Foi curioso retomar minhas pesquisas acadêmicas sobre public affairs recentemente e observar que, apesar de muitas mudanças sobre o quanto aperfeiçoamos a atividade, ela ainda é confundida por profissionais, pelo mercado, e tem sido até mesmo amplificada em suas definições. Por estarmos no mundo BANI, onde tudo é Frágil (Brittle), Ansioso (Anxious), Não linear (Non-linear) e Incompreensível (Incomprehensible), os problemas são sempre novos, maiores, mais complexos e mais velozes. Nesse cenário, para se encontrar soluções, é primordial e necessária a construção coletiva, e não mais individual, inclusive na evolução e no aprimoramento dos nossos entendimentos sobre a atividade.
E é justamente nesse mundo que o setor de public affairs se engrandece e oferta ao profissional a capacidade analítica, estratégica e as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios com sucesso.
Mas o que é public affairs, enfim?
O autor Otto Lerbinger, em seu livro “Corporate Public affairs” (2006), diz que o profissional dessa área é aquele capaz de identificar e analisar as forças do cenário político e ajustar as mensagens-chave e as formas de comunicação para moldar políticas públicas, de modo a maximizar os resultados dos negócios corporativos ou reduzir os riscos aplicados a ele.
De uma forma geral, as atividades de public affairs incluem, obrigatoriamente, formas de comunicação estratégica direcionada ao ambiente de poder (governo), tomando como base para a estratégia a correlação dos grupos de interesse, mídia e governo.
Considerando esse tripé importante de influência de políticas públicas, as ações de comunicação estratégica, lobbying, grassroots, issues management, regulatory affairs e atividades associativas em entidades representativas de negócios figuram no topo da lista de atividades executadas pelo profissional de public affairs, conforme uma pesquisa realizada pela Foundation for Public Affairs em 2000, demonstrando que public affairs já era, naquela época, muito mais do que apenas relações com o governo.
Assim, muito similar nas atividades de public relations, a comunicação estratégica é o coração das atividades de public affairs, pois ajuda a assegurar que os negócios tenham uma avenida segura de construção ética, baseada em fatos e dados, para comunicar seu ponto de vista aos stakeholders relevantes do processo, principalmente quando há um processo de desenvolvimento de novas políticas públicas, regulações ou leis.
Considerando o mundo pós-pandêmico e seus impactos nas agendas política e econômica, o mundo BANI que se fixou em nossa realidade impacta por demais as agendas e a possibilidade do desenvolvimento de ações junto aos stakeholders governamentais, a mídia e os grupos de interesse.
Vamos lembrar o que BANI significa:
B (Brittle) – Fragilidade: cenários que podem mudar a qualquer momento, com mudanças inclusive drásticas, obrigando a ter um plano B de aplicação rápida. E a forma de se preparar é antecipando riscos e problemas que possam impactar os negócios das empresas.
A (Anxious) – Ansiedade: o mundo frágil e em constante mudança, com uma sobrecarga gigantesca de fatos e informações, a todo o instante traz, por consequência, a ansiedade, pois gera o sentimento de falta de controle do que está por vir.
N (Nonlinear) – Não linearidade: Neste mundo não linear, onde decisões e fatos são sobrepostos a todo o instante, planos estratégicos lineares são importantes, mas devem ser capazes de se adaptar, com a elasticidade pertinente de adaptabilidade para tomadas rápidas de decisões, sob o risco de impactos devastadores nos negócios.
I (Incomprehensible) – Incompreensível: o mundo torna-se muitas vezes incompreensível, considerando que as pessoas mudam de decisão rapidamente. Apesar de estarmos vivendo na era de dados, o alerta aqui é de que tais dados podem estar contaminados por ruídos de comunicação, transmitindo uma mensagem ultrapassada.
A esta altura, a ansiedade do mundo BANI já pode estar tomando conta de ti, ao pensar que, além dessas características, trabalhamos com o universo de relações institucionais e governamentais no Brasil, onde pautas, agendas e prioridades podem mudar repentinamente; os stakeholders estão, muitas vezes, em situações de fragilidade; e onde políticas públicas podem ser descontinuadas no curso de uma troca de governo ou ministerial.
“Inspira, respira e não pira”, pois lidar com a complexidade da política brasileira não é fácil. Mas, nesse desafio, podemos nos valer das ferramentas de public affairs como catalisador da estratégia do profissional de relações governamentais para influenciar políticas públicas e engajar stakeholders.
Com o advento das novas tecnologias, como a Inteligência Artificial, a forma como o profissional de public affairs pode comunicar, engajar e influenciar sua audiência está sendo transformada, uma vez que é possível personalizar campanhas digitais com conteúdos que ressoem no seu público-alvo e, literalmente, transmitam com eficiência a mensagem que vai impactá-lo.
As tecnologias podem auxiliar na geração de conteúdos e segmentar audiências, mas também ofertar ferramentas extremamente capazes de gerenciar risco e reputação de um negócio. A análise das tendências de debates e discussão de determinados temas que ocorrem na mídia, no meio político ou em grupos sociais de interesse, permite predizer ruídos e até mesmo a tendência de crescimento de uma crise, permitindo uma atuação mais assertiva.
Para além da estratégia, de uma forma mais prática, um pool de ferramentas de comunicação direcionadas ao ambiente de poder pode ser produzido e ofertado à sua audiência de forma segmentada, com as mensagens-chaves certas para percorrer a curva que vai do “informar”, “relacionar”, até, de fato, “engajar”.
A formulação de white ou position papers, com infográficos, ou até mesmo notas técnicas com elementos visuais são muito importantes para transmitir a mensagem de forma rápida e eficiente. Uma pesquisa publicada na “Public Understanding of Science” (2014) demonstrou que dados visuais são 43% mais persuasivos do que informações textuais. Portanto, considerando a audiência política, cujas atenções estão disputadas por diversas agendas, pode ser crucial para o sucesso da estratégia trabalhar muito bem os materiais de comunicação direcionados ao ambiente de poder.
A humanização dos dados, por meio de narrativas e mensagens-chaves poderosas, é fundamental para o profissional de public affairs que deseja aprimorar o diálogo com o governo, mas também que deseja desenvolver campanhas de advocacy ou branded content para entrega das mensagens multicanais, ativação de grassroots, construir e gerenciar reputações, e desenvolver relacionamento com os stakeholders que influenciam ou decidem políticas públicas de impacto ao negócio das empresas.
Excelente artigo.