Pelos cinco continentes e passando por diferentes regimes políticos, como funciona o lobby pelo mundo? Abaixo é possível encontrar três visões distintas e, por isso mesmo, muito ricas.
Como o lobby funciona em outros países?
Cada país tem seu modelo mas, sem dúvidas, o norte-americano ainda é a maior referência de lobby para o mundo. Apesar de haver diferenças regulamentares e de sistemas e regimes de governos entre os países democráticos, a base do lobby segue sendo a mesma na cultura ocidental: aprimorar a democracia e trazer maior participação da sociedade civil nos processos decisórios. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o lobby é regulamentado desde 1946, a prática dos chamados grupos de pressão já é totalmente inserida no processo político/legislativo.
No entanto, na União Europeia, o lobby faz parte dos processos decisórios e engloba não só corporações, mas também organizações não governamentais. No que diz respeito ao Japão, o lobby mais conhecido e poderoso do país asiático é feito pela Federação de Negócios do Japão.
A atividade de lobby nesse país asiático tem características mais corporativas e maior poder de influência de grandes grupos econômicos. Pode-se dizer que acontece algo similar, nesse sentido, no Brasil, onde o lobby mais estruturado ainda é exercido por grandes grupos corporativos e econômicos.
Existe lobby em países pouco democráticos ou nada democráticos?
O lobby regulamentado e estruturado no seu conceito mais técnico não existe em países cujo regime político é ditatorial. A atividade de lobby tem como premissa o Estado democrático de Direito, o que não é o caso, a rigor, na Rússia, na China e no Oriente Médio. Existem grupos de pressão que influenciam os tomadores de decisão, mas ainda assim não podemos dizer que é o puro exercício democrático de lobby. Na África, de modo geral, o lobby é feito em prol de causas sociais ou voltado para o desenvolvimento econômico e setorial.
Quais as diferenças e semelhanças do lobby nos Estados Unidos e no Brasil? Quais são as esferas decisórias?
Em primeiro lugar, o lobby é regulamentado nos EUA e, apesar de não ser ilegal no Brasil, essa é uma pauta que ainda sofre dificuldades para ser aprovada no legislativo, a despeito de haver várias iniciativas legislativas nesse sentido. Isso se dá, também, pelo conceito equivocado que o brasileiro tem da atividade de lobby.
Diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, no Brasil, o lobby ainda é compreendido como troca de favores, conchavo, venda de decisões, “toma lá, dá cá” e outras atividades que, na verdade, são classificadas no Código Penal como criminosas.
Existe o lobby e o crime de corrupção. Pode-se dizer que o lobby está plenamente absorvido e inserido no funcionamento do processo político norte americano. No Brasil, apesar de estarmos avançando, ainda precisamos compreender o lobby como uma atividade positiva e que torna a democracia mais forte e sadia. Outra diferença que merece menção é o fato de que nos EUA o lobby é igualmente forte e estruturado tanto no âmbito estadual quanto no federal.
No Brasil, apesar de haver lobby nas esferas estadual e municipal, a atividade acaba por ter como foco principal a esfera federal.
Como é a relação com os stakeholders?
Ao contrário do que o senso comum pode imaginar, de modo geral, a relação com
stakeholders é bastante técnica e formal, apesar da relativa proximidade e facilidade de acesso às autoridades. É possível, na democracia brasileira, conversar diretamente com parlamentares, por exemplo.
A enorme quantidade de partidos políticos do sistema eleitoral brasileiro dificulta a identificação de a qual grupo político cada stakeholder está ligado. Já nos EUA, essa avaliação se torna mais simples. Além disso, existem somente dois partidos nacionais.
E a questão da regulamentação da atividade em outros países?
Infelizmente o Brasil não é o único país que padece dessa má fama do lobby. Na Itália encontramos situação similar, assim como em vários outros países da Europa e da América Latina. Por outro lado, temos bons exemplos, além dos Estados Unidos, como o Chile que, recentemente, aprovou legislação que regulamenta a atividade de lobby naquele país. Da mesma forma, Peru, Colômbia e Argentina seguiram o mesmo caminho.
O que é possível aprender com outros países?
Com o exemplo da regulamentação norte americana atual podemos apreender que apenas regulamentar a atividade de lobby não é o suficiente para que ela funcione de maneira harmoniosa. Isso vai depender do tipo de regras a serem adotadas. Um exemplo disso, são as alterações recentes feitas na regulamentação do lobby nos Estados Unidos, as quais trouxeram um efeito perverso, devido ao excesso de transparência e burocratização extrema da atividade, com a obrigatoriedade de registro dos profissionais, por exemplo.
Tal mudança teve como consequência um aumento dos chamados “shadow lobbyists”: profissionais de grandes corporações que optam por atuar à margem da lei. Por fim, a maior lição que podemos tirar da atividade de lobby nos países desenvolvidos trata, sem dúvida, do amadurecimento da democracia em si. Para que haja maior participação do cidadão comum nas tomadas de decisão do poder público, é fundamental que se invista em educação.
Quanto maior a participação da sociedade na elaboração de leis e políticas públicas, mais saudável e isonômica se torna a democracia.
Como é o lobby por causas sociais em outros países?
Sobre esse aspecto, pode-se dizer que, quanto mais madura for a democracia, mais participação popular ela tem em seus processos decisórios, e vice-versa. Na União Europeia, por exemplo, existe forte mobilização da sociedade civil em prol de causas sociais. Nesse sentido, acredito no conceito de “lobby cidadão” criado pelo professor de direito na Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris – HEC, Alberto Alemanno, em seu livro “Lobbying for Change”. Para ele, todo cidadão pode ser seu próprio lobista, ao se conectar com outros pares da sociedade que compartilham de interesses similares. Para auxiliar nessa organização, Alemanno fundou o projeto The Good Lobby, do qual sou embaixadora no Brasil.
Como funciona o lobby em outros países?
De um modo geral, o lobby nos Estados Unidos e em grande parte da União Europeia está sujeito a uma regulamentação rigorosa. Apesar de adotarem sistemas políticos diferentes, eles implementaram uma série de medidas para tornar o lobby uma atividade mais transparente, que gere confiança entre os cidadãos. Entre as medidas adotadas estão: o registro de lobistas, a transparência a respeito dos interesses que representam e os valores que recebem pela atividade. No entanto, um dos pontos mais importantes é a profissionalização dos lobistas, de forma a evitar tentativas de captura do Estado. Por sua vez, o Japão faz parte do grupo de países da OCDE que não implementou regulamentos de lobby para tornar o processo mais transparente. Dentro desse grupo também estão vários países da América Latina, como Colômbia, Costa Rica e Brasil.
Existe lobby em países pouco democráticos ou nada democráticos?
Cada sistema político tem suas particularidades. Embora os países mencionados tenham um sistema político antidemocrático, cada um tem sua própria engenharia institucional e práticas culturais que tornam distintas as atividades de lobby. No caso da China, por exemplo, sendo um sistema tão fechado, é difícil para lobistas, especialmente profissionais internacionais, terem a informação a tempo de influenciar a tomada de decisões ou a criação de políticas públicas. Nesses casos, empresas americanas ou japonesas com operações na China optam por recorrer ao lobby diplomático por meio de suas embaixadas ou das instituições de comércio exterior de seus países.
Na Rússia há lobby, mas é muito incipiente. Devido à natureza do regime político russo, há poucos canais de participação da sociedade civil e uma rejeição ao ativismo cívico. Isso faz com que a atividade no país responda apenas a determinados interesses econômicos, o que alguns considerariam uma captura de Estado por um pequeno grupo.
Em outros países não democráticos com uma institucionalidade ligeiramente mais fraca, o lobby é feito por meio da proximidade com os líderes e de relações amigáveis.
Quais as diferenças e semelhanças do lobby nos Estados Unidos e no Brasil? Quais são as esferas decisórias?
A regulamentação sobre o lobby nos Estados Unidos é mais desenvolvida do que na maioria dos países latino-americanos, com exceção de Chile, México e Peru, que possuem regulamentos para tornar transparentes as atividades de lobby nas diferentes esferas do poder público. Apesar de vários países da região terem feito progressos para a formalização de pedidos de reunião com o Governo e com os congressistas, ainda há uma falta de maior transparência no processo, como a existente nos Estados Unidos. De um modo geral, pode-se dizer que nos EUA a atividade de lobby é mais orientada por ideias, enquanto na América Latina é importante possuir conexões ou ter financiado campanhas políticas.Outra grande diferença entre o lobby nos Estados Unidos e na América Latina é que, em função da organização norte-americana em distritos eleitorais, é mais fácil fazer política de base, as comunidades se unem para lutar por causas. Na América Latina é mais difícil realizar esse tipo de iniciativa.
Como é a relação com os stakeholders?
A relação com os stakeholders deve ser feita tendo clareza dos interesses que se representa e compreensão de que nosso interlocutor também defende seus interesses e que, ainda assim, é possível chegar a um ponto intermediário. Além disso, deve-se sempre buscar a persuasão com argumentos e explicar os cenários usando números e exemplos.
E a questão da regulamentação da atividade em outros países?
A maioria dos países do mundo não tem uma regulamentação clara sobre o lobby. Em países onde foram feitos progressos sobre regras claras para esta atividade, o objetivo tem sido torná-lo mais transparente a fim de gerar confiança entre os cidadãos.
Entre as medidas adotadas estão: o registro dos lobistas, a transparência sobre os interesses que representam, os valores que recebem para a atividade e a profissionalização dos lobistas.
O que é possível aprender com outros países?
Na região existem vários exemplos de países que já estão progredindo para tornar essa atividade mais transparente. No entanto, os pontos nos quais podemos fazer o maior progresso como região são a profissionalização dos lobistas para que possamos colocar a argumentação como o principal eixo do nosso trabalho. Da mesma forma, acredito que o primeiro passo para regular o lobby é o registro de lobistas, o que permitirá que cidadãos os supervisionem.
Como é o lobby por causas sociais em outros países?
Na América Latina há um ativismo social pronunciado, mas muitas vezes ele não tem força suficiente para gerar uma mudança por conta de seu reduzido impacto na mídia, e também porque as organizações às vezes permanecem somente no discurso e não se organizam bem. O ativismo social funciona quando vários atores se reúnem por um interesse comum – o problema é que às vezes eles são vistos como interesses particulares ou de poucos. Nos últimos anos, temos testemunhado uma série de movimentos sociais explosivos em vários países da região, nos quais os cidadãos tentam gerar mudanças e impor uma agenda social recorrendo, em alguns casos, até mesmo à violência.
Estou convencido da importância do protesto social e de que é possível pressionar por causas sociais, no entanto acredito que as organizações não podem recorrer à violência e precisam se organizar melhor para alcançar seus objetivos.
Como funciona o lobby em outros países?
Esta pergunta vai longe e é difícil respondê-la brevemente. Eu diria que há uma primeira grande diferenciação: o sistema político. O lobby e a representação de interesses são parte intrínseca de uma democracia. Além disso, sem representação justa de interesses não há democracia.
Já nos sistemas democráticos existem outras diferenciações. Na Europa Ocidental, associações, sindicatos e grupos sociais têm um peso maior do que, por exemplo, nos Estados Unidos, sem que isso seja menos legítimo. O importante é que haja transmissão de interesses, independentemente da forma específica.
Existe lobby em países pouco democráticos ou nada democráticos?
Depende de como “lobby” é definido. A meu ver, o lobby é inerente à democracia. Em outras palavras, é um processo competitivo, no qual são apresentados argumentos a favor ou contra um determinado projeto ou iniciativa. No final, deve ser sempre o parlamento, como órgão livre e democraticamente eleito, que deve tomar a decisão. Em ditaduras isso não existe, mas sim o mais poderoso prevalece, inclusive pela força, se necessário. Isso não é lobby, é “bullying”.
Quais as diferenças e semelhanças do lobby nos Estados Unidos ou na Europa e no Brasil? Quais são as esferas decisórias?
Essa pergunta também poderia ser respondida em um livro inteiro, pois é fascinante identificar semelhanças e diferenças no lobby em países democráticos. Simplificando muito, eu diria que uma diferença muito importante entre a Europa de um lado e o Brasil e os Estados Unidos do outro é que, na Europa, temos uma quarta esfera decisória, acima das três nacionais (municipal, estadual e federal), que é a da União Europeia.
Há certas áreas políticas, como o comércio, onde as grandes decisões são tomadas em Bruxelas e onde o lobby é necessariamente feito perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, e a Comissão, em Bruxelas. Lembre-se que a União Europeia é composta por 27 países membros, cada um com suas particularidades em termos de lobby e representação de interesses. Por isso não ousaria catalogar as semelhanças e diferenças com os EUA e o Brasil.
Como é a relação com os stakeholders?
Especialmente na Alemanha, o processo de lobby e representação de interesses tem estado tradicionalmente nas mãos de associações. A Alemanha é um país com uma forte tradição associacionista, de tal forma que até há apenas 20 anos praticamente não havia espaço em que outros atores/interessados que não fossem associações tivessem alguma importância. Isso mudou e hoje temos um mercado muito mais aberto e uma arena de stakeholders muito mais diversificada. Apesar disso, as associações continuam desempenhando um papel central na representação de interesses dentro do sistema democrático alemão.
E a questão da regulamentação da atividade em outros países?
Este tópico é muito interessante: praticamente todas as democracias têm algum tipo de sistema de regulação de lobby. Ao contrário do que se possa pensar, os EUA têm regulamentações muito rígidas.
Por outro lado, até recentemente, a Alemanha não tinha uma lei específica que regulasse o lobby – segundo muitos, também não precisava. De qualquer forma, a tendência é buscar padrões comuns para regular certos tipos de bases e princípios.
Já existem padrões da OCDE lá, e os regulamentos da União Europeia de alguma forma servem de diretriz para muitos de seus países membros. Acho que um aspecto importante é que muitos lobistas são favoráveis a uma regulação racional, porque dá legitimidade a uma atividade profissional que, por motivos óbvios, sempre estará no olhar crítico da opinião pública.
O que o Brasil pode aprender com outros países?
Não estou certo se o Brasil precisa necessariamente aprender. Afinal, estamos falando de um dos maiores países democráticos do mundo. Estou convencido de que todos os países democráticos têm muito a aprender uns com os outros nesta matéria. Em vez disso, eu diria que há um enorme potencial para a troca de experiências entre aqueles de nós que fazem lobby em sistemas democráticos.
Foi exatamente essa filosofia que nos levou, como associação de profissionais alemães de lobby e relações públicas (NetzwerkPublic Affairs), a assinar um acordo de cooperação com o IRELGOV há cerca de um ano.
Como é o lobby por causas sociais em outros países?
Em termos gerais, o lobby por causas sociais passou por um processo de profissionalização muito intenso. Em alguns casos, os lobistas de causas sociais podem não ter os mesmos recursos econômicos que aqueles que trabalham para empresas ou outros atores privados.
No entanto, eles têm sido muito mais hábeis em influenciar a opinião pública e ganhar muito apoio nos setores cultural, educacional e/ou acadêmico. Pelo menos na Europa, muitos deles têm uma influência enorme, que vai muito além do que muitas pessoas podem pensar.