Por Paulo Homem (Gerente-executivo de Relações Internacionais da Compass Gás & Energia)
A economia no Brasil vem se modernizando e com ela vem também a necessidade de se modernizar nosso sistema regulatório. A abertura de alguns setores a partir da década de 80, antes concentrados nas mãos do Estado, exigiu uma resposta política por meio da criação das agências reguladoras. Os recursos públicos já não se mostravam capazes de atender às demandas de aprimoramento de determinados setores essenciais, como o elétrico, aliado à falta de eficiência dessas estatais e aos seus endividamentos foram fundamentais para que se levasse a um modelo que transfere para companhias privadas a execução de tais serviços.
Foi logo no início do recém-eleito governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, que se iniciou essa discussão. Em dezembro de 1996 foi sancionada a lei de criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), regulamentada por um decreto no ano seguinte. Em dezembro de 1997 ela passou a exercer formalmente suas atividades como a primeira agência reguladora brasileira. A nova autarquia assumiria as funções anteriormente exercidas pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (Dnaee).
Passados 25 anos, o que se vê é uma consolidação da relevância do papel das agências – até hoje questionadas por alguns – e o amadurecimento institucional dessas entidades. Uma lei federal aprovada em 2019 determinou mudanças em relação aos mandatos da diretoria, lista tríplice e outras medidas na direção do fortalecimento delas. Mais importante ainda foi o decreto concebido pelo atual Ministério da Economia – trabalhado liderado pelo s ecretário Marcelo Guaranys e por Kélvia Albuquerque, que resultou na instituição da Análise de Impacto Regulatório (AIR).
O instituto da AIR é crucial para a evolução do nosso sistema regulatório. Ele induz as agências a tomarem decisões mais técnicas, transparentes e com mais participação da sociedade. Além disso, há também a previsão da Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), que significa uma aferição da efetividade das normas. Ou seja, as decisões amparadas pelas Análises de Impacto alcançaram os objetivos desejados? Se não conseguiram, as agências têm o dever de reverem suas regulamentações. E, de fato, isso (resultados diversos dos pretendidos) acontece com frequência. Nem tudo aquilo que faz sentido no papel se reproduz na vida real.
Mas esse processo de amadurecimento também enfrenta desafios. Talvez o mais complexo deles seja a disputa por competência. Existem zonas cinzentas onde não se tem a clareza de qual ente é o competente para tratar um assunto. Essas disputas se dão comumente entre os Poderes Legislativo, Executivo e as agências reguladoras. Há inúmeros casos concretos que retratam essa situação. Nesse sentido, o “ativismo regulatório” se mostra um fenômeno interessante. Não apenas porque representa um sinal de fortalecimento das autarquias, mas também porque atua para impedir que outras instâncias se apropriem das funções das agências.
Outro tipo de disputa frequente são as internas. Muitas vezes as áreas técnicas das agências entram em colisão com a diretoria e isso acaba acarretando a paralisação de determinados temas. Quando não se chega a um consenso, a questão fica sem solução.
Em razão disso e de outros desafios, a atuação do profissional de relações governamentais se apresenta como decisiva. Quem atua em relações governamentais também pode atuar no regulatório? O contrário pode ser verdade? São funções que devem atuar separadamente? Há subordinação? Enfim, há uma série de questões que podem ser colocadas e todas as respostas podem estar corretas.
Dependerá sempre da característica do negócio e do nível de conhecimento do profissional. Não é surpresa para ninguém que a área de relações governamentais evoluiu bastante e hoje exige mais conhecimento técnico. Não necessariamente prévio (não chega a ser uma barreira de entrada à profissão), mas só abrir portas, como prevalecia no passado, não é mais suficiente. Ou seja, um mesmo profissional pode sim executar as duas funções.
Há setores em que o regulatório é o coração de uma companhia. Um exemplo é a distribuição de gás canalizado. A principal discussão de uma distribuidora é a definição da sua tarifa, que é decidida por uma agência reguladora estadual precedida de consulta e audiência pública. E é uma discussão predominantemente regulatória. A área institucional entra para definir a estratégia, fazer o acompanhamento do assunto e criar alternativas que vão além da discussão mais técnica. Esse é um caso em que se recomenda a separação das atividades.
Tão importante quanto isso é o reconhecimento de que os profissionais de relações governamentais precisam compreender melhor o ambiente regulatório. É um terreno diferente do advocacy tradicional, que em geral está mais relacionado ao Legislativo e ao Executivo. São regras e dinâmicas distintas. O acesso às informações e aos players também é mais restrito, se comparado, por exemplo, ao Congresso Nacional, onde os parlamentares transitam normalmente pelos corredores da Casa.
Uma iniciativa interessante poderia ser o aprofundamento do estudo de sistemas regulatórios nas especializações de relações governamentais. É sem dúvida um nicho muito promissor para o segmento. Portanto, precisamos estar preparados!