O Impacto das Tecnologias nas Políticas Públicas
Por Rodrigo Navarro*
Importância da tecnologia em RelGov
A área de Relações Governamentais (RelGov) vem ganhando visibilidade por conta dos insights que a tecnologia vem produzindo, não só dentro do meio político, mas fora, junto a empresas e investidores.
Importante lembrar nesse contexto que a tecnologia é apenas um meio para melhorar e facilitar o acesso aos dados (e.g. monitoramento) e para ajudar na organização de dados. Longe de ser uma “moda” envolvendo big data, para ser efetiva e produzir tais resultados, precisa ser empregada de maneira ordenada. Assim, a tecnologia transforma dados esparsos em informações úteis, apoiando e melhorando as estratégias de interação dos profissionais de RelGov com seus interlocutores e tomadores de decisão, o que pode levar a políticas públicas com mais qualidade.
Em particular, um ponto que a tecnologia facilita, com o aumento do número de dados disponíveis, é possibilitar fazer um “recorte” ideal da situação que está sendo analisada e identificar quais seriam as melhores perguntas a serem feitas.
Os profissionais devem, portanto, desenvolver as competências necessárias para lidar com essas ferramentas, e por conseguinte com os dados e análises obtidas por meio da aplicação e interpretação das mesmas, obtendo a chamada “inteligência política”: saber mitigar os riscos e aproveitar as oportunidades.
Há unanimidade entre especialistas de que os robôs não substituirão o trabalho dos profissionais de RelGov, uma vez que trabalhar visando a formação de políticas públicas de qualidade demanda uma série de competências além da coleta de dados (onde a automatização é imbatível), como análise e negociação entre diferentes partes. Somente com a interação humana será possível alcançar esse objetivo, ainda que ferramentas com inteligência artificial possam ajudar a guiar, facilitar e apoiar a análise de dados e tendências realizadas por esses profissionais.
Em resumo, tecnologia tem e terá impacto importante na atividade de RelGov, desde que se conheça bem as ferramentas e se façam as perguntas certas.
Os desafios da evolução da tecnologia em RelGov
A tecnologia tem influenciado de forma crescente o trabalho do profissional de RelGov, e a forma como se faz política pública por parte do Estado.
Por um lado, existem várias plataformas que avançaram muito ao longo dos últimos anos, tornando o trabalho do profissional de RelGov mais digital, permitindo automatizar grande parte do trabalho manual de outrora, onde muito tempo e energia eram consumidos na busca por informação relevante, muitas vezes nesse processo dependendo de conhecer as pessoas certas para obter sucesso. Por outro lado, o Estado continua também se digitalizando – e diminuindo progressivamente, ainda que de forma lenta, a burocracia – nos três poderes.
Um importante ponto a ser destacado é a assimetria desse processo de digitalização por ambas as partes.
Por exemplo, na Estônia o cidadão tem um documento único, digital, com o qual é capaz de executar qualquer ação que dependa do Governo; no Brasil, mesmo considerando os avanços significativos ao longo dos últimos anos em termos de acesso à internet (sobretudo via celular), ferramentas e transparência no meio digital, ainda há uma desigualdade profunda, dificultando o acesso da população a tais serviços. Quando metade da população brasileira não tem acesso à coleta e tratamento de esgoto, como pensar em acesso digital? Certamente um grande desafio que precisa fazer parte dessa discussão.
Nesse contexto digital, também há assimetria estrutural quando se olha a esfera Federal em comparação com Estados e, sobretudo, Municípios. O nível de digitalização das informações, disponibilização de dados, acesso às tecnologias e recursos, e até mesmo a disponibilidade de conexão à internet, traz realidades muito diferentes no Brasil, constituindo-se em outro desafio importante a ser considerado.
Por fim, se compararmos o uso de ferramentas digitais e tratamento de dados na área de RelGov com outras, como por exemplo na Saúde, fica evidente o longo caminho que ainda há para percorrer.
Plenários virtuais
Após ter um primeiro uso na Câmara Municipal de São Paulo em 2019, o uso da tecnologia para as interações e votações remotas de pautas, em função dos impactos da pandemia trazida pelo Covid‑19, trouxe a prática para o Congresso Nacional em 2020, de forma histórica.
Dados trazidos pela Radar Governamental indicam que 66% das casas legislativas em âmbito Estadual no Brasil estão com votação remota, enquanto no caso de Municípios esse percentual chega hoje a 44%.
A pandemia trazida pelo COVID-19 acabou por atuar como catalizador no processo de transformação digital das casas legislativas, mas esse açodamento já está gerando alguns efeitos colaterais. Por exemplo, a publicidade das decisões, em muitos casos agora restrita quanto ao acesso do público em geral. Este é um ponto de atenção que precisará ser equacionado sempre que a prática for mantida no momento pós-pandemia.
Outra questão importante é que, à medida que mais casas legislativas utilizem processos digitais de votação remota, haverá necessidade de buscar soluções que assegurem acesso e transparência. Nesse sentido, identificação, autenticação e assinatura digital serão instrumentos necessários e cada vez mais comuns, como por exemplo como já utilizados em processos judiciais, em todas as esferas.
Conclusão
Acesso e transparência continuam pontos fundamentais na elaboração de políticas públicas, seja com mais ou menos uso de tecnologia nos processos.
Considerando a política como uma ciência não-exata, muitos são os desafios no Brasil e no mundo, e as abordagens e ferramentas digitais podem contribuir para um melhor entendimento de todas as ricas nuances dessa área, mesmo com as instabilidades naturais de uma democracia.
Hoje e no futuro, não se faz RelGov sem tecnologia, inteligência e conhecimento humano.
*Rodrigo Navarro é Doutor pela Rennes School of Business, professor e coordenador do MBA em Relações Governamentais da FGV, Presidente da ABRAMAT – Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção, e idealizador do Anuário ORIGEM