O olho a olho e o aperto de mãos não saíram (ainda) de moda, mas o mundo digital já é uma realidade no lobby. Afinal, uma atividade que precisa de dados para defender suas causas e convencer pessoas não poderia desprezar a infinita capacidade dos computadores no monitoramento de projetos, levantamento de dados e até mesmo no apontamento de tendências.
Na entrevista a seguir com Renard Aron, consultor, autor do livro “Lobby Digital” e produtor do podcast PolicyZone sobre o debate on-line, você fica sabendo um pouco mais dessa nova fronteira da atividade.
Quando surgiu o lobby digital?
O lobby digital vem evoluindo com a internet. Começou em meados dos anos 2000, quando as ferramentas digitais eram usadas para turbinar as ações tradicionais de grassroots. Por exemplo, podia-se disseminar informações ou convocar um protesto via e-mail. Bastava ter um banco de dados para mobilizar a base. Naquela época o processo era centralizado e intermediado por uma organização. Com o surgimento das redes sociais e sua adoção em maior escala no início da próxima década, as ferramentas digitais se tornaram agentes organizadores. Neste novo universo, é o cidadão que decide como participar. Ele pode compartilhar uma informação com sua rede via um hashtag no Twitter, criar um vídeo e postar no Instagram ou no YouTube ou assinar uma petição on-line. A ação deixou de ser centralizada — baseada numa lógica “top-down” — e passou a ter “vida própria” nas redes sociais.
Quais as vantagens e desvantagens desse tipo de lobby?
A principal vantagem do lobby digital é que ele democratiza a atividade. Você não precisa mais ser um lobista profissional ou representar um grupo de interesse, qualquer um pode fazer
lobby. Basta compartilhar um chamado à ação, assinar uma petição na change.org ou compartilhar uma hashtag no Twitter referenciando um PL e o nome de um deputado.
E se meia dúzia de assinaturas não farão a diferença, 1 milhão podem. Mas a conversa nas redes, por sua própria natureza, é rasa, está sujeita às fake news e pode ser desvirtuada pela ação de bots. Além do mais, as redes impõem uma dinâmica própria, onde temas podem prosperar de forma muito mais rápida sem que tenha havido tempo para um debate mais aprofundado. Um caso emblemático foi a Lei da Pílula do Câncer, em que a mobilização significativa da sociedade via redes sociais e a mídia tradicional a favor de um medicamento que não havia sido testado em humanos nem aprovado pela agência reguladora competente levou o Congresso a aprovar o PL em poucas semanas. Dois meses depois, o PL foi considerado inconstitucional pelo STF.
Quais as ferramentas mais comuns para fazer lobby digital?
Hoje, as redes sociais mais utilizadas são Twitter, Instagram, YouTube e Facebook, cada uma com seu público-alvo e lógica própria. Dependendo do meio, utilizam-se vídeos, memes, posts, textos curtos ou uma combinação destes. Grupos de WhatsApp também têm um papel importante na hora de educar e mobilizar um grupo menor. Além do mais, temos as plataformas como a change.org e Avaaz onde pessoas podem assinar petições a favor ou contra uma proposta de política pública.
Todos os setores utilizam essa modalidade? Quais os principais?
Difícil falar em setores, pois dentro de um setor podem existir empresas mais ou menos abertas ao lobby digital. De uma maneira bastante simplista, vejo empresas que nasceram nos últimos 15 anos como as mais adeptas ao lobby digital. Elas já nasceram com o “digital” no seu DNA e normalmente se estruturam para ter uma conexão maior com o cidadão, o terceiro setor e a sociedade.
Alguns exemplos são Uber, Google e iFood. Por outro lado, empresas B2C, por estarem mais perto do consumidor, têm-se engajado em causas com conotação política. Mas existem exceções, como a IBM, uma empresa centenária B2B que, por exemplo, possui programa interno de capacitação para que seus colaboradores possam ir às redes.
O lobby digital usa menos recursos financeiros? Se sim, isso permite sua utilização por empresas e associações com pouco dinheiro?
As redes sociais reduziram as barreiras à entrada de novos participantes no debate e o custo de mobilizar a sociedade. Basta uma empresa subir um post em seu blog ou uma ONG soltar um chamado à ação na sua conta do Instagram.
Neste sentido, o lobby digital utiliza menos recursos financeiros. No entanto, algumas ações on-line requerem mais do que um blogpost. Por exemplo, talvez seja necessário contratar um monitoramento das redes, construir uma mensagem que conecte, desenvolver um vídeo, mapear os stakeholders no espaço digital, contratar um influenciador ou desenhar uma campanha on-line. E aí o custo já é bem maior. Além do mais, é importante ter na equipe profissionais que entendam o espaço digital, pois o lobby nas redes é diferente do lobby tradicional: a linguagem é outra, a lógica é outra e os riscos são outros.
O lobby digital é democrático e inclusivo?
Sim. Ele permite que qualquer um participe do processo via redes sociais, nos seus próprios termos, isto é, quando e como ele quiser. Só que ainda persiste a ideia de que lobby, poder e dinheiro são inseparáveis. No entanto, as redes sociais, ao agregarem a voz do cidadão, tornam-se um alto falante poderoso. Fica difícil o decisor ignorar uma petição que junte 500 mil ou 1 milhão de assinaturas. Isto é, o lobby digital empoderou o cidadão. Mas sempre existe um porém. Fake news, xingamentos, ameaças e a polarização do debate trazem um risco razoável de alienar o cidadão da conversa e diminuir a diversidade de opiniões.
De que forma os políticos usam o lobby digital?
As redes são uma maneira fácil e eficiente de se comunicar com a sociedade. Claro que nem todos os políticos estão nas redes compartilhando seu ponto de vista, mas hoje temos um Presidente da República bastante ativo. No Congresso, a Deputada Tábata Amaral é um bom exemplo. Ela está nas redes diariamente, advogando a favor de PLs, como o que tratava da pobreza menstrual e mais recentemente da poupança do ensino médio.
Qual o futuro do lobby digital?
Quem dera ter uma bola de cristal! Inclusive, gasto um capítulo inteiro do meu livro argumentando que não existe bola de cristal. Dito isso, acredito que estamos numa fase de transição em que uma primeira fase das redes sociais (na qual o lobby digital está inserido) já ficou para trás. Foi a fase na qual as redes sociais eram tudo de bom até que descobrimos que não eram.
Agora estamos numa fase de transição, marcada por uma avaliação crítica do que foi a primeira fase, com foco no que não deu certo: as bolhas e a polarização, as fake news, os escândalos do
Facebook, o assédio on-line e por aí vai. Os futuros das redes sociais e, por conseguinte, do lobby digital estão conectados.
Se a sociedade souber internalizar de forma saudável os aspectos negativos das redes sociais, acredito que podemos avançar para uma segunda fase em que a liberdade de expressão e o debate aberto continuem garantidos e os excessos sejam gerenciados. Mas esta não será uma
tarefa fácil.