Por Ignacio García (CEO da Tree Inteligence)
Costumo começar minhas dissertações e artigos relembrando que sempre vivemos em rede, e sempre nos organizamos em comunidades. Estas duas caraterísticas são inerentes à nossa essência como espécie social, desenhada para interagir em pequenos grupos de relacionamentos próximos, baseados na confiança e na reciprocidade. Entretanto, eventos super recentes na maneira de nos organizarmos socialmente abrem caminhos para interagir em comunidades diversas, concomitantes e virtuais, incrementando (muito além da nossa capacidade de processamento) conexões e fluxo de informações.
Com base em quase duas décadas de mapeamentos contínuos, em diversos ambientes e países, resumo estas mudanças recentes, produzidas fundamentalmente pela capacidade de “descorporalizarmos” das mídias sociais, nas seguintes caraterísticas de redes humanas:
- Hiperconectividade de relacionamentos;
- Polarização de narrativas;
- Viralização acelerada de percepções;
- Multiplexidade de vínculos e tipos de stakeholders.
A importância da multiplexidade para o profissional de RIG
Destas quatro caraterísticas mencionadas acima é a multiplexidade que gostaria de aprofundar aqui. Pois, para o profissional de RIG (Relações Institucionais e Governamentais) é fundamental entender que hoje, mais do que nunca, devem ser contemplados nos seus mapeamentos uma diversidade maior de stakeholders envolvidos, direta ou indiretamente, com os issues e temas de interesse (inclusive como parte do processo de definição ou materialização dos issues prioritários). Sim, tradicionalmente eram apenas considerados os stakeholders legislativos e da própria indústria; hoje precisamos entender as relações de influência e fluxos narrativos da sociedade civil e suas intrincadas articulações.
Em complemento à multiplexidade de tipos de stakeholders, resulta imprescindivelmente que o mapamento de redes contemple também os diversos tipos de vínculos que conectam os stakeholders, adicionando camadas de relacionamento diferentes, tais como: trabalham juntos na mesma organização, integram determinada associação ou partido, escreveram artigos juntos, financiam ou apoiam determinadas iniciativas, se seguem ou comentam nas mídias sociais, etc. Veja que apenas os últimos dois são vínculos estritamente de mídias sociais e, dependendo do caso, os menos relevantes para o mapeamento de redes de stakeholders. Eis aqui mais um ponto importante: o mapeamento de múltiplos stakeholders deve contemplar não apenas vínculos de influência e fluxos narrativos vindos estritamente do ambiente online, e sim integrar todas aquelas fontes on, off e híbridas dispersas. A própria rede emergente revelará quais são os stakeholders e vínculos que emergem como críticos para a viralização de determinados issues.
Quais os níveis de mapeamento de comunidades?
Agora que observamos o que não mudou e o que mudou neste mundo, que esteve sempre em rede, gostaria de desafiar vocês a pensarem que existem diversos níveis de mapeamento de comunidades, não apenas circunscritos à comunidade de proximidade.
A seguir sintetizo o que, acredito, são os cinco principais níveis de mapeamento de comunidades:
O primeiro nível é o interno ou da Comunidade Primordial, outrora objeto de mapeamento das áreas orientadas aos recursos humanos e desenvolvimento organizacional. Hoje é crítico que o profissional de RIG compreenda que o mapeamento dos seus stkakeholders internos é um capital estratégico para conduzir campanhas de engajamento que utilizem toda a força dos seus influenciadores internos. Na imagem a seguir se observa como a rede (informal) de uma organização da indústria de energias limpas identifica a posição estrutural que cada colaborador (o stakeholder interno) tem na rede de cooperação, independentemente da sua posição e hierarquia formal. Nesta mesma imagem, é possível destacar (em vermelho) aqueles influenciadores ou mobilizadores internos relacionados com determinados temas de interesse. Trata-se de um raio x de quem é quem dentro da organização, vital para muitos projetos que precisam de mobilização e articulação de dentro parafora.
O segundo nível é o local ou das Comunidades de Proximidade corresponde ao território físico tradicionalmente mapeado quando se trata de entender e fortalecer a Licença Social para Operar (ou LSO). Aquí os atores são mais capilares, diversos e, muitos deles, offline.
A medida que vamos nos afastando nas esferas de interação (níveis III. Regional, IV. Nacional e V. Internacional), obtemos um panorama cada vez mais integrado, dinâmico e sistêmico do ecossistema de relacionamento onde a organização está ou pretende estar inserida, sendo mais fácil a posterior segmentação e análise específica de uma parte ou partes da rede de múltiplos stakeholders.
Por último, resumo como seria uma visão integrada de redes multi-stakeholders, de grande utilidade em tempos de ESG e materialização sistêmica:
- Rede Interna: revelar as redes formais e, sobretudo, informais de relacionamentos dentro das organizações onde trabalhamos possibilita enxergar quem é quem, independentemente do organograma formal, mensurando fluxos de issues e capacidades de influenciar internamente. Esta abordagem interna está relacionada com a disciplina chamada de Análise de Redes Organizacionais.
- Rede Externa: mapear as complexas redes de relacionamentos entre múltiplos stakeholders do governo, sociedade civil e indústria possibilita ter uma visão estratégica das dinâmicas de influências sobre issues específicos. Neste sentido a ciência de redes está revolucionado a maneira como o mapeamento de stakeholders é feito pelos profissionais de relações institucionais e governamentais.
- Rede Integrada: finalmente, uma visão integrada das conexões entre os atores internos e externos possibilita obter uma visão sistêmica de determinado ecossistema de negócios, respondendo a perguntas tais como:
- Quem são os influenciadores internos em determinados issues?
- Quem dentro da organização já está interagindo com stakeholders externos chaves para implementar e fortalecer as práticas de ESG?
- Quais as conexões que precisam ser criadas ou fortalecidas para atingir os resultados desejados de articulação de redes?
Nota: artigo baseado na palestra ministrada pelo autor durante o II Congresso Internacional IRELGOV. Para mais informações, contatar o autor. ignacio@treeintelligence.com.