Confira a entrevista com o presidente do IRELGOV, Erik Camarano, para coluna Às Claras, do JOTA.
O que aconteceu na Lava Jato não foi lobby, foi crime”, diz Erik Camarano, presidente do IRELGOV e vice-presidente de Relações Governamentais para a América Latina da GE. Assim, “fazer essa regulamentação de forma apressada [para dar uma resposta à Lava Jato] confunde um problema real com um problema imaginário”, avalia o executivo.
Em entrevista ao JOTA, Camarano defendeu a ampliação da transparência nos contatos entre empresas e governos, mas manifesta preocupação com a burocratização das relações, o que poderia trazer mais prejuízos do que benefícios.
Leia a entrevista:
Nos dias 7 e 8 de fevereiro, o JOTA fez uma pesquisa com 167 deputados e constatou que 65% deles são a favor da regulamentação do lobby. Qual sua avaliação do projeto apresentado pela deputada Cristiane Brasil?
Tivemos várias conversas internas sobre ele no IRELGOV e conversamos também com a deputada. No início, a posição do instituto era de que não necessitávamos de uma regulamentação. Isso porque o debate está vindo muito embalado pela situação do país e pelos desdobramentos da Operação Lava Jato. Nossa avaliação é que, sob esse foco, seria prescrever o remédio certo para problema errado. O lobby é, tradicionalmente, muito mal visto no Brasil. Mas é uma atividade legítima e tem valor democrático. Fazer essa regulamentação de forma apressada confunde um problema real com um problema imaginário. O que aconteceu na Lava Jato não foi lobby, foi crime. Nossa preocupação é fazer um debate ponderado.
Sobre o modelo em si, parece haver no Brasil uma preferência pela experiência americana de regulamentação do lobby. Mas os Estados Unidos estão tentado voltar atrás.
Com a regulamentação feita há alguns anos, o número de lobistas regularizados tem diminuído nos Estados Unidos, né?
Exatamente. Hoje, há muita gente fazendo a mesma função com outro nome como estratégia para escapar da regulamentação, que é exagerada. A intenção de regulamentar foi boa, mas trouxe efeitos colaterais complexos.
Na nossa avaliação, medidas que avancem na direção de mais transparência na relação público privada são muito bem-vindas. A publicidade nas agendas dos parlamentares quando recebem uma empresa é um avanço numa direção positiva. Se olharmos as propostas feitas pelo Ministério das Transparência, depois das audiências públicas, poderemos ver que elas vão exatamente nesse sentido, de tornar as relações mais transparentes, sem criar um processo burocrático.
Mas temos que tomar cuidado porque o Brasil tem uma espécie de obsessão por regulamentação excessiva. A gente acaba criando estruturas burocráticas que mais criam dificuldades do que facilitam as relações. Imagine um cenário pós-regulamentação: minha empresa quer fazer uma reunião com um ministro e eu terei de ter um profissional certificado para pedir reunião. Mas e se meu presidente global vier e quiser participar, ele tem que ser certificado? Corremos o risco de criar várias situações bizarras.
Por exemplo, temos muita preocupação com a criação de cartórios. Teremos uma associação, temos que ter carteirinha, pagar sindicato? Não me parece fazer sentido.
Comenta-se que há um movimento no sentido de tornar a atividade de lobby exclusiva para a advogados. Qual sua avaliação sobre isso?
Confirma nossa impressão no IRELGOV de que existem interesses cartoriais. Já ouvi isso pela imprensa, em artigos e comentários.
Seria uma medida para criar mais amarras, ao invés de pensar quais os temas que deveriam virar valores para facilitar a forma de fazer negócios.
Qual seria o prejuízo de se criar uma reserva de mercado para uma única profissão?
Primeiro, te respondo do ponto de vista da empresa. Se eu quero contratar uma pessoa para exercer a função de relação estratégica, perderia liberdade na escolha dos profissionais. É impossível que eu, economista, entre numa corte e faca uma sustentação jurídica. Da mesma forma que um advogado não foi preparado para tratar de temas complexos de macroeconomia. Profissões como as de médico e engenheiro, que têm técnicas especificas, exigem formação específica. Mas esse não é o caso da representação de interesses. Para atuar nessa atividade, você precisa conhecer o setor em que você atua, a empresa, ter formação ampla e diversa e não restrita apenas ao temas do Direito. Isso limitaria o escopo de atuação.
O que mudou no universo das relações governamentais com a repercussão e os efeitos da Operação Lava Jato? Como o lobby já era mal visto, isso simplesmente piorou?
Há respostas diferentes para interlocutores diferentes. Pela minha perspectiva na empresa e pelo que vemos no IRELGOV, as empresas que já tinham processos de relgov muito certos, com mecanismos de compliance bem estabelecidos e bem comunicados para os funcionários – com sistema de report interno, canais de denúncia e ações efetivas com base nas denúncias –, não mudou nada. O evento da Lava Jato só reforçou a importância desse departamento e dessas práticas. Para empresas que não tinham práticas fortes, ficou evidente, eu acho, a importância de ter uma área muito bem estruturada de compliance. Mas não basta criar uma área de compliance e achar que esta tudo resolvido. A área vai ajudar a criar cultura de transparência que seja compreendida e vivida pela empresa.
E as autoridades, para receber os representantes das empresas, mudaram?
Minha experiência pessoal é que não sinto uma mudança importante. Depende das empresas. Se você tem reputação de tolerância zero com más práticas, de observação ao compliance, não recebe pedidos estranhos. As pessoas sabem que as empresas tem práticas globais que não serão alteradas para resolver uma questão específica. A preocupação maior está nos níveis do servidor público de carreira. Estas pessoas tem preocupação redobrada porque qualquer coisa dita pode ser mal interpretada. O ordenador de despesas é o cara que está mais preocupado. Qualquer coisa que ele fizer ou tentar sugerir de inovador pode ser muito mal visto. O Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU), está todo mundo olhando e pronto para punir na pessoa física – nem só corrupção, mas outras questões, como um erro licitatório, por exemplo. Há uma paranóia do controle.
Atualmente, nas reuniões com autoridades do Legislativo e do Executivo, tem lista de presença e documenta-se no papel tudo que foi conversado. O Executivo federal sempre tem lista de presença. Isso é um avanço para o país, um avanço de transparência que independe de regulamentar o lobby.
E em relação ao Judiciário? Se há uma causa que pode ter impacto em todo um setor e esse setor deseja conversar com os magistrados sobre o tema, para mostrar os impactos econômicos da decisão Judicial, por exemplo? O Judiciário é mais fechado?
Tenho pouca experiência com o Judiciário, mas acho que não. Há um aumento no número de audiências públicas por parte do Judiciário. Há um movimento no sentido de fazer discussões mais abertas. Já vi acontecer iniciativas de audiências públicas em que as cortes superiores têm disposição de fazer debates mais abertos. É um processo de influência legítimo, em que os ministros querem ouvir argumentos para construir seus votos.
JOTA – Às Claras
Por Laura Diniz
Publicado em 03/03/2017