Pesquisa mostra que dados técnicos e pesquisas científicas têm pouco impacto nas decisões parlamentares
A defesa e a promoção de interesses junto ao poder público têm como uma de suas principais ferramentas de influência a ciência. Informações técnicas, dados científicos e pesquisas de impacto fornecem subsídios para discussões mais consistentes. Trazer para o debate análises aprofundadas sobre diferentes pontos de vista possibilitam aos agentes públicos decisões mais qualificadas. Pelo menos, isso é o que diz o senso comum. Entretanto, uma pesquisa realizada na London School of Economics (LSE), no Reino Unido, mostra que cientistas costumam ter baixa influência na formulação de políticas públicas no país. “O lobby político pode usar argumentos científicos como estratégia de persuasão, porém, pelo que a minha pesquisa mostrou, tais argumentos ainda têm pouco poder de persuasão no Brasil”, afirma a professora de ciência política da LSE Flavia Donadelli, autora da pesquisa.
Em sua tese de doutorado, Flavia Donadelli analisou a tramitação de três grandes alterações na regulamentação ambiental no Congresso Nacional, entre 2005 e 2015: código florestal, lei de acesso a recursos genéticos e regulamentação de pesticidas. A professora analisou atas, relatórios, documentos das comissões e os textos aprovados e sancionados. Os três casos acompanhados envolviam questões científicas bastante relevantes e tinham grande impactos econômicos e políticos. “Apesar de não podermos afirmar que a ciência é completamente neutra, o rigor científico, quando aplicado honestamente, pode reduzir a quantidade de decisões unicamente baseadas em interesses”, analisa a doutora Flavia.
A pesquisa analisou a participação direta dos cientistas em audiências públicas e o uso ou incorporação dos argumentos científicos durante o debate. Na prática, afirma Flavia, o uso da ciência como fator de decisão política nos casos observados foi muito limitado. “Apesar de existirem estudos científicos detalhados em dois dos três casos que eu observei, os políticos não formaram ou modificam suas opiniões com base nesses estudos e, raramente, os utilizaram como argumentos nos debates políticos”, conclui.
Nas discussões da lei de acesso a recursos genéticos o posicionamento dos cientistas foi mais perceptível, mesmo assim, com peso relativo nas decisões finais. Nas discussões do Código Florestas e dos pesticidas as mudanças regulatórias aconteceram depois de acordos negociados entre os representantes dos diferentes grupos envolvidos sem que houvesse um processo relevante do que se denomina de “aprendizado científico” (learning, em inglês – veja figura 1).
Universidade
Pablo Cesário, professor do curso de relações governamentais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem uma visão divergente sobre a relevância da ciência na definição de políticas públicas. Os políticos, segundo ele, necessitam de conhecimento científico e universidades são frequentemente chamadas a participar de audiências públicas no Congresso Nacional. “Há demanda pela ciência. Faz parte do debate democrático”, afirma Cesário. A presença das universidades possibilita decisões de melhor qualidade, completa o professor da FGV.
A universidade desempenha papéis importantes em duas etapas das discussões de políticas públicas, de acordo com Cesário. No início dos debates, com informações que poderão definir os parâmetros das discussões, e depois na identificação e análises das alternativas que surgirem nas tramitações das propostas. Após essas etapas, todo o processo se torna, essencialmente, político, conclui o professor da FGV.
Na figura 1, reproduzida da tese da doutora Flavia Donadelli, essa segunda situação é a de learning, que dentro da teoria política, é um dos fatores das decisões, juntamente com fatores internos, fatores externos e acordos negociados. No arcabouço teórico clássico sobre os processos decisórios políticos, chamado Advocacy Coalition Framework, a combinação desses quatro fatores (fatores internos e externos, learning e acordos negociados) seria necessária para mudanças políticas. No entanto, o estudo das políticas ambientais brasileiras da doutora Flavia mostrou que, no caso do Brasil, as alterações na legislação podem ocorrer sem aprendizado e negociação, apenas pelo poder de voto dos congressistas.
Política pura
A pesquisa da doutora Flavia Donadelli não analisou quais seriam os principais fatores de influência nos políticos, já que as posições dos cientistas não foram capazes de alterar os processos decisórios. O deputado federal Celso Pansera, membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, concorda com as conclusões do estudo da London School of Economics.
De acordo com Pansera, os políticos não têm hábito de avaliar pesquisas e buscar conhecimento para estabelecer suas teses. “Eles agem mais por impulso e por emoção. Suas crenças são mais fortes que resultados científicos e estão sujeitos, em alguns casos, a interesses do seu eleitorado e de grupos econômicos”, avalia Pansera.
O deputado dá como exemplo as discussões sobre a fosfoetanolamina sintética, a chamada “pílula do câncer da USP”. Apesar da inexistência de estudos clínicos conclusivos sobre sua eficiência e sem registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Congresso aprovou uma lei que autorizava o uso e distribuição da substância. Outros exemplos são a proibição de uso de animais em experimentos científicos e as discussões envolvendo a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), nos quais as opiniões dos cientistas foram abafadas pelos debates acalorados da opinião pública.
Na análise dos argumentos apresentados pelos parlamentares nas mudanças da legislação ambiental, Flavia Donadelli identificou interesses econômicos como fator preponderante nas decisões políticas. “Alguns deputados e senadores usam argumentos baseados em ideologia ou valores (por exemplo aqueles que defendem o meio ambiente ou agricultura familiar), mas a maioria demonstrava decidir com base no grupo de interesse por eles apoiados (por exemplo os ruralistas) sem grandes justificativas ou debates”, afirma a professora.
O deputado Celso Pansera completa que o Parlamento é influenciado pelo governo. “O Poder Executivo pauta o Legislativo”, afirma. O deputado também não deixa de fora a influência do poder econômico no Congresso. “A regulamentação do lobby jogaria luz aos debates”, sugere Pansera. O deputado avalia que o lobby regulamentado deixaria mais claras as posições das partes envolvidas, possibilitando debates mais amplos e avaliação dos impactos de cada uma das propostas apresentadas. “É importante para a democracia”, diz Pansera.
Retranca
Universidades e think tanks
O Brasil tem centros de excelência na pesquisa científica e produz conhecimento científico mundial de ponta, como são os casos da Embrapa, Embraer e a tecnologia de águas profundas desenvolvida pela Petrobras, lembra do deputado federal Celso Pansera, membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara e ex-ministro da Ciência e Tecnologia. A ciência precisa perceber que tem capacidade de mobilização sociedade civil, diz o deputado.
Pablo Cesário, professor do curso de relações governamentais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça a importância das ciências no cenário político, mas critica o caráter insular das universidades. O professor reconhece que a dinâmica e os tempos da ciência não acompanham as demandas urgentes do poder público e que, nem sempre, a universidade está preparada para o debate público e para fornecer informações qualificadas na velocidade que a sociedade necessita. “A universidade precisa sair dos seus muros para participar dos debates”, diz Cesário.
Este é um cenário que não é muito diferente do exterior. No entanto, em outros países a ciência assume papel preponderante na definição de políticas públicas por meio de outras instituições, especialmente, os chamados think tanks, informa Cesário. São entidades especializadas em determinados temas que produzem conhecimento científico, estudos, pesquisas e discussões que têm impacto direto nos diversos níveis de governo. Os think tanks têm estrutura e dinamismo necessários para assumir a liderança dos debates políticos.
“A sociedade precisa exigir que os políticos justifiquem suas lógicas de decisão e não aceitar decisões unicamente baseadas em interesses. Reforço a importância de os cientistas tornarem seus estudos compreensíveis para todos e de levarem suas análises ao conhecimento popular”, afirma Flavia Donadelli, professora de ciência política da London School of Economics (LSE).
Retranca
Planejamento estratégico
O lobby é apenas uma ferramenta na defesa de interesses privados perante o poder público. Uma articulação eficaz e eficiente necessita de um planejamento estratégico amplo que englobe, além dos parlamentares que irão participar do processo decisório, outros stakeholders e atores relevantes no cenário político, econômico, social e cultural dos temas em discussão. “A parte legislativa não é a mais importante”, afirma Kelly Aguilar, conselheira do IRELGOV. Kelly reforça a necessidade de profissionais qualificados no planejamento e execução de estratégias de relações governamentais.
O profissional de Relações Governamentais precisa ter conhecimento técnico aprofundado do tema, mas é fundamental saber a dinâmica do funcionamento da política e o comportamento do parlamentar. O compartilhamento das informações precisa ser customizado para cada interlocutor. “Precisamos traduzir as informações para as preocupações políticas do parlamentar, pensando de que maneira elas podem ser usadas em palanques eleitorais ou utilizadas em entrevistas de rádio e TV”, diz Kelly.
Ações de comunicação também são partes fundamentais da estratégia de relações governamentais, com identificação dos públicos alvo, incluindo a comunidade e outros formadores de opinião. É necessário pensar no engajamento de stakeholders estratégicos e a articulação com diversos setores econômicos e sociais. “O foco em uma comunicação simples e inteligível é crucial para que essa interação tenha sucesso”, afirma Flavia Donadelli, professora de ciência política da London School of Economics (LSE).
O envolvimento da sociedade nas discussões parlamentares pode ser o diferencial para o sucesso da articulação política. A opinião pública exerce forte influência das decisões públicas e uma estratégia de relações governamentais incluindo informações científicas consistentes pode criar uma massa crítica positiva.
“Matéria originalmente publicada na revista Diálogos IRELGOV, edição de março de 2018. Acesse o conteúdo completo da revista aqui”