O comércio internacional como mecanismo indutor da recuperação pós-pandemia
Por Karla Borges*
Nas palavras de Willian Bernstein, autor do livro A Explendid Exchange – how trade shaped the world, “a movimentação de mercadorias pelo mundo é um fenômeno tão cotidiano que se tornou quase invisível. Contudo, os negócios, a política, a tecnologia e a política do comércio foram forças poderosas ao longo da história.” Tendo em conta este espírito e o fato de que o comercio global é um importante mecanismo capaz de gerar um circulo virtuoso no cenário pós-pandemia, o décimo e último episódio da série sobre os impactos da pandemia, discutiu as mudanças e os cuidados que devem ser adotados, em nível local e global, diante das incertezas trazidas pela crise sanitária, tendo como centro o relacionamento comercial do Brasil com o mundo e, em especial, no contexto bilateral Brasil-China.
A discussão, promovida entre Marla Naumann, Gerente de Projetos na Aker Solutions e Henrique Reis, Relações Internacionais no Grupo China Trade Center, com moderação da presidente Suelma Rosa, buscou refletir sobre os efeitos desta crise sanitária sobre o comercio internacional. Marla aportou sua visão de brasileira, residente na China e que coordena um projeto internacional para uma operadora estatal chinesa. Henrique trouxe a percepção de quem está na linha de frente da construção da agenda bilateral de comércio e investimento Brasil-China.
Dentre os pontos de inflexão que esta nova ordem internacional em construção suscita e que foram objeto da discussão, estão a resposta do Brasil à crise sanitária, sua imagem no contexto internacional como um importante ator no sistema global de comércio e, em termos práticos, a inserção e participação do país nas cadeias globais de valor e de suprimento que perpassam a própria estratégia de recuperação econômica do país, vis a vis, a prática e a experiência chinesa.
No que toca a resposta do país à crise e seu processo de recuperação econômica, Suelma, comentou documento divulgado no final de abril pelo Instituto de Pesquisa Econômica Avançada – IPEA,[1] que discorre sobre a capacidade de recuperação da economia brasileira e seus impactos no comércio internacional brasileiro. Embora no momento de sua divulgação não tenha sido possível estabelecer previsões sobre como se dará a recuperação do país, o documento buscou oferecer como parâmetro, quais seriam as premissas de um processo de recuperação e de retomada da economia e, consequentemente, de aumento da participação brasileira no comércio internacional.
Segundo o estudo, considerando os números e patamares atuais que são de redução do comércio, as premissas para um movimento de retomada interna tratariam da capacidade efetiva de implementar políticas econômicas que respondam às necessidades de curto prazo, ao mesmo tempo em que equilibradas com os desafios apresentados pelas reformas que o país tem à frente. Mesmo estudo, comenta a longevidade da pandemia e seu ciclo de abertura e fechamento no Brasil, a que se tem observado ao longo dos últimos meses, o que leva à necessidade de um estabelecimento de agenda estratégica de comércio internacional. Neste contexto, a discussão então travada no webinar aponta a importância da relação com a China, hoje o principal parceiro comercial do país, assim como da construção da imagem do Brasil no contexto internacional, cujo potencial vai muito além da soja, carne e minério – produtos já consolidados em nossa pauta exportadora.
No que se refere à ruptura nas cadeias produtivas globais e à necessidade de se criar mecanismos perenes de suprimento – questão evidenciada desde logo na atual crise sanitária, o webinar discutiu a abertura do mercado e a diversificação de parceiros comerciais, além da capacidade de resposta dos atores governamentais e das empresas fornecedoras para se restabelecer padrões produtivos. Constatou-se que em um cenário de ciclos de produção alterados e, ao mesmo tempo, da urgência de se garantir que as cadeias de suprimentos globais sejam mantidas, é imprescindível que sejam dadas resposta rápidas por parte das estruturas de governo, de forma coordenada com uma estratégia comercial já pré-definida com o setor privado.
Alguns temas para os quais ainda não há uma resposta clara, pontuam se estaria o Brasil adotando o modelo certo para a retomada econômica ou, se estaria o país na contramão do que vem sendo feito. E, se poderia o país, consideradas obviamente as particularidades de cada sistema, tirar algumas lições do modelo chinês tanto no que se refere às medidas econômicas, como no que trata das medidas de proteção da saúde da população de enfrentamento da crise.
Dados divulgados pela Organização Mundial do Comércio – OMC, em fins de junho, informam que o volume global do comércio de mercadorias diminuiu 3% em relação ao primeiro trimestre do ano anterior. Sinais claros de retração da economia mundial. As estimativas iniciais para o segundo trimestre, indicam uma queda ano a ano de cerca de 18,5%. Em um cenário relativamente otimista em que o volume do comércio mundial de mercadorias em 2020 se contrairia em 13%, e um cenário pessimista em que o comércio cairia 32%[2]. Como já dito, existe uma relação direta entre a recuperação econômica e volume das trocas internacionais de bens e serviços e crescimento e desenvolvimento.
A despeito das previsões que sinalizam uma retração nas trocas globais, um fato é inconteste, neste mundo novo que surgirá pós-pandemia, o comércio internacional será uma ferramenta essencial para a recuperação econômica dos países e de suas sociedades. Se esta nova lógica de comércio será global, regional, aberta ou fechada é tema para uma outra discussão. Fato é, contudo, que o Brasil precisa definir sua agenda comercial, repensar sua imagem internacional e trabalhar junto ao setor privado para a construção de relações que garantam perenidade e segurança jurídica, além de maior participação na dinâmica das compras e vendas internacionais. É hora de arregaçar as mangas e trabalharmos juntos, público e privado, agora em uma nova dinâmica, para que isso aconteça.
[1] Carta de Conjuntura – nº 47 – segundo trimestre de 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/200430_cc47_economia_mundial.pdf. Consultado em 17/07/2020.
[2] OMC press release. Disponível em: https://www.wto.org/english/news_e/pres20_e/pr858_e.htm. Consultado em 17/07/2020.
*Karla Borges é advogada com vasta experiência nas áreas de comércio internacional, investimentos e relações governamentais. Ao longo de sua carreira, esteve envolvida em uma grande variedade de negócios e questões jurídicas, tanto no Brasil, como no exterior. Doutora em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre pela Fletcher School of Law and Diplomacy da Tufts University e bacharel em direito pela Universidade Estadual de Londrina, possui extensa vivência acadêmica com publicações nacionais e internacionais, além de lecionar em programas de graduação e pós-graduação da ESPM, FIA-USP e FECAP.
O artigo assinado por Karla trata do EPISÓDIO 10, último da série de webinares semanais com o tema COVID-19: Os impactos nas Relações Governamentais, no qual participaram como palestrante MARLA NAUMANN, Gerente de Projetos na Aker Solution; HENRIQUE REIS, Relações Internacionais e Institucionais na China-Brasil Investimentos e como moderadora, SUELMA ROSA, Diretora de Relações Governamentais na DOW Química e Presidente do IRELGOV.
No WEBINAR EM RESUMO, profissionais associados ao IRelGov, preferencialmente com carreira acadêmica, partem do debate ocorrido em cada Webinar promovido pelo instituto para dissertarem sobre o tema de acordo com o viés que preferirem. Assim, o IRelGov cumpre sua missão como Think Tank, que pensa, analisa e compartilha ideias.
As opiniões e posicionamentos relatados neste artigo são de responsabilidade do autor(a) e não correspondem, necessariamente, ao posicionamento do IRELGOV.