Comunicação pública do acontecimento ao espetáculo, qual a medida da responsabilidade pública? Quando nos fazemos essa pergunta estamos prontos para realmente respondê-la?
Desde as eleições do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em 2016, com o mandato de 2017 a 2021, o mundo viu-se coberto de uma comunicação pública vinculada muito mais ao perfil do presidente do que às necessidades do cargo do mesmo. E não diferentemente, em 2018 tivemos as eleições brasileiras com a repetição do mesmo padrão americano, cujo presidente verbaliza (“comunica”) muito mais sobre si do que sobre suas obrigações como presidente ou suas reais posturas, como tal.
Mas como diferenciar nesse caso ou melhor ainda, como nomear a comunicação dessas figuras públicas e seus respectivos cargos? Suas comunicações precisam ser coerentes aos cargos? Podem existir duas comunicações públicas diferentes para uma mesma figura pública?
Bem sabemos que separar a figura pública de sua comunicação e dos acontecimentos que as rodeiam ou dividir público e privado fica praticamente impossível. França e Oliveira comentam em Acontecimento: reverberações, que:
“Nesse quadro, uma categoria particular de personagens públicos é aquela dos “indivíduos-acontecimento”. Esses são indivíduos cuja notoriedade é indissociável de sondagens, de controvérsias ou de celebrações suscitadas por acontecimentos dos quais eles participam ou nos quais se tornam uma figura emblemática. Esses personagens possuem um apelo interessante para uma análise pragmatista da experiência pública, pois a constituição de sua figura evolui junto com as mobilizações que estabelecem o sentido dos acontecimentos aos quais estão ligados.” (França, Oliveira. 2012. Pág. 15)
Partindo-se dessa indissociabilidade entre figura pública, comunicação pública e acontecimento analisaremos os impactos das comunicações nos públicos através dos múltiplos sentidos e afetações geradas. Essa análise buscará entender o quão impactante (benéfica ou nociva, responsável ou irresponsável) é a comunicação pública perante seus públicos e os possíveis resultados gerados por suas reverberações.
O poder inerente que a figura pública acredita ter
Para iniciarmos nossa discussão sobre o poder da figura pública e consequentemente o poder sobre a sua comunicação pública dois pontos são importantes a serem analisados: 1- não há comunicação pública sem Estado e sociedade e 2- não há comunicação pública sem negociação, debate e tomada de decisões. E é nesse segundo ponto que vamos nos ater.
Qual o tamanho do poder de uma figura pública a ponto dela se negar ao debate, à negociação? A ponto dela se posicionar com suas próprias linhas comunicacionais sem atender às negociações da sociedade?
Partindo-se do pressuposto que toda comunicação pública requer responsabilidade pública e isso significa conforme previsto na nossa Constituição Brasileira, que não caracterize risco de dano concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social, quando uma figura pública verbaliza uma comunicação qualquer que não se respeita princípios científicos, morais, sociais, ambientais, etc., compreende-se que há aí uma comunicação pública irresponsável e um uso excessivo de poder público em detrimento da ascensão como figura pública.
Se a comunicação pública serve para mediar interações comunicativas entre o Estado e a sociedade pressupõe que ambas as partes terão voz ativa e escuta ativa para que haja negociação e posterior tomada decisões sobre o que há de melhor e democrático para uma sociedade e uma nação.
A subjetividade sobre o melhor e o democrático e o que reza na constituição brasileira sobre princípios morais e sociais é o que talvez implique nas dificuldades de entendimentos de governantes (figuras públicas relevantes) e os impactantes de suas comunicações públicas e suas capacidades de influenciar grupos e sociedades.
Nota-se que não há foco no problema. Só há foco na figura pública e no embate. Mas não no embate que leva à negociação salutar. Ao embate que gera disputa apenas de poder unilateral. O princípio básico da comunicação pública não existe e não se estabelece a negociação, o debate e a tomada de decisões entre Estado e sociedade.
E ainda, as subjetividades individuais e as cargas culturais e emocionais individuais impossibilitam que cada indivíduo compreenda da mesma forma determinada mensagem. Daí o representante do poder – a figura pública – utiliza-se dessa subjetivação potencial da massa e os induz a um movimento que atenda melhor às questões de seu próprio interesse e manutenção de seu poder.
Essa capacidade influenciadora e até “manipuladora” é que talvez dê a essa figura pública o poder inerente de verbalizar temas polêmicos e mobilizar públicos, para ações controversas e complexas, em prol de um caminho confuso e difuso na sociedade.
A reverberação da comunicação pública através do poder influenciador de uma figura pública é o que explica o título desse artigo – Comunicação Pública Do Acontecimento Ao Espetáculo – Qual A Medida Da Responsabilidade Pública? – onde um simples acontecimento torna-se ponto de espetacularização de discursos propositalmente articulados para alcançar objetivos políticos e poder. Nem sempre esses objetivos têm a ver com a sociedade, com proteção, com democracia, e sim apenas com o poder.
Até que ponto essa figura pública pode passar por cima de valores e crenças, regras e constituições pelo simples propósito de atender a sua vaidade? Até onde a segurança política e social de uma sociedade será afetada a partir de uma postura individualista e não estadista de determinada figura pública?
O que podemos dizer dos últimos acontecimentos e suas espetacularizações na sociedade está relacionado ao quanto conseguimos nos distanciar da nossa relação com o passado, com as afetações vividas, com nossas subjetivações.
Mais ainda o quanto somos capazes de nomear uma figura pública como nosso representante com o distanciamento suficiente para que suas narrativas não sejam capazes de nos influenciar ou manipular ou até mesmo nos deixarmos ouvir aquilo que realmente queremos ouvir.
A relação da sociedade com a figura pública e sua narrativa está totalmente imbricada com a própria reputação da sociedade, com sua própria representatividade ou quem sabe, com a falta dela.
Quando uma sociedade conflita mais que negocia, quando uma figura pública grita mais que dialoga, quando há mais ordens do que acordos é sinal de fragilidade na visão da sua própria essência reputacional. E uma sociedade frágil é facilmente manipulável e facilmente dominável por uma comunicação truculenta, violenta e irresponsável.
A comunicação pública responsável só existe quando há democracia e democracia só
existe quando há povo e Estado em negociação.
Referências
-Barros Filho, Clóvis de. Peres-Neto, Luiz. Reputação: um eu fora do meu alcance. Rio de Janeiro. HarperCollins, 2019.
-França, Vera Regina Veiga. Oliveira, Luciana de. (organizadoras) Acontecimento: reverberações – vários autores. Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2012.
-Leal, Bruno Souza. Mendonça, Carlos Camargos. Guimarães, César. (organizadores) Entre o sensível e o comunicacional. Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2010.
-Matos, Heloiza (organizadora) – Comunicação pública. Interlocuções, interlocutores e perspectivas