Uma carreira que atua junto aos círculos do poder e dentro dos processos decisórios certamente é atraente para os jovens. No entanto, os que cogitam ingressar na carreira de relações governamentais certamente possuem muitas dúvidas: Quais aptidões são necessárias? Qual o futuro da profissão? Independente dos questionamentos, os números de jovens que buscam a atividade só têm aumentado.
Saber que sua profissão poderia influenciar diretamente em decisões importantes para a população foi o que motivou Gabriela Santana, advogada na área de Relações Institucionais e Governamentais, coordenadora de Legislativo na BMJ Consultores Associados e cofundadora do Dicas – Mulheres em RIG.
“Desde a escola me interesso por política, mas sempre foi um mundo muito distante. Durante a faculdade, estagiei em uma comissão da Câmara dos Deputados e me encantei pelo Processo Legislativo. Lembro-me de comparar as reuniões deliberativas com audiências de julgamento e ver ali que o Processo Legislativo, como costumo dizer, é o direito primeiro.
Digo isso porque, se bem executado, este pode propiciar leis claras, evitando judicializações futuras. Outra coisa que me motivou e atraiu foi a multiplicidade de formações dos profissionais da área, o que propicia uma troca muito rica”.
Giovana Carneiro, trainee na Patri Políticas Públicas, também teve o primeiro contato com a área na universidade. “Conheci a área no meu primeiro semestre da faculdade, em um curso de extensão sobre inteligência política e estratégia. Desde então comecei uma busca ativa por estágio na área. A grande motivação é a possibilidade de integrar de perto a elaboração de políticas públicas e como o trabalho em public affairs é importante para manutenção da democracia. Só há lobby se existirem instituições sólidas e diálogo aberto entre as empresas, a sociedade e os tomadores de decisão”.
Sua colega na Patri, Isabella Santos, supervisora de Eixo da Operação E&M, começou a se interessar pela área de relações governamentais quando era estagiária na Confederação Nacional de Municípios (CNM). “O processo de construção de políticas públicas pelos diferentes níveis de governo, bem como a influência de pautas e interesses no Executivo e Legislativo, chamaram minha atenção.
Atuar identificando barreiras e dificuldades, mas também janelas de oportunidade de atuação, me deu a certeza de que esse era um desafio do qual eu queria fazer parte”.
Segundo a diretora-executiva da AIPC (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau) e vice-presidente do IRELGOV, Anna Paula Losi, em um mundo onde a informação está cada vez mais acessível e diversa, um dos maiores desafios do profissional de relgov é ser capaz de tomar decisões com base em dados, fatos diversos e complexos. As aptidões para atuar no setor são muitas: “Capacidade analítica, criatividade, capacidade de negociação e visão estratégica. E muitas habilidades em comunicação em diferentes frentes: face to face, mas também nas mídias sociais, além de soft skills”, revela.
A crescente utilização de ferramentas digitais pode ser considerada um atrativo para essa geração que cresceu cercada de bits e bytes. Gabriela Santana acredita que são fundamentais para o levantamento de dados. “Percebo que quanto mais utilizamos essas ferramentas, mais o cerne da profissão passa a ser a estratégia e inteligência. Isso nos desafia a pensar e extrair o máximo destas ferramentas, com o intuito de atingir o melhor resultado profissional”.
Para Isabella Santos, as ferramentas digitais foram um atrativo, pois deram a oportunidade de se aproximar do tema e da carreira. Segundo ela, temas como digitalização, transformação digital e transparência estão cada vez mais frequentes e impulsionaram os poderes a tornar cada vez mais democrático o acesso à informação e a participação da sociedade nos processos. Além disso, multiplicaram as plataformas para disponibilização de conhecimento cada vez mais qualificado e espaços para troca e intercâmbio de ideias. “O mundo digital, inclusive, me permitiu terminar minha pós-graduação, cujas aulas presenciais foram interrompidas pela pandemia. Só consegui finalizar o curso por meio das tecnologias digitais, que possibilitaram aulas on-line e interação em grupo mesmo em um momento tão atípico da nossa história recente, onde se ‘aglomerar’ não era uma opção”.
A inserção no mercado de trabalho desses jovens profissionais certamente traz novas ideias, mas também a responsabilidade de utilizar a atividade como ferramenta democrática e contribuir para o desenvolvimento do país. Daniel Contreira, consultor da BMJ Consultores Associados, acredita que o caminho é ampliar a compreensão de que a defesa de interesses é um indicativo de fortalecimento democrático. “Grupos organizados devem ter acesso ao processo de decisão por vias claras e transparentes, e é isso que um jovem profissional deve ter em mente quando entra na carreira. É uma atividade pública que requer atenção e responsabilidade”, diz.
Gabriela Santana percebe na nova geração de profissionais que preocupações como sustentabilidade e promoção de oportunidades igualitárias para as diversas minorias são quase que intrínsecas à personalidade destes. “O mercado de relações institucionais e governamentais poderá ter muito mais diversidade no futuro e, consequentemente, será cada vez mais democrático. Com diferentes profissionais, advindos de diversos âmbitos da sociedade, o conhecimento sobre a atividade pode contribuir com o desenvolvimento de uma população mais crítica e ciente do poder que possui nas mãos”. Giovana Carneiro corrobora: “Os jovens podem trazer para a profissão uma renovação na forma de se fazer política. As novas gerações conseguem captar e construir políticas públicas de forma mais inclusiva e aberta, como a inclusão de grupos minoritários no debate, dentre eles inclusão de gênero, diferentes orientações sexuais e políticas afirmativas para negros e indígenas”.
Já Isabella Santos enxerga na sua geração, e na que está chegando, uma vontade muito grande de se envolver com os espaços de decisão do país. “Acredito que o mercado de relações governamentais proporciona esse ambiente onde essa juventude pode se informar e se engajar. Enxergo uma nova leva de profissionais cada vez mais antenados e conscientes sobre as responsabilidades, competências e limitações de cada agente e ator público e privado, para, a partir disso, propor políticas públicas cada vez mais eficazes e efetivas”.
E que futuro esses jovens acreditam que a profissão oferece? O que imaginam para eles? A vice-presidente do IRELGOV, Anna Paula Losi, avalia que o mercado de relações governamentais tem crescido muito nos últimos anos, não apenas nas grandes, mas também em médias e pequenas empresas. “Hoje os profissionais de Relgov atuam junto com a alta liderança. Os jovens que ingressarem na área podem almejar não somente altas posições no mundo corporativo, mas também participação na construção de um Brasil mais sustentável, democrático e equalitário”. É o que quer Daniel Contreira: “A possibilidade de influenciar positivamente no processo decisório no país, aproximando empresas e a sociedade civil organizada de atores da política, o que, em última instância, melhora a qualidade da democracia brasileira. Minha ambição na área é promover essa aproximação e conseguir enxergar os frutos do meu trabalho na elevação da qualidade de vida da população”.
Giovana Carneiro revela que 80% da empresa na qual trabalha é formada por profissionais de até 35 anos e crê que a tendência é que cada vez mais vejamos jovens atuando na área. “Imagino um futuro em que a atividade esteja devidamente regulamentada, com um programa de compliance sólido e regras claras de atuação. Penso que devemos construir pontes junto aos mais seniores com humildade para aprendermos o que só o tempo ensina. Assim como a vontade de aprender, também devemos saber o discernimento de ensinar. Modernizar as empresas, torná-las mais adeptas a novos formatos de trabalho e novas formas de atuação, principalmente aquelas baseadas na extração de informação qualitativa de dados brutos”.
A crescente contribuição da juventude na construção no processo de elaboração de políticas, na geração de mudanças sociais e na ocupação de espaços públicos e privados é o futuro, de acordo com Isabella Santos. “Me imagino uma profissional em constante crescimento, mas também contribuindo cada vez mais com o entorno em que convivo e trabalho, tanto com as pessoas que cruzar, quanto com a instituição em que estiver inserida”. Com participação cada vez maior no mercado, os jovens devem participar das discussões sobre ele, tanto para dizer o que sentem como jovens profissionais, quanto para ouvir a experiência de quem já percorreu um certo caminho. “Por isso o encontro com jovens profissionais promovido pelo IRELGOV foi tão importante”, afirma Gabriela Santana. A ideia foi escutá-los ainda mais. Somente com uma efetiva troca geracional será possível ampliar a profissionalização da atividade, produzir mais conhecimento e, consequentemente, promover um mercado profissional de relgov cada vez mais forte”.