É no árido Planalto Central, centro do poder nacional, à sombra dos ipês amarelos que as decisões vitais para o país são tomadas. Mas quais são os segredos para alcançar o sucesso no Eixo Monumental? Há diferenças em relação à atuação no resto do Brasil?
De acordo com Carmem Murara, diretora de relações institucionais e governamentais do Grupo Marista, um lobista em Brasília não difere de um lobista em qualquer outro estado ou município – as estratégias são muito semelhantes e envolvem o mapeamento dos públicos a serem abordados, o entendimento do funcionamento do Congresso e da pauta legislativa e um bom plano de execução. “Assim como em qualquer outro lugar, atuar em Brasília exige de um lobista dedicação e conhecimento de como funciona a dinâmica do governo, do Congresso e de seus integrantes. Essa habilidade se adquire com a experiência do dia a dia e com muita informação. É necessário dominar o cenário político, conhecer quem é quem, entender os limites e as táticas que ocorrem para as articulações políticas e buscar antecipar-se a mudanças, tentando prever o que vem pela frente”.
Ivan Ervolino, sócio-fundador e diretor de Estratégia na Sigalei, acredita que os principais focos de um lobista na capital da República são a construção da estratégia e o planejamento de suas ações. “É importante que ele tenha claro os temas mais prioritários para sua organização e, assim, conseguir identificar quais os principais stakeholders que podem ajudar nas suas demandas é essencial. Afinal de contas, monitoramos projetos, mas conversamos com pessoas.
Ele revela que as estratégias variam de acordo com o tipo de demanda, com o setor que se está atuando e com o momento político. Contudo, independente dessas variáveis, ter um processo de atuação bem desenhado e claro sobre os temas e os stakeholders relevantes para a organização ajuda muito. “Ferramentas que monitoram o ambiente político e permitem que se gerencie as atividades e se registre as informações mapeadas são essenciais no dia a dia”, afirma Ervolino.
Murara aposta na atuação por meio de entidades de representação, o que organiza a atuação do lobby. Mas um ponto fundamental é entender o momento certo de iniciar o pleito, além da escolha correta dos parlamentares que serão os defensores. “Outra estratégia fundamental é ter a opinião pública apoiando sua causa. A mobilização popular ou de setores da sociedade é estratégica para sensibilizar as lideranças políticas, governantes e parlamentares. Para isso, um bom plano de comunicação é fundamental”.
Para a diretora do Grupo Marista, para conseguir aprovar pleitos em Brasília é necessário definir com clareza e objetividade a pauta a ser defendida e traçar os objetivos e avanços que podem ser conquistados, assim como alinhar com a empresa ou com o segmento da sociedade o que se quer buscar. “Com o plano definido, é importante relacionar quem serão os apoiadores e os possíveis detratores da sua causa. A partir desse mapa, iniciam-se as articulações com encontros, conversas e reuniões com parlamentares, a fim de apresentar a proposta e solicitar o apoio. Com frequência, um plano de comunicação que evidencie a pertinência do tema é colocado em prática e isso facilita muito alcançar um bom resultado”. O diretor da Sigalei afirma que existem diversas formas e estratégias para se conseguir a aprovação de uma demanda. “O importante é ter um processo bem estruturado, pautado no monitoramento dos temas e stakeholders relacionados àquela demanda que se quer aprovar.”. Mas ressalta: “O sucesso de uma negociação política, infelizmente, não depende 100% do esforço do lobista”.
Segundo Ângela Oliveira, diretora de Relações Institucionais da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), estabelecer um diálogo consistente com os atores envolvidos na demanda, garantindo que seus pleitos serão compreendidos, é uma forma de pavimentar o caminho da aprovação dos pleitos em Brasília.
“Se estivermos falando de um projeto de lei, por exemplo, é fundamental estabelecer um diálogo com o relator da matéria, produzir e distribuir materiais didáticos que consigam explicar a sua pauta, para criar um canal de comunicação eficiente entre o lobista, o tomador de decisão e os demais stakeholders envolvidos”.
E o pior erro? “É não dar transparência ao longo da execução do plano de incidência política”, diz Carmem Murara. “Cada vez mais as empresas têm regras rígidas de compliance e, por isso, toda ação de lobby tem de estar respaldada na transparência e em alinhamento com os códigos de conduta e de ética das organizações. Só pode ser feito, aquilo que pode ser contado e tornado público”. Ivan Ervolino faz coro: a falta de transparência na negociação, tanto com stakeholders externos à organização quanto com os internos, causa uma assimetria na informação que pode gerar ruídos que acabam travando o processo de construção da estratégia. Em muitas situações, o modelo político brasileiro traz dificuldades para o exercício da atividade do lobby.
“O próprio calendário eleitoral, que impõe ao país eleições a cada dois anos, faz com que a tramitação das pautas no Congresso ou no governo ora seja acelerada ora engavetada, ou votada às pressas”, lamenta Murara. “Outro dificultador é a relação do político com o partido ao qual pertence. Nem sempre vemos uma identificação com a sigla partidária ou com as orientações do partido”, comenta.
Apesar das dificuldades que o modelo político brasileiro impõe, como o excesso de cargos e instâncias, Ervolino acredita que é possível explorá-las de maneiras positivas como, por exemplo, as potenciais oportunidades que se abrem quando se tem o jogo político jogado em múltiplas arenas (como, por exemplo, no legislativo e executivo) e em múltiplas esferas (federal, estadual e municipal). “Se bem explorada, essa diversidade de possibilidades pode auxiliar o lobista na construção de sua estratégia”. Ângela Oliveira acredita que a atividade de lobby vem se adaptando ao modelo brasileiro. “Para além da facilidade ou dificuldade da atuação, acredito que o primeiro desafio é um trabalho educacional, mostrando para os atores que a defesa de interesses é uma atividade legítima e não é corrupção”.