órgãos fiscalizadores e da pressão da opinião pública, o próprio mercado está mais refratário a práticas fora da conformidade com as leis e da ética empresarial. Segundo Isabel Franco, sócia do KLA-Koury Lopes Advogados, o ambiente cultural no Brasil mudou completamente, com as empresas implantando programas de compliance e estabelecendo imposições de conduta a seus parceiros antes mesmo de fechar negócios. Uma prática adotada principalmente por empresas multinacionais é o background check desses parceiros. “Para fazer negócios com outras empresas precisam mostrar que tem compliance”, disse Isabel.
Kelly Aguilar, conselheira do IRELGOV, concorda que houve avanços significativos na maneira com que as empresas lidam com os governos e com casos de corrupção. Em companhias multinacionais as regras de relacionamento empresarial sempre foram muito claras, muitas vezes mais rigorosas que a legislação local. Entretanto, a realidade enfrentada por profissionais de relações governamentais em algumas empresas brasileiras era mais difícil devido a diferenças culturais na maneira com que se fazia a aproximação com o poder público. “Nos últimos anos tem avançado muito, principalmente quem tem trabalhado e estimulado a utilização de boas práticas e compliance”, afirmou Kelly.
Marina Pinhão Coelho Araújo, professora do Insper e especialista em Direito Penal Econômico, afirma que o efetivo combate à corrupção começa com a transformação de como se fazer negócios no país. “A história precisa ser mudada pela sociedade e não pela lei. A lei é acessória”, avaliou Marina.
Mídia
A imprensa e as redes sociais exercem um papel fundamental no combate à corrupção no Brasil, pois a mídia tem o poder de manter a população atenta e mobilizada e gerar apoio da opinião pública para as ações judiciais. A imprensa, com regras profissionais, é um instrumento de fiscalização do poder e de exposição de irregularidades e ilegalidades, mas um dos desafios é fazer uma cobertura crítica dos acontecimentos, não apenas noticiando fatos sem uma devida contextualização e análise aprofundada, avaliou o Diego Escosteguy, editor-chefe da Revista Época.
Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha de S. Paulo, disse que os jornalistas ficam muito dependentes do vazamento de informações para a produção de notícias. Uma das consequências é o que Dávila chamou de “assassinatos de reputação” que acontecem no caminho das investigações, com acusados sendo inocentados no final dos processos, mas que a mídia acaba não dando tanta publicidade quanto no momento da denúncia.
As mídia sociais concorrem com a grande imprensa nesse processo de divulgação, mas muitas vezes sem o mesmo cuidado de averiguação e de responsabilidade com as consequências. O público acaba sendo bombardeado com uma quantidade enorme de informações e versões. A grande imprensa acaba assumindo um papel relevante dentro desse cenário, como filtro e moderador de informações. “Nesse ambiente de grande ´confusão informacional´, o desafio é resistir à tentação do modo ´mundo digital´”, analisou Fernando Schüler, professor da Cátedra Insper e Palavra Aberta, referindo-se à histeria que por vezes toma conta das redes sociais.