A ausência de compreensão do significado da palavra lobby pela sociedade brasileira leva a uma resistência de grande parte da população, que trata a atividade de forma pejorativa. Um dos piores efeitos desse tratamento injustificado consiste no não aproveitamento do que a atividade proporciona – a possibilidade de minorias se fazerem ouvidas pelo poder decisório, corrigindo distorções e fortalecendo a democracia. Afinal, o que é lobby? Quais são seus efeitos e resultados?
Talvez a versão mais conhecida para a origem da palavra lobby mencione como autor do termo, o então presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant, que enquanto desfrutava de charutos e conhaque no saguão do Hotel Willard referia-se às pessoas que o abordavam como lobistas. “Mas isso não é o início. O lobby tem a mesma
idade que a negociação, a comunicação. Começou quando, em algum momento da história, um ser humano tentou influenciar outro”, afirma o professor e consultor de ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança) e Stakeholder Governance e fundador do IRELGOV, Gui Athia.
Para Mariana Chaimovich, advogada e diretora executiva da Editora Diálogos, do IRELGOV, o primeiro cientista político que empregou esse termo, com o significado específico de se influenciar decisões políticas do Poder Executivo ou a aprovação ou rejeição de proposições legislativas, foi Arthur Bentley em The Process of Government, do começo do século XX. “Mas, é claro, trata-se de um debate historiográfico fértil, e de uma discussão sobre a tentativa de diferenciar a defesa de interesses de maneira ampla e o lobby em sentido estrito”.
O lobby pode ser entendido como uma forma de participação da sociedade nas decisões que afetarão suas atividades. É, portanto, a tentativa de influenciar os atores públicos nos espaços decisórios, levando informações para melhorar o conhecimento dos que tomam as decisões. E se manifesta em todas as esferas de poder – Executivo, Legislativo e Judiciário.
“Os chamados “grupos de pressão” elaboram estratégias para dar suporte às suas demandas e interesses. Para tal, usam uma gama amplíssima e multifacetada de atividades que incluem coleta de dados e informações, elaboração de pesquisas estruturadas, propostas de políticas públicas e, é claro, a busca por atores que podem apoiar seus pleitos.
O contato direto com um parlamentar ou um membro do Executivo é, muitas vezes, o último estágio desse processo, apesar de ser, geralmente, o mais divulgado. Existe muito mais trabalho por trás dos bastidores do que se imagina”, revela Chaimovich.
Executado de forma ética e transparente, o
lobby só tem a oferecer a sociedades democráticas, pois traz à tona visões diferentes, enriquecendo o debate. Mas e quando essas condições não são seguidas? Segundo Athia, o lobby “errado” acontece quando, além da corrupção ilegal, tem a corrupção moral, aquela que ignora a governança. “Governança é propósito, pessoas, processos e performance. Propósito é o resultado da decisão. Pessoas são os participantes do lobby, com inclusão e diversidade de perspectiva. Processo é transparência e metodologia e performance consiste em ter resultados”.
Até alguns anos atrás, o profissional de relações governamentais e institucionais possuía trânsito fácil nas sedes do poder em Brasília, por conhecimento e até amizades. Com o passar dos anos, a atividade se profissionalizou e passou a exigir, além de habilidades de relacionamento interpessoal, conhecimentos técnicos e em áreas de ciências exatas, como estatística e Tecnologia da Informação.
“Hoje, é muito mais fácil ter acesso aos tomadores de decisão, até pelo fato de termos acesso ao número de telefone ou ao e-mail do parlamentar no próprio site do órgão”, diz Mariana Chaimovich. “Mas agora os profissionais de relações governamentais devem demonstrar, com pesquisas metodologicamente estruturadas, os motivos que estão por trás dos seus pleitos. Isso se tornou possível graças ao uso de ferramentas tecnológicas que aumentaram sobremaneira a capacidade preditiva de quem trabalha com o tema. Há inclusive empresas que fazem monitoramento e análise dos dados, permitindo que os profissionais foquem na melhor utilização destes em seus cotidianos”.
Gui Athia corrobora: o lobby acompanha as mudanças da sociedade. “A atividade vem mudando rapidamente com as redes sociais e os Millenials. E quando sentirmos de fato as consequências humanas e econômicas da emergência climática e a polarização política, o lobby mudará ainda mais”.Democracia e lobby estabeleceram uma relação quase simbiótica. Este último não existe, no sentido stricto sensu, fora de um ambiente democrático e a primeira tem muito a ganhar com o lobby.
A atividade tem como objetivo, antes de tudo, informar a sociedade e os formuladores de políticas públicas sobre os assuntos a serem debatidos. “Precisamos lembrar que parlamentares e membros do Poder Executivo possuem, em geral, históricos diferentes. Além disso, não é possível ter conhecimento sobre absolutamente todos os assuntos que podem passar por sua apreciação para elaborar decisões embasadas”, explica a diretora da editora Diálogos. “É aí que o profissional lobista entra: para tentar suprir este déficit com informações claras, estruturadas e baseadas em dados. Isso permite que determinadas decisões sejam influenciadas para evitar uma política pública que, apesar de ter boa intenção, não supre a necessidade ou a realidade em que está inserida, e, muitas vezes, pode ser até prejudicial para a população”.
A aprovação de leis, em um ambiente democrático, é mais lenta do que em um sistema ditatorial, porque o caminho que o processo precisa percorrer entre os poderes – Legislativo e Executivo, e mesmo dentro das duas Casas do Congresso – é mais demorado. “O mais importante a notar é que, em governos democráticos, as discussões são mais ricas, com a participação ampliada de atores, com percepções diferentes a respeito do tema. Tudo fica mais rico, plural, e, portanto, potencialmente mais compreensivo”, ressalta Chaimovich.
Para a diretora da Diálogos, o lobby é algo positivo e que tem, inclusive, previsão constitucional: a nossa Constituição, ao assegurar a todos o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos, permite expressamente que os cidadãos provoquem a atenção dos poderes públicos a respeito de determinada situação pela qual tenha algum interesse. E é justamente essa a função do lobby. “Isso tem relação direta com a discussão sobre a regulamentação da atividade: muitos profissionais temem que a regulamentação restrinja a atuação do profissional de relações governamentais. Acredito que os benefícios que a regulamentação pode trazer para a transparência podem ajudar a aproximar essa profissão da sociedade como um todo. Claro que essa legislação está sendo avaliada de perto, para que não traga restrições desmedidas ou desproporcionais à atuação dos lobistas”.
Nem todos concordam integralmente. “Não defendo a regulamentação do lobby, defendo sua transparência e inclusão, como faz a UE (União Europeia)”, afirma Gui Athia.
“Mesmo imperfeito, a UE tem um sistema que traz estudos preliminares, discussões técnicas, consultas públicas e relatórios de evolução, entre outros. Regulamentar o lobby é dar o gabarito ao mal-intencionado e dizer a ele que se seguir à risca estará blindado legalmente”.Mas como seria a sociedade se não houvesse
lobby? “Idealmente seria perfeita”, brinca Athia. “No entanto, isso não existe nem nas melhores famílias. A sociedade precisa entender o problema, ouvir, conversar, negociar e trabalhar junto para resolver. Se não for assim, é cada um na sua. Ou pior, um contra o outro, um jogo de soma zero. Lobby errado é aquele que constrói muros e lobby certo é aquele que constrói pontes —importante, pontes que duram”.
Chaimovich alerta: uma sociedade sem lobby corre o risco de ter uma regulamentação que não funciona, descolada da realidade. “Isso traz consequências nefastas para todos os cidadãos. Em sociedades democráticas, os tomadores de decisão são – e devem ser – confrontados com uma rede de interesses extremamente complexa e, por isso, precisam ser expostos a perspectivas e opiniões distintas para subsidiar suas escolhas. Os lobistas providenciam informações confiáveis e comprováveis àqueles que têm por missão resguardar os interesses da sociedade”.