Contra fatos não há argumentos: após a Revolução Industrial, a humanidade aumentou de forma exponencial seu impacto sobre o planeta e, agora, aproxima-se rapidamente de um esgotamento dos recursos naturais, o que provocará mudanças radicais nos modos de viver e nos modelos econômicos.
A implantação de novas formas de produção, consumo e organização social se impõe e a criação dos conceitos de ESG pode representar um alento. Mas é preciso cautela ao avaliar seus resultados, nem sempre unânimes.
A sigla ESG surgiu pela primeira vez em um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), em 2005, quando instituições financeiras de nove países – incluindo o Brasil – debateram projetos e recomendações sobre como incluir questões ambientais, sociais e de governança na gestão de ativos, na política econômica e em pesquisas relacionadas ao tema.
Para alguns analistas, o conceito de ESG pressupõe significativa transformação dos negócios no sentido de uma sociedade justa e ambientalmente sustentável, com qualidade de vida para todos. Entende-se que as empresas têm responsabilidade em relação aos impactos que provocam no meio ambiente e na sociedade – lucro e retorno aos acionistas já não devem mais ser o foco delas e sim a geração de valor para todos os públicos com os quais as empresas se relacionam – os stakeholders.
Até porque cuidados com o meio ambiente, responsabilidade social e melhores práticas de governança acabam influenciando positivamente no balanço das empresas. Mas será que as empresas efetivamente incorporaram os conceitos de ESG em sua cultura? Frederico Amaral de Oliveira, CEO e fundador da Sigalei, considera que essa é uma realidade que ainda não se concretizou. “Acho difícil falar que é uma prática bem estabelecida nas empresas. Dentro da minha experiência com o tema, vejo empresas que se preocupam e outras não. E mesmo dentro das empresas que se preocupam, a prática do ESG é parcial, isto é, em alguns pontos ela está em conformidade, em outros pontos não. E, ainda, é preciso avaliar se o ponto de conformidade do ESG é realmente alinhado às principais externalidades da empresa”.
Ele ressalta que muitas ainda estão presas na medição de KPIs de meio ambiente e diversidade, como, por exemplo, pegadas de carbono e diversidade. Poucas estabeleceram um processo contínuo de engajamento de stakeholders que, na visão dele, constitui o cerne do processo.
“Acredito que, para realmente introjetar os conceitos do ESG dentro da cultura da companhia, é necessário promover uma redefinição dos objetivos estratégicos por meio da reavaliação da importância dos stakeholders aos quais ela precisa servir e repensar meios para equilibrar os interesses. Caso o interesse do acionista de curto prazo seja maior do que de outros públicos envolvidos, dificilmente pautas relacionadas à sustentabilidade serão prioridade, pois podem representar redução da lucratividade, o que impedirá o avanço do ESG”, afirma.
Giuliana Franco, consultora autônoma para agenda de análise política e ESG, concorda com o CEO da Sigalei. Segundo ela, várias empresas incorporaram os conceitos, mas ainda há muito o que fazer. “Algumas organizações, preocupadas com a sustentabilidade de seus negócios a longo prazo, implementaram conceitos ESG, antes mesmo da definição da sigla, em suas operações e estratégias produtivas. É o caso da 3M, que atua no Brasil desde 1945, e foi pioneira em implementar estratégias de sustentabilidade em seus processos produtivos. Aqui é preciso diferenciar sustentabilidade de ESG: a primeira é um conceito amplo, relacionado à missão da empresa, no seu estar no mundo. Já o ESG está conectado às métricas de investimentos e aos ganhos e compromissos com os shareholders, ou seja, os acionistas”.
Franco ressalta que ainda falta um longo caminho para que a implantação dos conceitos ESG seja ampla e efetiva. Segundo ela, atualmente a implementação é limitada e a cultura empresarial precisa evoluir para valorizar as responsabilidades social e ambiental. Além disso, é necessário que haja maior clareza e conscientização sobre os conceitos ESG entre investidores, empresas e outras partes interessadas. “Implementar conceitos como esses de forma efetiva e incorporá-los na cultura de uma empresa exige comprometimento e esforço de vários níveis da organização, incluindo a liderança, a equipe de gestão e os funcionários. Requer tempo, esforço e dedicação, mas pode ter recompensas significativas em termos de desempenho financeiro, responsabilidade social e ambiental, e reputação”, explica ela.
Opinião similar tem Renard Aron, consultor afiliado sênior da Prospectiva, que afirma que a adoção dos conceitos ESG varia muito entre as empresas. Recursos, cultura interna e a percepção entre a liderança da empresa sobre a real necessidade de implementar ações concretas de ESG são alguns dos fatores que impactam o nível de comprometimento. “Creio que, para vencer resistências internas e críticas externas, é necessário que a liderança da empresa abrace o ESG de forma inequívoca. E isso somente se dá, se os conceitos forem ao encontro aos valores da empresa. Caso contrário, pressões podem facilmente causar reveses e danos à reputação da companhia (um exemplo recente é o caso do Bradesco, que tirou do ar campanha promocional de um aplicativo para reduzir a pegada de CO2 de seus clientes, após críticas de parte do setor agropecuário)”.
Marcus Peçanha, sócio-fundador da Verd Invest Consultoria Ambiental, ex-CFO da Fundação Florestal e ex-assessor especial do Ministério do Meio Ambiente, corrobora a afirmação de Renard. “Vejo uma grande evolução, mas os desafios persistem. Em minha visão, toda a empresa precisa entender que esses conceitos são importantes para o resultado no longo prazo. O Conselho e o CEO devem ter claro que a competitividade da empresa estará em jogo. Mas todos os outros departamentos também têm que participar do processo. O RH, além de difundir a cultura, tem que ajudar na construção de uma política de bônus que faça com que os executivos persigam isso efetivamente. O pessoal da Logística não pode ver apenas os custos, mas também o valor. O CFO tem que perceber as questões de ESG como um ponto de melhoria da estrutura e do custo de capital”.
De acordo com a diretora sênior de Assuntos Corporativos e Governamentais da Mondelēz International no Brasil, a cientista política Helga Franco, a empresa possui compromissos claros com os conceitos de ESG e tem priorizado a cadeia de parceiros e fornecedores, ingredientes, clima e embalagens. “A agenda já está presente em nosso dia a dia há alguns anos, mas intensificamos nos últimos dois anos, uma vez que vimos a importância do papel da indústria para fazermos a diferença de forma positiva. Acredito que, para fazer com que os conceitos sejam introjetados na cultura, é necessário definir as prioridades, pois não é possível fazer tudo ao mesmo tempo”.
O diretor de Relações Institucionais da AGL Cargo, Jackson Campos, acredita que muitas empresas já adotam os conceitos, mas que o mais comum é começar cobrando de suas cadeias de contatos, muitas vezes por conta de uma demanda internacional. “Para que os temas entrem efetivamente na cultura da companhia, precisa haver comprometimento de acionistas e diretores, alinhado com políticas e treinamentos de conscientização constantes”.
E especificamente no Brasil, como é o cenário do ESG? “Nosso país, desde a década de 1930, preocupa-se com questões ambientais e foi um dos pioneiros em legislações sobre o tema com a publicação do Código de Águas e do Código Florestal, ambos instituídos em 1934”, explica Giuliana Franco. No entanto, de forma integrada e sob a sigla ESG, a discussão do tema começa em 2019. “Esses conceitos têm chegado cada vez mais ao Brasil e estão sendo adotados por investidores, empresas e outras instituições financeiras, como uma forma de avaliar o desempenho ambiental, social e de governança das
empresas.
O ‘G’, de Governança Corporativa, é particularmente relevante no Brasil, uma vez que o país tem enfrentado desafios relacionados a questões de transparência e responsabilidade nas empresas, além de todo o processo relacionado ao combate à corrupção nas relações entre governo e instituições privadas”.
“Os conceitos ESG chegaram com força ao Brasil, tanto nas empresas brasileiras, que buscam se adequar às novas regras do comércio internacional, ditadas, por exemplo, pelo “Green Deal” da União Europeia, quanto nas multinacionais, que seguem as diretrizes de suas respectivas matrizes globais”, diz Renard Aron.
Segundo ele, os conceitos mais fáceis de serem aplicados no Brasil são o de sustentabilidade e do meio ambiente, pois são áreas nas quais as empresas têm, na sua maioria, décadas de experiência. “A governança interna (entre elas ações de compliance e transparência) é outra área em que empresas já avançaram muito no Brasil. O conceito mais difícil de ser implementado é o do social, pois lida com temas que não são unanimidade na sociedade brasileira, como questões ligadas à raça, gênero e identidade sexual”.
Já Peçanha acredita que os conceitos mais aplicados são os facilmente mensuráveis. “Os desafios de serem colocados em prática são aqueles de natureza complexa. Isso acontece, normalmente, por duas razões.
A primeira é que há diversos indicadores que precisam ser analisados em conjunto. Quando pensamos em redução do desmatamento, por exemplo, é preciso analisar fatores distintos, como conflitos étnicos e sociais, carbono, biodiversidade, emprego etc. Não há fórmula mágica e é preciso inovar e construir soluções complexas. A segunda razão é que normalmente uma ação de natureza complexa não é implementada por uma única organização; deve ser negociada e desenhada em conjunto com diversos stakeholders locais, governos, entidades de classes, ONGs e bancos de fomento, entre outros”, reforça o sócio-fundador da Verd Invest.
Helga Franco, da Mondelez Brasil, considera que as empresas no país sabem da necessidade de uma agenda ESG bem estruturada e já entenderam que não há mais como separarem os resultados financeiros de propósito e responsabilidade corporativa. “Os esforços têm que ser voltados para que possamos fazer o que é certo para a sociedade e para o planeta, com maior valor agregado para o consumidor e para o negócio, de forma sustentável. Posso dizer que esse é o principal desafio do mercado brasileiro: colocar em prática o discurso sustentável e tornar o tema realidade no dia a dia corporativo”.
A comparação do cenário doméstico com o que é feito no exterior às vezes é favorável. Algumas empresas de capital brasileiro possuem uma compreensão profunda dos desafios e oportunidades locais em relação a questões ESG, o que as ajuda a tomar decisões informadas e a implementar práticas efetivas nas questões ambientais. “Sabemos que o Brasil possui uma matriz energética limpa e tem cada vez mais ampliada a gama de fontes de energias alternativas renováveis, o que facilita a implementação de métricas de redução de pegada de carbono, diferentemente de empresas baseadas em países que possuem geração de energia por meio de fontes não renováveis, como carvão e derivados de petróleo”, afirma Giuliana Franco. “O que pode ser considerado um ponto fraco é a falta de transparência das empresas nacionais ao comunicarem aos seus investidores seus controles, processos, ganhos e relações com stakeholders. Em geral, é importante lembrar que a comparação do desempenho ESG entre empresas de diferentes países pode ser desafiadora devido às diferenças regulatórias, culturais e de contexto. No entanto, é importante realizar esta comparação para ajudar a avaliar o progresso e identificar as áreas que precisam de melhorias”.
Aron concorda que o ponto forte das empresas nacionais sejam as ações de sustentabilidade (meio ambiente), desde projetos de plantio regenerativo até o compromisso de empresas como Marfrig e JBS de acabar com o desmatamento ilegal ao longo de sua cadeia produtiva, que foi alcançado na COP 27. Ele faz uma comparação com as empresas nos Estados Unidos. “Elas incorporaram a agenda ESG mais cedo, mas acredito que o Brasil não esteja muito atrás e, em alguns casos, está à frente. O mais interessante é que a experiência americana e a brasileira são parecidas, pois ambas sociedades são altamente polarizadas. Isto complica, em muito, a agenda social, pois temas como a agenda LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queers, Intersexos, Assexuais e Pansexuais +) e equidade racial trazem uma conotação política e identitária forte. Neste sentido, o ambiente nos EUA é mais complicado, pois empresas que se posicionam publicamente sobre temas sociais correm o risco de retaliação pelo poder público. Existem vários exemplos, mas entre os mais notórios estão a Disney, na Flórida e a Delta, na Geórgia. No Brasil, só vejo uma empresa na vanguarda desse movimento (com foco no S): o grupo Magazine Luiza. Outra empresa brasileira que se destaca entre seus pares globais é a Natura (na agenda E), que ano passado foi incluída na lista das 2022 Best for the World B Corps, por suas ações voltadas ao meio ambiente, integrando a sustentabilidade ao negócio.
Um dos caminhos para assegurar a incorporação dos conceitos de ESG de forma definitiva na vida das empresas é o alinhamento com os stakeholders. Frederico de Oliveira, da Sigalei, sustenta que o processo é fundamentado na gestão de públicos de interesse, pois, na prática, ESG é um conjunto de requisitos de negócios gerado a partir da resultante dos interesses dos stakeholders. “Consequentemente, é fundamental que o processo de relacionamento com esses públicos de interesse seja sólido e bem construído”.
Para Franco, a solução passa por uma boa governança. “O compromisso com a agenda ESG precisa caminhar junto aos resultados financeiros da empresa, afinal isso tem impacto direto na forma com que nossos stakeholders veem a companhia. Por isso, a governança é de extrema importância, pois é a partir de diretrizes e políticas claras, que as empresas alcançam, por exemplo, parceiros, fornecedores, e conseguem influenciar positivamente suas redes de negócios”.
Peçanha acredita que as organizações poderiam fazer a pergunta oposta: com quais stakeholders podemos nos relacionar e quais alinhamentos podemos construir com eles para que possamos atingir os indicadores mais sólidos em ESG e melhorar o posicionamento e a competitividade da nossa organização no médio prazo? “O relacionamento com os públicos de interesse não pode ser um fim em si. Tem que ser um meio. É preciso lembrar que a meta é ter uma organização capaz de cumprir um propósito, gerando benefícios para a sociedade e retorno para os seus acionistas. A partir daí se faz um mapa de stakeholders, identifica-se interesses comuns e contrários, possibilidades de sinergias e resistências e se traça uma estratégia de atuação”.
Dentro das organizações, torna-se frequente a condução desse processo por meio de profissionais de relações governamentais. Mesmo sendo conceitos diferentes, estão relacionados. Cabe à equipe de relgov buscar estratégias de influência de agendas governamentais, internacionais ou até mesmo de políticas internas das empresas, com o propósito de atingir as metas e indicadores de ESG. Para Giuliana Franco, o ESG tem sido cada vez mais importante para a reputação das empresas, uma vez que investidores, consumidores e outros stakeholders estão conscientes da importância das questões ambientais, sociais e de governança para o desempenho a longo prazo de uma empresa.
“Uma boa reputação ESG pode ajudar a atrair e reter investidores, aumentar a lealdade dos clientes e incrementar a confiança pública na empresa. Por outro lado, más práticas podem levar a danos irreparáveis à reputação da empresa e afetar seu desempenho financeiro. Por isso, cabe aos times de relações governamentais atuar conjuntamente com demais times, como de comunicação, relação com investidores, EHS, entre outros, para que as empresas monitorem e melhorem continuamente suas práticas ESG”, diz.
Helga Franco crê que os profissionais de relgov possuem um papel fundamental como conselheiros e interlocutores no tema, porém o assunto precisa fazer parte de todas as áreas de uma companhia, e cabe aos líderes se aprofundarem na agenda e entenderem como as práticas podem ser aplicadas em sua área de atuação. “Essa deve ser uma prioridade do negócio e, sendo do negócio, automaticamente se torna uma prioridade para todos que trabalham diariamente na empresa. O compromisso com ESG tem que ser de dentro para fora”. O CEO da Sigalei acredita que os profissionais de relgov são os mais bem equipados com os conhecimentos para liderar esse processo na organização. “Na essência, é um trabalho de gestão de stakeholders. Tenho visto com frequência relgovs assumindo essa responsabilidade nas empresas”, revela Oliveira.
O sócio- fundador da Verd Invest Consultoria Ambiental concorda: “Acredito que os profissionais de Relações Governamentais têm conhecimentos sobre políticas públicas, política e diversos stakeholders. Além disso, normalmente sabem lidar bem com gestão de risco e questões de compliance, competências fundamentais para lidar com ESG. Entendo que o profissional de relgov é capaz de desenvolver um mindset propenso à inovação e de entender bem a estratégia e a operação da sua organização”.
E qual a receita para introduzir as agendas de sustentabilidade e meio ambiente, social e de governança em relações governamentais? “Em minha visão, há duas frentes”, continua ele. “A princípio, é preciso atuar nas questões mais mensuráveis, para que se possa ter um bom diagnóstico e traçar metas facilmente tangíveis. A partir daí, é preciso entender que, para impactar significativamente mais e se diferenciar da concorrência, é necessário atuar em conjunto com outros stakeholders, em função de temas mais complexos. Buscar assessoria técnica é importante, mas o fundamental é cuidar para que a construção da estratégia e da atuação se paute na busca por eficiência e efetividade, em função do propósito, da cultura e da visão da organização”.
Frederico de Oliveira aposta em atenção constante da parte dos profissionais de relgov – eles precisam estar continuamente atualizados sobre as ações de ESG da organização na qual atuam. “Essas informações podem e devem ser utilizadas como insumo para trabalhar pautas junto aos públicos de interesse, no intuito de mostrar que a empresa é responsável e se preocupa com os diversos interesses, antes de uma tomada de decisão, para a maximização do valor gerado pela sociedade. Essa estratégia produz aumento da reputação e da confiança que os stakeholders colocam na instituição, e se traduz em melhores resultados para a
empresa”.