Por Daniela Castro (Diretora executiva da Impacta Advocacy)
“Causas” nada mais são que problemas públicos que buscamos resolver ou influenciar para que haja soluções. Os problemas sociais e econômicos que afetam todos – seja em uma cidade, estado ou país – são concretos e perversos: fome, violência, falta de saneamento básico, mudanças climáticas, desmatamento, baixa qualidade da educação e inúmeros outros. No Brasil, os indicadores sociais, de renda e de desigualdade mostram claramente que precisamos de solução na prática. E se engana quem acredita que somente o governo vai resolvê-los, sozinho ou sem pressão. A participação da sociedade e de todos seus atores políticos é fundamental se queremos um país melhor no futuro.
A defesa de causas está na pauta de muitos setores, não só das ONGs. Empresas são cada vez mais cobradas a se posicionarem. ESG e outras iniciativas incorporarão ao setor cada vez mais métricas cujas externalidades negativas sejam endereçadas. Além disso, empresas são atores políticos com impacto na comunidade em que atuam, perante outros stakeholders e convivendo com problemas sociais e ambientais que afetam todos. Por isso, não poderão deixar de ter em seus negócios estratégias que contribuam para solucionar esses problemas.
A busca por impacto social será cada vez mais atrelada ao impacto de alta escala que mude indicadores locais ou nacionais e que contribuam realmente para a solução de problemas sociais e econômicos. No geral, países desenvolvidos chegaram a tal ponto pela atuação ativa da sociedade civil, apoiando, cobrando, fiscalizando, ou seja, promovendo ações de advocacy.
Advocacy é um termo usado há muito tempo para definir ações da sociedade civil na defesa de causas. Tem-se uma confusão de que seria o mesmo que relações governamentais ou lobby, mas é mais do que isso. Trata-se de uma estratégia para trazer mudanças comportamentais, políticas ou sistêmicas. E, por ser uma estratégia, a depender da mudança que se quer, utilizam-se diversas ferramentas. Lobby seguramente é uma delas, mas existem muitas outras, como campanhas, acordos privados, divulgação de relatórios e coalizões, entre outras.
Produzir conhecimento sobre um tema pode mudar comportamentos. Como por exemplo, o primeiro relatório sobre os malefícios do cigarro a longo prazo mudou a mentalidade das pessoas. Ou ainda, acordos privados que podem mudar a história de um ambiente e trazer ganhos ao país. É o exemplo do “Pacto pelo Esporte” que mobiliza empresas brasileiras a somente patrocinar entidades esportivas comprometidas com integridade, governança e transparência. Ou ainda o “Pacto contra o trabalho escravo” cuja cadeia produtiva se compromete a não comprar de empresas envolvidas com a prática.
Há anos, o advocacy é utilizado em países como EUA e Europa para defender causas ou realizar mudanças estruturais, mas ainda não ganhou no Brasil a relevância e o entendimento que deveria ter. Do fim da segregação racial nos EUA às alterações nas regras eleitorais no Brasil, como a punição pela compra de votos, o fim do financiamento de campanha, a Lei da Ficha Limpa, a aprovação do Fundeb, políticas de combate ao trabalho escravo e tantas outras foram resultados de ações de advocacy.
O que falta ao Brasil não são propostas, cases e ideias para os problemas públicos, mas ações para que virem realidade e tragam resultados concretos. Apesar de a sociedade civil não ter a caneta na mão e a escala que o governo possui, ela pode influenciar para que leis sejam aprovadas ou políticas sejam implementadas.
O primeiro passo é ter claro qual a mudança que se quer e como ela pode acontecer. É preciso fazer isso de forma detalhada. A sociedade civil, para de fato causar impacto social com escala, precisa estar no jogo e com todo o conhecimento como se a caneta estivesse com ela para tomar decisões. Ou seja, é preciso saber quais as causas dos problemas, quais as alavancas da mudança e, a partir daí, definir as melhores estratégias.
Quando se trata da área social, econômica, ambiental e política, os problemas são complexos e o cenário, imprevisível. Por isso que um plano de advocacy é fundamental para que a ação não fique à deriva e baseada somente em atividades.
Um plano de advocacy se diferencia de um planejamento estratégico tradicional e tem especificidades baseadas na teoria da mudança, pois o “produto final” é uma mudança e as variáveis são complexas. Para realizar mudanças estruturais, são necessárias ações de longo prazo, planejadas e que atuem nas causas dos problemas, caso contrário corremos risco de atuar somente nos sintomas, “enxugando gelo”.
Advocacy não é algo somente usado por ONGs. Pode ser usado por pessoas ou mesmo empresas. Todos são atores políticos dentro de uma democracia. E conseguir mudanças não é tarefa impossível, mas com certeza a inação pode trazer resultados com os quais não estamos felizes como sociedade, pois as decisões políticas são tomadas diariamente, com ou sem nossa participação.
Por isso, advocacy não é lobby. É mais do que isso. E é o meio com o qual empresas, ONGs e movimentos podem realmente promover impacto social com escala e é algo vital e necessário para que um país democrático caminhe para um desenvolvimento inclusivo, sustentável e justo.