Cenários pós-pandemia: desafios e novos horizontes
Por Denilde Holzhacker*
Depois de uma longa crise política e econômica, as projeções para 2020 apontavam uma melhora nos cenários econômicos. Mesmo com uma dinâmica política ainda instável, a perspectiva era que teríamos avanços na agenda de reformas estruturais, que, de acordo com as principais análises, melhoraria o ambiente de competitividade e emprego no país. A pandemia alterou drasticamente os cenários e, de acordo com a relatório da OCDE, teremos um aprofundamento da recessão econômica. Os indicadores mostram a contração da demanda e da atividade econômica com queda de 30% nas vendas e transações comerciais. Os setores de transporte, hotelaria e turismo foram diretamente afetados, mas, com a ampliação das medidas de restrição e distanciamento social, outros setores também tiveram redução nas suas atividades.
À medida que se amplia a pressão para a abertura econômica e flexibilização das restrições, torna-se urgente pensarmos os desafios que enfrentaremos nos próximos anos. Associado aos impactos econômicos, o Brasil demonstrou uma alta ineficácia nas medidas de contenção da doença e temos hoje um dos piores índices de contágio e mortes no mundo. Nesse contexto, é importante discutirmos os desafios pós-Covid-19 para governos, empresas e sociedade.
No webinar “Pós-crise e as perspectivas para o setor produtivo”, promovido pelo IrelGov, no dia 16 de Junho de 2020, foram discutidos os impactos da pandemia para as empresas brasileiras. O debate, mediado por Kelly Aguilar, Especialista Sênior de Relações Governamentais na MSD Farmacêutica (Merck & Co.), contou com as participações de Diego Bonomo, Gerente Executivo de Assuntos Internacionais da CNI, e Pablo Machado, Diretor Executivo de Relações e Gestão Legal da Suzano S.A..
O consenso entre os participantes do evento foi que vivemos uma crise sem precedentes, de efeitos e natureza muito distintos de outros momentos históricos. Não apenas pela sua dimensão global, mas também pelos fatores sistêmico e estrutural que atingem indivíduos, empresas e governos.
Do ponto de vista econômico, a pandemia do coronavírus SARS-CoV-2, diferentemente de outras crises globais, afetou diretamente a demanda e o setor produtivo. A partir dos casos de Covid-19 na China, no final de 2019, a adoção de ações de isolamento para conter o contágio provocou uma diminuição drástica no consumo e, consequentemente, na demanda. Em um ambiente de interdependência e integração das cadeias globais de valor temos um efeito dominó nos diversos mercados.
As perspectivas de retomada de crescimento global têm maiores limitações no atual quadro econômico de endividamento e déficit fiscal dos governos, que terão dificuldades para implementarem políticas econômicas anticíclicas. Percebe-se um aumento de posições protecionistas no comércio internacional. Pablo Machado considera, porém, que é um protecionismo seletivo que abrange, nesse momento, bens essenciais e considerados estratégicos. Nas palavras de Diego Bonomo, “diferente de 2008/2009 em que as medidas protecionistas estavam voltadas para a proteção de empregos, em 2020, os governos buscam diminuir suas dependências externas nas áreas estratégicas, como produção de equipamentos médicos, remédios, entre outros setores”. As medidas priorizam a produção nacional para atender a demanda interna dos países.
As disputas entre os países, especialmente China e Estados Unidos, descartam uma atuação coordenada e cooperativa no âmbito multilateral. Isso torna ainda mais complexo o horizonte de rápida saída da crise, gerando incerteza para todos os governos.
No caso brasileiro, de acordo com as projeções da CNI, teremos uma das maiores recessões em 2020. A perspectiva otimista aponta uma queda acentuada do PIB, mas uma rápida retomada da atividade econômica. Já o cenário pessimista vislumbra uma queda de mais de 7%, com risco de crise de demanda e oferta. No cenário pessimista, as empresas terão demissão em massa e alta incidência de falência. Com um setor produtivo desestruturado, a retomada da economia será lenta e gradual.
Além do ambiente internacional, segundo Diego Bonomo, os cenários no Brasil dependem de três fatores: a) a confiança da população em retomar as atividades de forma segura e sem temor de contágio, no entanto, dificilmente teremos a volta do mesmo padrão de consumo anterior à pandemia; b) perspectiva de uma 2ª onda de contaminação com a adoção de medidas de restrições e isolamento social; c) o grau de capacidade financeira das empresas médias e pequenas para se manterem ativas em uma situação de volta do isolamento e/ou falta de confiança do consumidor.
Diante do quadro de incertezas, Pablo Machado acredita que as empresas possuem duas opções: adotar uma postura reativa ou buscar as oportunidades frente aos novos desafios. Ele considera que, em um primeiro momento, as empresas reagiram à pandemia de forma emergencial em planos de combate. No caso da sua empresa, as ações foram voltadas para, em primeiro lugar, proteção dos colaboradores, em seguida de ações para a proteção do negócio, ou seja, garantir o caráter operacional, bem como atender às demandas sociais e das comunidades atingidas. Em um curto espaço de tempo, as empresas desenvolveram ações, protocolos e procedimentos de segurança, e a maioria precisou se reinventar para minimizar os efeitos da pandemia. Outro elemento essencial foi estabelecer uma comunicação direta e assertiva com os diversos stakeholders, inclusive governamentais nacionais e estrangeiros.
A Covid-19 trouxe uma perspectiva mais holística para o relacionamento entre empresas e governos. As empresas precisaram antecipar soluções e trabalhar em sinergia com os Governos na formulação de políticas públicas. O networking entre governo e empresas tende a se intensificar conforme aumenta a necessidade de implementar políticas eficazes em um ambiente de alta incerteza e riscos. No âmbito brasileiro, Pablo e Diego relatam que tem sido muito construtiva a troca de informação e benchmarking entre os setores privados e gestores públicos.
Nesse novo contexto, o profissional de relações governamentais e institucionais também terá que desenvolver novas competências para responder às demandas pós-pandemia. A natureza do relacionamento será cada vez mais técnica e baseada em dados e evidências. Além disso, as circunstâncias não permitem a adoção de estratégias oportunistas, sendo que a comunicação clara e transparente será ponto importante na construção dos relacionamentos com os funcionários, fornecedores, clientes, investidores, governos e comunidades.
Estamos expostos a uma nova realidade que dependerá de muito diálogo, adaptabilidade, cooperação e agilidade. Os desafios para a sociedade brasileira são muitos, mas será com o esforço coletivo que poderemos superá-los. Não é uma tarefa apenas do governo, mas de todos os atores sociais. Mais do que nunca precisamos de profissionais e empresas com espírito transformador. O momento é de ação, criatividade e empatia para a construção de dias melhores!
* Denilde Holzhacker é Doutora em Ciência Política pela USP (2006). É professora do curso de Relações Internacionais da ESPM. Coordena Núcleo de Estudos e Negócios Americanos (NENAM-ESPM) e do Laboratório de Monitoramento Legislativo (Legislab-ESPM). Integra, desde 2016, a rede de professores do Centro de Liderança Pública (CLP) e é professora do Master em Gestão Pública também do CLP. Foi Professora Visitante no Bentley University (EUA) (2007-2008). Participou do Global Fellow Program (2007-2009) do Institute for Higher Education (EUA).