EDITORIAL

Esta edição da Revista Diálogos é um número cheio de novidades que apresentamos com muita satisfação. 

De um lado, apresentamos nova identidade visual da revista, que pretende dar uma leitura mais fluida e dinâmica aos artigos e matérias, operar em formato mais digital e amigável, mas permanece sendo um espaço de ricos debates para o fazer RelGov.

Também apresentamos um suplemento que batizamos de “Cadernos”, que tem como objetivo levar até você ainda mais conteúdo. Na estreia, oferecemos um detalhado panorama do que foi debatido nos Grupos de Trabalho da área de tecnologia, com muitas novidades interessantes que apontam caminhos futuros.

Para além das novidades, abordamos nessa edição como muitas foram as atividades impactadas pelos avanços tecnológicos, em especial os relacionados à Tecnologia da Informação, ocorridos no início do século XXI. E as relações governamentais não ficaram fora dessa lista, com o advento, por exemplo, de sistemas capazes de extrair quantidades de dados até então impensáveis e de apontar cenários.

E o que nos reserva o futuro? Se a velocidade das novidades impõe prudência, sob o risco de a realidade superar as previsões, um fato parece ser unânime entre os nossos entrevistados: a importância da presença humana. Todos deixaram claro que, por mais poderosas que as máquinas se tornem, sempre haverá a necessidade da capacidade humana para tomar as decisões finais. 

Na seção de artigos, trazemos artigos sobre o impacto da Reforma Tributária nas leis de incentivo à cultura, sobre o conceito de autocontrole em regulação no Brasil, sobre a atuação do Coletivo Pretos e Pretas em RelGov e sobre a importância de um olhar atento ao processo orçamentário em âmbito Federal, Estadual e Municipal.

Por fim, reiteramos nosso convite a você, associado: participe do IRELGOV e de nossas publicações e contribua com o debate sobre Relações Governamentais!

Boa leitura! 

Gisela Martinez e Thomaz D’Addio

NESTA EDIÇÃO

COLUNA RADAR

EDITORA DIÁLOGOS RELANÇA EDITAL DE OBRA SOBRE RELGOV E NOVAS TECNOLOGIAS

A editora Diálogos, do IRELGOV, relançou o edital para publicação de sua nova obra, que abordará a interação necessária entre Relações Governamentais (RelGov) e novas tecnologias e seu impacto na formação dos novos profissionais e na atividade de relações governamentais.

Os profissionais e estudantes interessados em contribuir com artigos deverão enviar o material até o dia 15 de janeiro de 2024.


"O POVO NO PODER": LIVRO ANALISA PARTICIPAÇÃO POPULAR 

Em setembro, o IRELGOV promoveu, em Brasília, um café da manhã para lançamento do novo livro da editora Diálogos, “O Povo no Poder”, com a presença dos autores do título e de associados. A obra aborda o aumento da participação da sociedade nas decisões do governo e as diversas formas usadas na manifestação da vontade popular. Organizado por Ângela Oliveira, Julia Vianna e Mariana Chaimovich, o livro traz discussões, reflexões e exemplos de como a sociedade civil organizada tem buscado criar e ocupar seus próprios espaços. 

Diversos profissionais de relações governamentais, acadêmicos especialistas no tema e representantes do Terceiro Setor assinam artigos do livro: Adriana de Andrade Espíndola, Andréa Gozetto, Bianca Gomes, Bianca Maria Gonçalves e Silva, Eduardo Galvão, Érico Oyama, Fernanda Mainier Hack, Francisco Roberto Balestrin de Andrade, Luis Enrique Aguilar, Maria Cecília Cury Chaddad, Michael Freitas Mohallem, Natália Bahury, Noemi Araujo Lopes e Tacyra Oliveira Valois Nery. 

Adquira já o seu nos sites abaixo:


GTS E WEBINARS AGITAM O SEGUNDO SEMESTRE DO IRELGOV

O IRELGOV promoveu, nos meses de setembro e outubro, uma série de encontros dos grupos de trabalho da Agenda de Relações Governamentais e Políticas Públicas. Foram realizadas reuniões com a presença de convidados, como Paulo Pereira, secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável; Ivan Ervolino, do Siga Lei; Aires Neves Jr., chefe de gabinete do senador Flávio Arns; Guilherme Vieira, consultor de Relações Corporativas na Suzano SA; Bárbara Teles, do Rei do Pitaco; Verônica Hoe da META e do IAB; Tatiana Porto, da Sanofi; Rebecca Bonaldi, da Prospectiva Consultoria, e Helga Franco, do RelGov por Elas.

O instituto também realizou webinars que pautaram a agenda. No dia 29 de setembro, o tema “Tecnologia e Digitalização das Relações Governamentais” foi abordado com mediação de Larissa Lima, da BMJ, e participação dos convidados Loren Spíndola (Microsoft Brasil) e Max Stabile (IBPAD).

No dia 19 de outubro, foi a vez do tema “Mídia e Relações Governamentais”, com moderação de Gisela Antakly Martinez, proprietária da Antakly Public Affairs e conselheira de Comunicação do IRELGOV, e participação da convidada Mariana Orsini, diretora de Relações Institucionais na DOW.


IRELGOV ABRE COTAS DE PATROCÍNIO PARA O III CONGRESSO INTERNACIONAL

II CONGRESSO INTERNACIONAL IRELGOV
FOTO: THIAGO RIBEIRO

Em 2024, o IRELGOV celebrará seu aniversário de 10 anos! Será neste contexto comemorativo que realizaremos o III Congresso Internacional do IRELGOV, nos dias 6 e 7 de junho, na AMCHAM, em São Paulo.

Já abrimos as vendas das cotas de patrocínio do evento! As empresas que patrocinarem o evento ainda em 2023 terão acesso a diversos benefícios.

POR DENTRO DO IRELGOV

Produção e disseminação de conhecimento como agenda central

Lara Gurgel
Diretora-executiva do IRELGOV

O ano de 2023 definiu novos marcos para consolidação do IRELGOV como o primeiro e principal think tank de relações governamentais (RelGov) no Brasil. Fazer parte dessa história e contribuir com o amadurecimento da democracia nacional são um privilégio vivenciado por aqueles que participam das atividades do instituto. Afinal, “os think tanks atuam como intermediários de conhecimento sobre políticas, centros de pesquisa e incubadoras de novas ideias. Como intermediários, eles canalizam o conhecimento entre acadêmicos, formuladores de políticas e a sociedade civil. Como pesquisadores aplicados, eles convertem a teoria multidisciplinar e os dados empíricos em percepções e recomendações, embaladas para informar e atender às necessidades dos tomadores de decisão”, afirma o Center for International Private Enterprise (CIPE).

Em 2023, produzimos mais de 100 horas de conteúdo abrangendo a ampla gama de tópicos da Agenda de Relações Governamentais e Políticas Públicas do IRELGOV. Desde a entrega e defesa pública do posicionamento do instituto e de seus(uas) associados(as) sobre a regulamentação da atividade de lobby, até debates sobre o impacto das inovações tecnológicas na formulação de políticas públicas e a necessidade de adoção de boas práticas regulatórias. Nestas e em outras frentes, o IRELGOV empenhou-se para construir pontes entre diversos setores, profissionais e áreas do conhecimento.

Juntos(as), construímos ações e produzimos informações que foram levadas a mais de 2,8 milhões de pessoas. Também geramos novas plataformas para promoção daqueles(as) que fazem parte do IRELGOV: em um mês após seu lançamento, o diretório de profissionais de relações governamentais do IRELGOV teve mais de 300 acessos. Expandimos nossa produção de obras coletivas, dando voz e ampliando a visão sobre a participação civil junto ao poder público. Por fim, retomamos nossas missões internacionais e lançamos um programa de mentoria para profissionais de RelGov.

Em 2024, o instituto fará 10 anos de existência: é o momento de reconhecer aqueles e aquelas que ajudaram na construção dessa história. Esperamos que muitas das sementes plantadas pelo planejamento estratégico e pelas ações realizadas neste ano possam dar frutos. O novo Conselho Consultivo, composto por cinco senior fellows, atuará para que o IRELGOV tenha uma produção contínua de conteúdo. As discussões sobre os modelos de referência para profissionais de relações governamentais e organização serão finalizadas e novos cursos e certificações estarão à disposição de nossos associados e de toda comunidade de profissionais de RelGov. Guias de boas práticas, com base nas discussões de nossos grupos de trabalho, estão a caminho para fortalecer as estratégias daqueles(as) que atuam com diversidade e transversalidade de temas das relações governamentais e institucionais.

Aos que contribuem com nosso instituto e aos(às) aqueles(as) que tem interesse em se juntar a nós, parafraseio o CIPE ao dizer que: “Em sistemas democráticos recentes e em economias em desenvolvimento, os think tanks têm a capacidade de assumir um papel fundamental como impulsionadores de reformas. Essas organizações estimulam transformações ao sensibilizar para questões econômicas cruciais, instigar debates e mostrar aos responsáveis pela formulação de políticas um direcionamento viável. A experiência e liderança desses think tanks têm o potencial de fortalecer e mobilizar a sociedade civil”.

Venha fazer parte do IRELGOV!

MATÉRIA DE CAPA

Relgov no século XXI

Internet, ferramentas de acompanhamento de projetos de lei, sistemas que mapeiam a atuação de cada parlamentar nas recentes votações: há 20 anos, nem sir Arthur C. Clarke, famoso autor de ficção científica, seria capaz de imaginar quantas novidades surgiriam para mudar a forma de fazer relações institucionais. Hoje, na aurora da Inteligência Artificial, que promete avanços exponenciais da humanidade, ainda é possível prever como será o cenário da atividade e apontar tendências?

Afinal, nenhuma área da vida atual escapou dos impactos provocados pela ciência moderna, em especial pela Tecnologia da Informação. O diretor corporativo de Assuntos Públicos, Ciência e Sustentabilidade da Bayer Brasil, Demétrius Cruz, é um dos que afirmam que a área de relações governamentais não passou incólume às mudanças, sejam elas tecnológicas ou culturais, que vêm desconstruindo - e reconstruindo - todos os pilares do cotidiano. “A ampliação do acesso a informações oficiais em tempo quase real, os bancos de dados organizados em formato inteligente, ferramentas de Inteligência Artificial capazes de automatizar a comunicação, sistemas de avaliação e classificação de riscos políticos e regulatórios, tudo isso vem transformando a maneira de pensar relações governamentais e de redesenhar a defesa de interesses.”

Cruz destaca, no entanto, que uma mudança fundamental nos últimos anos foi a explosão da transparência, seja por decisão estratégica própria das organizações ou por derivação de mecanismos de fiscalização, controle e participação social. “Essa é uma ótima notícia para os profissionais da área, não só porque a transparência minimiza a incompreensão sobre como a participação do agente privado se dá na construção de decisões políticas, mas também porque o público em geral passa a ter maior clareza sobre a importância de que setores, empresas, associações e quaisquer grupos de interesse se organizem para co-construírem as regras públicas que ditam as inter-relações entre reguladores, agentes públicos e sociedade.”

Novas leis e regras também produziram mudanças no cenário, como é o caso da Lei 12.846, de 2013, conhecida como a Lei Anticorrupção, que possibilitou a punição de empresas por práticas ilícitas. Para a professora Ana Regina Falkembach Simão, doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora adjunta da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), um dos efeitos do amadurecimento institucional foi justamente a necessidade de profissionais capacitados e especializados academicamente para atuar nas relações institucionais e governamentais. “Ao longo da história do Brasil, contudo, as relações entre o público e o privado foram nebulosas, marcadas pelo sigilo, pelos privilégios e pela ausência de transparência. Mesmo diante das relevantes mudanças possibilitadas pela moderna legislação anticorrupção, os resultados funestos que o patrimonialismo deixou no passado brasileiro ainda podem assombrar as relações público-privadas no Brasil do século XXI.”

“Nessas circunstâncias”, continua Simão, “a atuação de profissionais em Relações Institucionais e Governamentais ganhou uma importância redobrada. Desde 2018, quando os profissionais de RIG passaram a existir nos quadros ocupacionais do mundo corporativo, há uma mudança de cenário em relação ao passado, eliminando os espaços nas empresas brasileiras reservados a profissionais que dialogavam com o poder público em outros termos. Nesse novo contexto, a atividade começou a ser vista como estratégica, exigindo do profissional qualificação e um denso repertório multidisciplinar.”

Fabio Rua, vice-presidente de Relações Governamentais, Comunicação e ESG da GM América do Sul, lembra que, há dez anos, a maioria das empresas não tradicionais tinha resistência em contratar profissionais de relações governamentais por várias razões: desconhecimento, receio ou falta de visão. “As que contratavam o faziam apenas se vendessem para governos ou se estivessem em uma área regulada. De lá para cá, tudo aconteceu: manifestações, Primavera Árabe, impeachment, Operação Lava Jato, Brexit, Bolsonaro, Covid-19, Lula 3… Ao longo desse período, a área de relações governamentais, além de se expandir enormemente, foi positivamente impactada por mobilidade, digitalização, maior transparência, compliance e governança aprimorada.”

Ele concorda que a atividade se tornou mais exigente em termos de capacitação. “Essa é uma área cada vez mais profissionalizada, técnica e aberta. A academia, ao identificar lacunas formativas nessa área em franca expansão, correu para preencher o espaço e hoje já oferece dezenas de cursos, MBAs e até cadeiras específicas em cursos de graduação.”

Thomaz D’Addio, diretor da Edelman Global Advisory, ressalta que, na última década, houve um aumento expressivo na oferta de cursos voltados para a área, de graduação, pós-graduação, extensão e cursos livres. “Isso permite que profissionais de diferentes áreas de formação se aprofundem em temas de RelGov. Ao mesmo tempo, também faz com que processos de seleção valorizem candidatos e candidatas que possuem formação específica, tornando o ambiente da atividade crescentemente especializado.”

Muitas vezes, as mudanças nos campos profissionais são impulsionadas por alterações no cenário da sociedade. Este parece ter sido o caso da Operação Lava Jato, um verdadeiro turning point na atividade de RelGov. Segundo a diretora executiva de Vendas & Acesso ao Mercado da Bayer Brasil, Silvia Sfeir, não há dúvida de que houve uma mudança muito importante decorrente do impacto da investigação que revelou práticas de corrupção sistêmica, levou a mudanças legislativas, aumentando a fiscalização, punições para atividades ilícitas, além de forçar as organizações a revisarem suas práticas de compliance nas relações com o governo.

“Podemos dizer que existem as relações governamentais antes e pós-Lava Jato”, diz Sfeir. “Uma das lições mais importantes foi a necessidade de implementar controles mais rígidos, éticos e transparentes em todas as interações com os agentes públicos. As empresas passaram a adotar políticas mais restritas de compliance e com ênfase na prevenção de práticas corruptas. Aconteceu uma mudança cultural dentro das empresas, com essa área passando a ter mais visibilidade.”

A professora Ana Simão acredita que a Operação Lava Jato pode ser considerada um marco nas relações entre o público e o privado no Brasil. A partir dela, exige-se da relação Estado-Empresas maior transparência e responsabilidade com a República e com a sociedade em geral. “Os instrumentos de controle e punição de pessoas jurídicas tornaram-se uma realidade no Brasil. Nesse contexto, a Lava Jato proporcionou, pela primeira vez, a urgente necessidade de que os setores privados começassem a investir fortemente nos sistemas de compliance e na qualificação de profissionais que pudessem construir canais de comunicação eficientes e transparentes com os diferentes stakeholders, fossem eles internos ou externos ao ambiente corporativo.”

Para Catarina Corrêa, gerente executiva de Relações Públicas, Ciência e Sustentabilidade da Bayer, a Lava Jato teve dois efeitos: por um lado, acelerou um processo de aumento de transparência e de compliance nas empresas, uma tendência que já vinha sendo trazida no mundo corporativo de forma geral. “Por outro, criou uma alegoria do que é a corrupção no Brasil e na sua relação com as empresas privadas. Esse ponto tem efeitos ambíguos: ao mesmo tempo em que reforça sistemas de controle e o receio na interação com o setor público, também estabelece um comparador radical do que são relações de conflito de interesse e mau uso do recuso público”.

Fabio Rua, da GM América do Sul, explica que, após a Lava Jato, as empresas sérias se tornaram ainda mais. “Já as que não davam muita atenção a práticas de compliance passaram a dar. Porque o mundo mudou e ficou claro para todos que práticas não republicanas do passado não só não eram mais aceitas, mas que eram passíveis de prisão e poderiam destruir o legado das empresas que se aventurassem por vias obscuras.”

Erik Camarano, diretor de Relações Governamentais para a Região InterContinental na BioMarin Farmacêutica, acredita, no entanto, que, no caso de empresas maiores, especialmente as multinacionais, que já seguiam políticas rígidas de compliance (como FCPA e ABAC), mudou muito pouco. “A Lava Jato apenas reforçou a importância da rigidez do compliance, que essas empresas já seguiam. À época, eu trabalhava em uma gigante norte-americana e éramos muito procurados, especialmente por grandes empresas de capital nacional, para compartilharmos nossa cultura e nossas práticas de compliance. Assim, acredito que houve um avanço institucional na área como um todo no país.”

TRANSPARÊNCIA E COMPLIANCE

Uma das formas de melhorar a reputação da profissão junto à sociedade passa pelo aumento de transparência, que deixe claras não apenas as atividades, mas também as suas motivações e consequências. A tese é defendida pelo diretor Corporativo de Assuntos Públicos, Ciência e Sustentabilidade da Bayer Brasil, Demétrius Cruz, que aposta cada vez mais na abertura de como as defesas de interesse são feitas, com ampla disponibilização nos canais acessíveis à sociedade – da Internet ao balanço corporativo – de seus custos, dos encontros com autoridades e dos documentos utilizados no diálogo com tomadores de decisão, entre outros aspectos. “A área de relações governamentais tem o dever de estar integralmente disponível ao escrutínio social, em seus mínimos detalhes. Aquilo que não pode ser totalmente aberto, transparente e disponível não tem o direito de ser chamado de lobby, advocacy, engajamento ou qualquer termo análogo”, afirma.

“O compromisso das empresas com a sociedade deve ser um propósito”, acredita a professora Ana Regina Simão. Segundo ela, a ideia de que as questões sociais sejam apenas de responsabilidade do Estado e dos gestores públicos não tem mais espaço no ambiente corporativo. “Tal compromisso se inicia com o desenvolvimento de uma cultura do compliance nas empresas, que deve ser constantemente observada, aprofundada e apresentada para a sociedade, por meio dos diferentes canais de comunicação”.

Ela acredita que o outro lado do balcão, o poder público, também precisa ter atenção sistemática ao enforcement da lei, ou seja, à aplicação de sanções aos ilícitos. “Outro ponto importante é a criação, a aplicação e o constante monitoramento de políticas públicas. É por meio das políticas públicas que o Estado e a sociedade se encontram, e é precisamente nesse espaço que a transparência dos negócios do Estado é percebida com nitidez pelo cidadão comum. Para isso, é fundamental que a gestão pública desenvolva as práticas de accountability, comunicando a sociedade sobre tais ações, para que ela perceba cotidianamente a não tolerância com a corrupção.”

No entanto, não basta ter uma demanda legítima e agir dentro das normas: é necessário que a comunicação com a sociedade seja eficaz. “Não basta seguir políticas de transparência e integridade, é fundamental comunicar seus valores de forma muito aberta e intensiva. Isso tem que ser um elemento da cultura empresarial muito visível para a sociedade como um todo. Nós que atuamos na área empresarial não podemos nos esquecer de que a sociedade tem um viés bastante negativo ainda sobre o empresariado. Assim, é fundamental trabalhar para combater esses preconceitos em cada oportunidade de contato e comunicação”, acredita Erik Camarano, diretor de Relações Governamentais para a Região InterContinental na BioMarin Farmacêutica.

Para Catarina Corrêa, gerente executiva de Relações Públicas, Ciência e Sustentabilidade da Bayer, a Lava Jato teve dois efeitos: por um lado, acelerou um processo de aumento de transparência e de compliance nas empresas, uma tendência que já vinha sendo trazida no mundo corporativo de forma geral. “Por outro, criou uma alegoria do que é a corrupção no Brasil e na sua relação com as empresas privadas. Esse ponto tem efeitos ambíguos: ao mesmo tempo em que reforça sistemas de controle e o receio na interação com o setor público, também estabelece um comparador radical do que são relações de conflito de interesse e mau uso do recuso público”.

Fabio Rua, vice-presidente de Relações Governamentais, Comunicação e ESG da GM América do Sul, considera essencial utilizar as redes sociais de forma responsável. “Para compartilhar informações, casos de uso e participar de eventos públicos. Um dos segredos para se alcançar bons resultados é se engajar em causas que se conectem com os valores da empresa.”

Ao longo dos últimos anos, e impulsionada pela operação lava Jato, foi a consolidação das áreas de compliance dentro das empresas. Até o aparecimento da Lei 12.846/2013, as ações da iniciativa privada brasileira nesse segmento eram muito tímidas. “Os dados revelam que, ao longo da última década, houve um robusto investimento em compliance nas grandes empresas, movimento que também alcança as médias empresas”, explica a professora Ana Regina Simão.

“Pesquisa recente realizada pela Transparência Internacional–Brasil e a Quaest com 100 das 250 maiores empresas nacionais aponta que 95% dos entrevistados aprovaram a Lei Anticorrupção e consideraram que essas mudanças promoveram uma ‘revolução na área de compliance no Brasil"', diz Simão. “Destaco três mudanças fundamentais: as empresas brasileiras finalmente começaram a dar importância a uma visão de longo prazo alicerçada em processos estruturados de compliance e com foco na sustentabilidade, na imagem e na reputação do negócio; em segundo, passaram a reconhecer a importância de avaliar os riscos, sobretudo os relacionados a terceiros, que impactam fortemente em seus negócios; por último, começaram a dar importância aos canais de denúncias anônimas, que se tornaram um importante espaço de conexão com a sociedade e que auxiliam fortemente na identificação e prevenção de corrupção.”

Silvia Sfeir, diretora executiva de Vendas & Acesso ao Mercado da Bayer Brasil, ressalta que as áreas de compliance ganharam um peso muito grande dentro da cultura das empresas, levando a elas uma cultura ética e assegurando que as operações estejam sempre alinhadas com padrões legais rigorosos. “As organizações foram forçadas a revisar e aprimorar suas políticas e procedimentos para se alinharem com as novas regulamentações e práticas éticas. Também houve um investimento maior em recursos de compliance e em profissionais especializados, assim como reforço em monitoramento e auditoria interna para garantir que essas políticas e procedimentos estão sendo seguidos por todos.”

E os profissionais de RelGov podem encontrar conforto e segurança nas áreas de compliance. “A função, que, antes, talvez fosse vista apenas como uma espécie de 'controladoria da ética nos negócios' das empresas, assumiu assento no conselho e se reporta diretamente ao CEO. Para nós, é excelente, porque vejo a área como minha parceira de negócio. Posso recusar certos 'convites' ou 'pedidos' porque o 'meu compliance não permite'. Isso nos protege”, comenta Erik Camarano.

TENDÊNCIAS PARA UM MUNDO MELHOR

Quais seriam as tendências das relações governamentais? O que esperar dos próximos anos? De acordo com Ignacio Garcia, cofundador e CEO da Tree Intelligence, empresa de consultoria e tecnologia em inteligência de redes, a humanidade atravessa uma verdadeira revolução tecnológica, liderada pela Inteligência Artificial, que trará grandes transformações, cujas consequências ainda não conseguimos dimensionar.

“No curto prazo, acredito em uso cada vez mais intensivo, extensivo e integrado das tecnologias de IA e ciência de dados no dia a dia dos profissionais de RelGov”, avalia Garcia. “Acontecerá uma progressiva integração de tecnologias e processos para a análise sistêmica de dados cada vez mais complexos vindos de múltiplos stakeholders cada vez mais participativos e interligados. A coleta, integração e interpretação automatizada das múltiplas fontes de dados possibilitarão análises mais rápidas de cenários, melhorando a eficiência dos processos que hoje continuam sendo muito manuais e pouco interligados. Haverá uma pressão crescente vinda de múltiplos stakeholders, fazendo com que os profissionais contemplem não apenas governo e sim a sociedade civil como um ecossistema integrado, pois o envolvimento e o alcance desses múltiplos stakeholders e suas camadas de relacionamentos continuarão se ampliando, sendo indispensável um olhar sistêmico e dinâmico das redes de relacionamento.”

Garcia alerta também para os riscos de reputação: as empresas estão mais expostas a um leque de riscos internos e externos conectados. “A necessidade de saber diferenciar os tipos de riscos a partir de uma correta leitura das redes de issues e stakeholders, para estarem preparados para cenários de crise, é uma das principais tendências que mudará realmente a maneira predominantemente reativa de algumas indústrias, para uma visão proativa, baseada em dados e em cenários de ação.”

Ele aposta também na sofisticação das campanhas digitais, com ferramentas para que as organizações possam desenhar, implementar e calibrar campanhas de advocacy digital. “O correto mapeamento dos issues a serem 'advogados' e a ativação e articulação com os stakeholders estratégicos é algo que será cada vez mais eficiente, dado o embasamento em dados e interpretação de contextos.”

Uma clara tendência é o incremento de profissionalização, de busca por mais qualificação acadêmica, de adesão das empresas e dos profissionais brasileiros às melhores práticas internacionais de RelGov. “Acredito também que o aumento da transparência nas relações entre o público e o privado é um caminho sem volta”, diz Erik Camarano. “Mas precisamos trabalhar dobrado hoje por conta do crescimento da cultura de fake news, dessa desconfiança, estimulada por certos setores da sociedade, na imprensa livre, e dessa mistura nefasta de colunista de opinião com jornalismo. Fatos e dados importam. E o bom profissional de RelGov sabe incorporar fatos e dados em sua narrativa”.

Ana Simão concorda com a necessidade de maior capacitação por meio da academia e de instituições especializadas no tema, a exemplo do próprio IRELGOV. “Os profissionais deverão ter forte repertório, que possibilite não apenas analisar a complexidade das questões que envolvem o Estado brasileiro e a sempre delicada relação público-privado, como também atuar na prevenção e antecipação de crises. Um segundo ponto refere-se à estreita relação entre os profissionais de RelGov e a área de compliance das empresas. Em terceiro lugar, mas não menos importante, é o uso cada vez mais sistemático e qualificado das ferramentas de comunicação e das tecnologias da informação.”

Para Thomaz D’Addio, a atividade caminha para o fortalecimento das soluções de monitoramento e acompanhamento de estados e municípios, assim como para a consolidação do olhar sobre public affairs e entendimento das convergências entre relações governamentais e relações públicas/comunicação. “Haverá um crescente enfoque em formação de equipes mais plurais e diversas e a regionalização de atividades a nível de América Latina.”

Já Fabio Rua crê que as relações governamentais tendem a ser muito mais complexas e amplas do que são hoje. “Não consigo vislumbrar uma área de RelGov que não esteja efetivamente integrada ao negócio e que não inclua outras disciplinas institucionais no seu rol de responsabilidades, como comunicação e todos os temas que se enquadrem no guarda-chuva socioambiental. A construção de relações passará, necessariamente, pela confiança criada por meio de fatos, dados e de uma mentalidade coletiva. O RelGov que defende apenas o interesse da sua empresa não terá mais vez e, certamente, será substituído por profissionais verdadeiramente comprometidos com a construção de uma sociedade plural, digital e menos desigual.”

A tecnologia sempre teve consequências na vida da humanidade – da invenção da roda aos teares mecânicos da Revolução Industrial. Hoje, no entanto, a velocidade dos avanços é tão vertiginosa que os impactos são considerados imprevisíveis. A única certeza é de que avanços como Inteligência Artificial e Chat GPT vieram para ficar e serão incorporados, de um jeito ou de outro, ao cotidiano da atividade de relações governamentais. “O domínio de dados oferece a confiabilidade necessária e fundamental para que as empresas organizem informações, tenham controle sobre os processos administrativos e, sobretudo, possam garantir a segurança de informações que são indispensáveis para a tomada de decisão. A prevenção de riscos, tema de primeira grandeza nas relações governamentais, está diretamente associada ao investimento, ao conhecimento e à destreza no uso dessas ferramentas tecnológicas”, explica Simão.

Especialista em tecnologia, Ignacio Garcia menciona a automação de tarefas repetitivas e rotineiras como o primeiro ato da implantação da Inteligência Artificial generativa - como o Chat GPT -, para atividades como registro e síntese de reuniões, análise de documentos, elaboração de textos e informes para as diretorias, respostas a consultas padrão e monitoramento de mudanças legislativas, entre outras. “Diferentemente do paradigma anterior do Big Data – em que o analista especializado não fazia perguntas a priori, apenas parametrizava o modelo e carregava os dados para extrair os resultados –, no paradigma da IA generativa, o usuário, que já não precisa ser cientista de dados ou programador, precisa sim saber fazer as perguntas adequadas, sendo este o principal desafio. Nos próximos cinco anos, as áreas de RIG, assim como as demais áreas das organizações, deverão reformular seus processos para que sejam parcialmente automatizados com base nesse tipo particular de IA.”

O CEO da Tree Intelligence afirma, ainda, que modelos de linguagem podem ser usados para a construção de uma comunicação personalizada e eficiente, e para geração de conteúdo estratégico. “O Chat GPT pode gerar discursos e comunicados de imprensa, entre outros. Facilita a produção de materiais consistentes e persuasivos, a partir da identificação prévia dos grupos de stakeholders e do entendimento dos seus comportamentos e pontos de vista, para aproximar a linguagem e construir narrativas persuasivas quase em tempo real.”

Silvia Sfeir, da Bayer Brasil, aposta em um engajamento maior e uma comunicação mais eficiente por meio de chat box e assistentes virtuais, e no uso dessas ferramentas para fornecer tanto informações como responder perguntas e coletar feedbacks de maneira mais rápida e eficiente. “O monitoramento de políticas e regulamentações usando a Inteligência Artificial pode ser muito melhor, porque as atualizações acontecem em tempo real, as políticas governamentais e as empresas podem adotar e se adaptar mais rapidamente às novas políticas e, obviamente, antecipar possíveis impactos.”

O profissional de RelGov dependerá cada vez mais da IA, e vai utilizá-la de forma inteligente, proporcionando melhores tomadas de decisão, principalmente na previsibilidade de padrões e tendências. Mas Sfeir alerta que essas tecnologias também podem levantar questões éticas, relacionadas a temas como privacidade de dados e o papel da intervenção humana na tomada de decisões. Camarano concorda que é preciso saber usar as tecnologias para não ser dominado por elas. “O profissional que souber usar com inteligência, sem perdão do trocadilho, a Inteligência Artificial e o Chat GPT, pode se beneficiar muito com a redução de tarefas repetitivas e a produção de relatórios gerenciais em muito menos tempo, entre outros. Mas não pode jamais se esquecer de que nossa atividade, como o próprio nome diz, é de relações governamentais. Nada substitui o contato olho no olho, ainda que pelo Zoom. IA alguma vai fazer isso.”

O vice-presidente de Relações Governamentais, Comunicação e ESG da GM América do Sul, Fabio Rua, acredita em um futuro com significativo componente tecnológico, no qual, em um processo de formulação de políticas e fortalecimento de imagem e reputação, não bastarão boas intenções ou retórica afiada. “Posicionamentos genéricos, pressão psicológica, meias-verdades e os velhos clichês não terão mais vez. Políticas de compadrio, alianças ideológicas e circunstanciais darão lugar a profundas análises quali e quantitativas, que serão embasadas por petaflops de informações sistematizadas em formatos extremamente simples, que permitirão decisões rápidas e evidenciadas por dados, gráficos, imagens e vídeos trabalhados por algoritmos de última geração.”

A relação entre a área de RelGov e a de ESG (sigla em inglês que significa meio ambiente, social e governança) deve ganhar ainda mais destaque nos próximos anos. De acordo com a professora Ana Regina Simão, esse cenário obrigará os profissionais da área a adquirirem novos conhecimentos, tornando-os mais multidisciplinares. Um outro aspecto importante será a necessidade de desenvolver habilidade para prevenir e gerenciar crises, considerando a complexidade do conjunto de stakeholders de cada corporação. “Por último, porém não menos relevante, será o contínuo domínio das ferramentas de comunicação digital e das estratégias relacionadas às redes sociais.”

Erik Camarano, espera um futuro com mais diversidade, no qual profissionais mulheres, negros e LGBTQIA+ efetivamente ocupem posições de liderança e não apenas cargos de entrada na carreira – manobra para que as empresas possam dizer que "têm diversidade", quando na verdade estão apenas "cumprindo cota". “Hoje, vivemos na política um perigoso movimento conservador que, em alguns países – e o Brasil não está 'fora de perigo' –, pode significar um tremendo retrocesso social, com a dominância de uma agenda político-religiosa que quer excluir grupos minoritários de posições de poder e mesmo avançar na retirada de direitos sociais apenas muito recentemente conquistados pelas mulheres e pelas minorias. Se você lê 'Como as democracias morrem' (Steven Levitsky & Daniel Ziblatt) e analisa o governo Bolsonaro, vê que aquela gestão cumpria todos os 'requisitos' da lista de como enterrar um regime democrático. Felizmente, foram removidos pelo voto, mas por uma margem muito pequena. Como profissionais de relgov, precisamos estar atentos. Nossa função só existe sob um regime democrático.”

Já Catarina Corrêa, gerente executiva de Relações Públicas, Ciência e Sustentabilidade da Bayer, vê um caminho muito promissor de fortalecimento de área, de profissionalização e consolidação. “Não tenho dúvidas de que em 20 anos teremos mais benchmarks, mais transparência, mais tecnologia disponível para a atividade. Confio também que teremos, para os profissionais de RelGov, mais espaço no mundo corporativo para aplicar suas competências e ajudar a navegar um ambiente empresarial mais incerto e com mais ambiguidades, elementos tão naturais da política”.

Além de CEO da Tree Intelligence, Ignacio Garcia é antropólogo e está convencido de que a humanidade atravessa uma das poucas revoluções tecnológicas da espécie, caracterizada pela Inteligência Artificial. “Os impactos são inimagináveis, o que torna difícil arriscar um horizonte de 20 anos. No entanto, estou convencido de que o profissional de relações governamentais continuará tendo uma função essencial no ecossistema organizacional, desde que mantenha o que lhe é essencial à profissão e que, curiosamente, nos faz essencialmente humanos: a capacidade de nos relacionarmos, envolvendo julgamento humano, empatia e contexto político.”

Ele não acredita no predomínio das máquinas. “A complexidade e a natureza humanamente centrada do trabalho em relações governamentais sugerem que a automação completa é improvável. Em vez disso, há mais chances de que as tecnologias avançadas se tornem ferramentas valiosas que complementem as habilidades humanas, permitindo que os profissionais desempenhem suas funções de maneira mais eficaz e estratégica. Isso tudo precisará de uma transformação na maneira de pensar e de internalizar tecnologias.”

Thomaz D’Addio contribui para o debate: “Ferramentas tecnológicas como Inteligência Artificial e o Chat GPT vão impactar a atividade. Fortalecerão os sistemas de monitoramento e análise, permitindo que as tarefas sejam realizadas de forma mais rápida e eficiente. Com isso, os profissionais poderão se debruçar sobre atividades que requerem maior análise. Mas a atividade principal deve permanecer centrada na capacidade de desenvolvimento de estratégias e no elemento relacional inerente ao setor.”

ARTIGO

Reforma Tributária: quem fará o lobby em defesa das leis de incentivo à cultura e aos esportes dos estados e municípios?

Por Aldo Valentim (*) (**)

As leis municipais e estaduais de incentivo à cultura e aos esportes ficarão comprometidas com o avanço da tramitação da Reforma Tributária. Aproximadamente R$ 2 bilhões em incentivo fiscais para os setores esportivo e cultural podem não ter sua continuidade garantida. A PEC 45 agrega cinco tributos em apenas dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), substituindo IPI, PIS e Cofins, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), agregando ICMS e ISS, prometendo simplificação, desburocratização e o fim da guerra fiscal. Ressalto que ISS e ICMS representam 9% do PIB e 23% da arrecadação do país.

De acordo com a PEC, o gerenciamento dessa arrecadação será centralizado por meio do Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços, no Ministério da Economia. Esse é o primeiro impasse pois, atualmente, os entes federados têm autonomia para gerenciar seus tributos e decidir, em função da realidade local, os incentivos e as renúncias fiscais para setores estratégicos, inclusive para os segmentos esportivo e cultural.

As leis de incentivos fiscais à cultura dos estados e capitais representam cerca de R$ 1,5 bilhão/ano; 100% dos estados, 78% das capitais e outros municípios, de pequeno e médio porte, com situação fiscal equilibrada e melhor estrutura administrativa, possuem algum tipo de renúncia fiscal. Dados do IBGE apontam que 5,6% dos municípios possuem legislação de incentivo à cultura. Dos 36 municípios com população acima de 500 mil habitantes, 27 deles (75%) possuem leis desse tipo. Dos municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, 33,4% possuem leis de incentivo. Já entre os municípios com população de até 5 mil habitantes, apenas 1,3% possuem esse tipo de legislação, enquanto na faixa de 5 mil a 10 mil habitantes, o percentual é de 2,7%. Esse cenário indica a tendência da existência dessas leis de renúncia fiscal nos municípios maiores, com arrecadação e situação fiscal que possibilitem renunciar a receitas. No caso do esporte, 4,5% dos municípios possuem leis de incentivo.

O financiamento à cultura e ao esporte no Brasil tem três mecanismos: orçamento direto, renúncias fiscais e patrocínios privados. No caso da cultura, no âmbito federal, a Lei Rouanet (8.313/91), com o mecenato, é o principal meio de financiamento, com a renúncia do IR de pessoas físicas e jurídicas, tendo movimentado mais de R$ 50 bilhões em 30 anos. Em 2022, foram mais de R$ 2 bilhões, o maior volume da história. No entanto, 79% dos recursos financiaram projetos da Região Sudeste, 14% da Região Sul e 7% das demais regiões, o que configura um modelo extremamente concentrador há décadas, criticado por financiar grandes fundações de bancos, empresas, projetos de artistas famosos e que acumula críticas como as relacionadas à pouca transparência, má utilização dos recursos e não garantia da efetividade, dada a ausência de monitoramento e avaliação de impacto. 

No caso do esporte, a Lei Federal (11.438/2006), alterada pela Lei Geral do Esporte, apoiou, em 2022, cerca de 1,4 mil projetos com R$ 500 milhões. Desde sua criação, em 2006, até 2020, a Lei Federal aportou R$ 3 bilhões, em 2,5 mil projetos, sendo 65% voltados para educação, social e lazer, e 35% para esporte de rendimento.

No caso das leis de incentivo à cultura dos estados, o Rio de Janeiro fica em primeiro lugar, com R$ 150 milhões, seguido por São Paulo, com R$ 100 milhões, Rio Grande do Sul, com R$ 70 milhões, e Paraná, com R$ 40,9 milhões; na Região Nordeste, o maior investidor é o Ceará, com R$ 24 milhões; no Centro-Oeste, Goiás, com R$ 40 milhões; e no Norte, Rondônia, com R$ 18 milhões.

No esporte, os valores são expressivos – cerca de 20 estados possuem leis de incentivo. Em 2023, o Estado de São Paulo destinou R$ 60 milhões; Rio Grande do Sul, R$ 35 milhões, e Minas Gerais, R$ 26 milhões.

O Programa de Apoio à Cultura do Governo do Estado de São Paulo (Proac), criado em 2006 pelo então governador Geraldo Alckmin, destina anualmente R$ 100 milhões para projetos culturais, com 972 empresas incentivadoras, que financiam, em média, 2 mil projetos por ano. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o impacto direto sobre a economia paulista do ProAC ICMS é relevante: gerou mais de 3 mil postos de trabalho e significou um PIB de R$ 223 milhões, além de R$ 67,5 milhões de arrecadação. Somando toda a cadeia produtiva, os investimentos do ProAC ICMS movimentaram R$ 715,4 milhões na economia do país, aumentando o PIB em R$ 360,3 milhões entre 2012 e 2016 (0,6% do setor). Foram gerados mais de 4 mil empregos, que significam 5,3% dos empregos do setor de cultura, esporte e recreação do estado de São Paulo, com retorno de R$ 93,6 milhões para os cofres públicos.

No Rio Grande do Sul, a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) teve sua capacidade ampliada em 100% na gestão do governador Eduardo Leite. O montante de R$ 70 milhões de incentivo fiscal beneficia mais de 954 empresas patrocinadoras e 1.145 projetos culturais, sendo 80% originados no interior do estado e com atividades em 330 municípios, cobrindo mais de 66% do Rio Grande do Sul.

Isso não significa que esses mecanismos subnacionais não precisam de revisão. Há uma janela de oportunidade para que as áreas econômicas dos entes realizem avaliações de impacto dos incentivos fiscais à cultura e ao esporte, implementem sistemas de monitoramento e avaliação, ampliem ferramentas de transparência sobre os projetos aprovados, aprimorem sistemas de accountability, prestação de contas e ampliem o uso da tecnologia e Inteligência Artificial (IA) para seleção dos projetos, eliminando os interesses corporativistas existentes nos modelos de conselhos e pareceristas atuais.

Mesmo necessitando de aperfeiçoamento e focalização, as leis de incentivo dos estados, DF e municípios, com base no ICMS ou ISS, são alternativas para produtores culturais, associações esportivas, artistas e atletas locais, que não conseguem alcançar os recursos federais.

No entanto, apesar de significarem valores expressivos, beneficiarem milhares de projetos, gerarem empregos e impacto social, observei tímida movimentação em defesa dessas leis pelos artistas, atletas, prefeitos e secretários, ligados aos setores esportivo e cultural. É importante a constituição de grupos de advocacy e lobby, no sentido profissional do termo: como define a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o lobby é a comunicação oral ou escrita com uma autoridade pública para influenciar decisões políticas, administrativas e, principalmente, legislativas. Dessa forma, a sistematização de dados e evidências para constituição da defesa das leis de renúncia fiscal subnacionais é uma tarefa árdua, mas que precisa ser exercida pelas partes interessadas na manutenção desses incentivos no Congresso Nacional.

* Aldo Valentim - Consultor em Políticas Públicas e Relações Governamentais e membro do Conselho de Administração da TV Cultura.
** Colaborou Marcos Rocha, mestre em Cidades Inteligentes e assessor parlamentar no Senado Federal. 

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A expansão do conceito de autocontrole no Brasil

Por Amanda Breton e Andrew Moreira
 
De acordo com a Teoria da Regulação Responsiva, as regras e normas impostas a determinado setor precisam ser flexíveis e adaptáveis aos mais variados contextos. Diferente de modelos mais rígidos, que costumam adotar um conjunto fixo de regras e procedimentos, a referida teoria defende que a adaptabilidade e a comunicação entre quem regula e quem é regulado devem nortear a atividade em si. Dessa forma, o sucesso da regulamentação depende da criação de regras que incentivem o setor regulado a segui-las voluntariamente. Isso significa que o agente privado deve participar ativamente do processo, criando e sugerindo modificações e revisando as regras propostas. A ideia não significa a ausência de Estado, ou uma flexibilização irrestrita das normas, pelo contrário, pressupõe uma nova abordagem de regulação que busca o equilíbrio, garantindo que os padrões estabelecidos sejam, de fato, cumpridos.

Na linha dessa teoria, o conceito de autocontrole agropecuário se popularizou bastante, o qual se refere à participação dos agentes do setor – agricultores, pecuaristas, empresas agroindustriais – na definição de práticas e regulamentos. O modelo já é aplicado em vários países da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, entre outros. Foi sancionada no ano passado a Lei nº 14.515/2022, que trata justamente dos programas de autocontrole agropecuários. De acordo com a norma, autocontrole é a capacidade do agente privado de implantar, executar, monitorar, verificar e corrigir procedimentos, processos de produção e de distribuição de insumos agropecuários, alimentos e produtos de origem animal ou vegetal, com vistas a garantir sua inocuidade, identidade, qualidade e segurança. Na prática, isso significa que o poder de fiscalização sobre o setor deixa de ser estritamente estatal e passa a ser compartilhado entre o âmbito privado e o Poder Público.

Se o autocontrole tem como objetivo a modernização do conceito de regulação, a aplicação de regras mais claras e adequadas e a melhor comunicação entre o Estado e o âmbito privado, por que não aplicá-lo a outros setores da economia? Meio ambiente, saúde pública e educação, entre outros. O Japão é um exemplo de país que aplica o autocontrole em vários setores de sua indústria. Quanto ao setor automobilístico, as principais montadoras do país desenvolvem diretrizes que envolvem segurança, eficiência energética e tecnologia, que muitas vezes superam as exigências estatais. Tal abordagem fortalece a reputação da indústria japonesa, contribuindo para a elevação da competitividade global.

A busca por padrões de qualidade e práticas de autocontrole visa incentivar a inovação, levando a avanços tecnológicos e processos mais eficientes. Além disso, o objetivo é também reduzir burocracias e procedimentos desatualizados. O setor privado pode e tem muito a agregar no processo de regulação, pois conhece de perto os detalhes da operação. Tais conhecimentos devem ser aproveitados para que, junto do Estado, promovam cada vez mais o crescimento econômico do país.

Assim, a abordagem ampliada do conceito de autocontrole revela-se crucial para todos os setores produtivos da sociedade, pois transcende limitações tradicionais e fomenta um ambiente de responsabilidade e eficiência.

Em paralelo, o tema reforça a relevância da participação da sociedade civil no processo legislativo brasileiro. A inserção de um autocontrole coerente só será possível por meio de um lobby republicano dos setores produtivos da sociedade. Exemplo disso é o papel que Frentes Parlamentares Setoriais têm desempenhado ao longo dos anos. O próprio autocontrole, como conhecemos, só ganhou espaço graças ao trabalho organizado da Frente Parlamentar da Agropecuária, apoiada tecnicamente por entidades, associações e institutos ligados ao setor do agronegócio. É essa participação ativa da sociedade civil, por meio do lobby organizado, que emerge como um catalisador essencial. O envolvimento da comunidade na formulação de políticas e na defesa de práticas mais responsáveis promove a transparência e a representação legítima de interesses diversos.

Portanto, a expansão do conceito de autocontrole não é apenas uma necessidade, mas uma oportunidade de transformação. Ao adotar uma abordagem mais ampla e inclusiva, e ao encorajar a participação ativa da sociedade civil, estamos pavimentando o caminho para uma nação mais consciente, resiliente e justa. Este é um convite para a construção de um futuro onde responsabilidade individual e coletiva sirvam como alicerces do progresso.

*Amanda Breton - Consultora Júnior da Action Consultoria
Graduada em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Possui 3 anos de experiência na área de Relações Governamentais, com foco no Poder Legislativo Federal.

**Andrew Moreira - Coordenador Técnico da Action Consultoria
Bacharel em Marketing e Advogado pós-graduado em Direito Legislativo. Possui vasta experiência na advocacia Cível e no monitoramento, acompanhamento e assessoria legislativa. Foi consultor técnico da Frente Parlamentar do Empreendedorismo.

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Orçamento Público e Relações Institucionais e Governamentais (RIG)

Helder Rebouças (*)

O Poder Executivo enviou ao Congresso os projetos de Lei do Plano Plurianual (PPA), para o período 2024-2027, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), para 2024. O PPA prevê despesas com programas finalísticos da ordem de R$ 11,5 trilhões para o quadriênio 2024-2027. Já a LOA para 2024 autoriza gastos de R$ 5,5 trilhões.

É evidente a relevância da alocação de recursos por meio da engenharia orçamentária PPA-LDO-LOA, tendo em vista que é o gasto governamental que materializa as várias políticas públicas, ao mesmo tempo que oferece sinais importantes para a tomada de decisões privadas de investimentos. De fato, como bem indica a Constituição Federal de 1988 (Art. 174), o planejamento estatal, do qual o orçamento público é instrumento, é determinante (obrigatório) para o setor público e indicativo para o setor privado, porque serve de “farol”, informando em quais áreas serão aplicados os recursos.

Assim, quando o PPA 2024-2027 sinaliza recursos de R$ 893 bilhões para projetos da chamada “indústria verde” e R$ 619 bilhões para programas de moradia populares, os segmentos que atuam nas áreas de transição energética e construção civil, respectivamente, deveriam monitorar os projetos relacionados a esses gastos, buscando identificar oportunidades. Ainda a título de exemplo, veja-se que o projeto da LDO para 2024 nas políticas dos bancos públicos traz como prioridades para a Caixa Econômica Federal financiamentos para a redução do déficit habitacional, enfrentamento da pobreza e insegurança alimentar, entre outros. Já na LOA para 2024, há a previsão de R$ 1 bilhão para subvencionar o seguro-rural, um dos mais importantes instrumentos da política agrícola.

Com essas ilustrações, resta demonstrada a necessidade de as instituições públicas e privadas, no âmbito do planejamento estratégico, adotarem sistemas de monitoramento das informações orçamentárias e de elaboração de planos de ação e intervenção nesse processo, já que a programação dos gastos é um dos elementos centrais para o êxito de políticas públicas e de seus desejáveis impactos socioeconômicos.

Face ao exposto, cabe reconhecer a importância do ambiente legislativo, como arena política de aperfeiçoamento das leis de orçamento público (PPA, LDO e LOA), por meio de emendas parlamentares e de outras intervenções previstas no devido processo legislativo orçamentário. Em consequência, tem-se aí espaço institucional legítimo para a atuação dos profissionais de RIG, visando à alteração de atributos orçamentários das políticas públicas, de acordo com as expectativas dos diversos grupos e segmentos que representam.

Nas atividades de RIG, o convencimento dos decisores depende essencialmente da qualidade das informações prestadas e da sua utilidade para a efetiva tomada de decisão. No caso de ações voltadas às políticas públicas, as informações orçamentárias são essenciais, porque não se pode falar nesse tema sem a garantia dos meios financeiros para a sua realização. Além disso, qualquer plano de ação direcionado à intervenção em políticas públicas deve incluir as etapas relevantes do processo legislativo orçamentário, para que se obtenha o mapeamento do seu processo decisório.

Em razão da escassez de recursos públicos e das dificuldades fiscais do Estado brasileiro, os orçamentos acabam se transformando numa arena de disputa por rendas, potencializando conflitos entre entes federados, setores econômicos, pastas, órgãos públicos, categorias profissionais etc. Ao se privilegiar determinado gasto público, o que é legítimo e coerente com a proposta eleitoral vencedora em cada pleito, outras áreas acabam ficando em “segundo plano”. Daí, a necessidade de identificação das áreas prioritárias de cada governo eleito, informação que se obtém nas peças orçamentárias, sobretudo no PPA.

O processo legislativo orçamentário é regulado por normas constitucionais, legais e regimentais, devendo ser, portanto, de conhecimento obrigatório dos profissionais de RIG que pretendem atuar nesta área. Assim, as regras estampadas entre os artigos 165 a 169 da Constituição Federal, a Lei Complementar nº 101, de 2000 (a Lei de Responsabilidade Fiscal), a Lei nº 4.320, de 1964, as regras anuais da LDO e a Resolução nº 01, de 2006, do Congresso, se apresentam como “ferramentas” básicas para um trabalho consistente de RIG, no contexto dos orçamentos públicos. É bom lembrar que a engenharia orçamentária brasileira, por ser de natureza constitucional, se reproduz nas dimensões federal, estadual e municipal. Logo, a atuação dos profissionais de RIG não se exaure no processo legislativo do Congresso, podendo se estender às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Ressaltada a importância do processo legislativo orçamentário, como espaço de materialização das políticas públicas e, dessa forma, de atuação de RIG, cumpre-nos realçar, por fim, o sensível componente político dos orçamentos públicos, dada a conexão eleitoral das emendas parlamentares, que deve ser levada em alta conta na esfera de compliance. Sobre o assunto, observe-se as recentes discussões e impasses sobre o “orçamento secreto”, com forte repercussão negativa na mídia, e a sua declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.

(*) Helder Rebouças - Consultor de Orçamentos do Senado e doutor em Direito pela Universidade de Brasília. Foi diretor geral do Senado e diretor de Relações Institucionais da Presidência do Senado.

COLUNA

Seniors fellows: fortalecendo o IRELGOV

Um dos principais objetivos de um think tank como o IRELGOV é a produção e disseminação de conhecimento sobre uma determinada área. Nesse sentido, o instituto decidiu pela criação de um Conselho Consultivo, formado por profissionais renomados, com experiência e conteúdo de interesse de associados e da sociedade em geral. Felipe Daud, Carlos Petiz, Mariana Chaimovich, Marcelo Almeida e Leonardo Barreto foram os profissionais selecionados para compor o time de senior fellows do IRELGOV. 

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Felipe Daud

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Carlos Petiz

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Mariana Chaimovich

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Leonardo Barreto

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Marcelo Almeida

A professora e conselheira do IRELGOV Denilde Holzhacker conta que, quando Suelma Rosa e Creomar de Souza a convidaram para integrar a equipe do IRELGOV como diretora de Conteúdo na gestão anterior, uma das conversas centrais girou em torno de como seria possível expandir horizontes, aprofundar conhecimentos e trazer novas perspectivas para a área.

“Nosso desafio era criar uma cultura rica em conhecimento, combinando várias atividades, incluindo um grupo dedicado ao fomento de novos debates. Na atual gestão, inspirados por think tanks globais, nosso planejamento estratégico evoluiu para a formação de um Conselho Consultivo. Composto por seniors fellows, tem a tarefa não só de enriquecer nosso repertório de conteúdos, mas também contribuir para a ampliação do conhecimento na área de relações governamentais.”

Denilde Holzhacker acredita que esse novo capítulo abre um leque de oportunidades para o IRELGOV se firmar como um centro de referência de ideias e debates em relações governamentais e institucionais. “Desejo sucesso aos nossos primeiros fellows, confiante de que serão os pioneiros de uma longa e frutífera tradição.” 


Carlos Petitz

Há quanto tempo trabalha com Relgov?
Entre as experiências no setor privado e público, quase oito anos.

Tem experiência em quais entidades públicas/privadas?
No setor privado atuei no setor da aviação executiva, e no público atuo no Governo do Estado de Santa Catarina há quase quatro anos. 

Há quanto tempo é associado ao IRELGOV? Como conheceu o instituto?
Conheço há bastante tempo, desde quando cursei o MBA em Relgov pela FGV, no qual tive como professores alguns profissionais que eram ou ainda são parte da direção do instituto. Sempre tive intenção de fazer parte e poder colaborar com o IRELGOV, e agora nossos caminhos se cruzaram em um momento no qual creio ter algo a contribuir.

Na sua visão, qual é a principal função do IRELGOV?
Seguindo a tradicional experiência dos think tanks americanos, a função do IRELGOV deve ser de fomentar a produção e disseminar conteúdos que se relacionem com a atividade de RelGov. Esse é um trabalho fundamental e de grande importância em um país como o nosso, no qual ainda há enorme incompreensão sobre a atividade e pouca literatura nacional sobre o assunto.

Como pretende expandir seu conhecimento e compartilhá-lo dentro do IRELGOV junto aos associados e parceiros?
Percebo que ainda são poucos os associados do IRELGOV que vêm do setor público, como eu. A atividade de RelGov é fundamental para a criação e aprimoramento de políticas públicas, por isso quero utilizar a experiência acumulada até aqui para criar pontes de entendimento entre os dois lados da mesa, para que o trabalho de ambos possa ser mais efetivo.

Como acredita que é possível melhorar o entendimento da sociedade sobre a profissão de RelGov?
Creio que essa seja a grande missão da atual geração do RelGov. É uma tarefa difícil, pois há muitos "pré-conceitos" que prejudicam um bom entendimento sobre a profissão por parte da sociedade. Mas ainda há todo um lado do "lobby social" que não é visto, ou muitas vezes sequer é entendido como relações governamentais. Na minha atuação profissional tenho contato com diversas representações da sociedade civil organizada que fazem - e muito - RelGov, mas não entendem sua atuação dessa forma. É preciso apresentar o RelGov como uma ferramenta de melhoria da sua atuação junto aos decisores governamentais.


Mariana Chaimovich

Há quanto tempo trabalha com RelGov?
Trabalho com Relações Governamentais há seis anos, desde que terminei o doutorado em Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (USP). Estudei o processo de internalização de tratados de Direitos Humanos durante a ditadura e a democracia no Brasil e foi quando comecei a ter mais contato com o processo legislativo.

Tem experiência em quais entidades públicas/privadas?
Trabalhei em equipes de relações governamentais em escritórios de advocacia e consultorias de análise política, com clientes de áreas muito diversas – desde indústrias química e farmacêutica até mobilidade urbana e aluguel por temporada. Atualmente, coordeno as atividades de advocacy do ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário - https://www.itcn.org.br), associação que congrega empresas transportadoras de valores e gerenciadoras de caixas eletrônicos.

Há quanto tempo é associado ao IRELGOV? Como conheceu o instituto?
Fui associada ao IRELGOV no começo da carreira e retornei em 2021, com um convite para liderar os esforços da Editora Diálogos e, posteriormente, do Comitê de Regulamentação do Lobby. Conheci o instituto conversando com colegas da área, que me incentivaram a participar, justamente para conhecer mais pessoas e trocar experiências a respeito da atuação em relações governamentais.

Na sua visão, qual é a principal função do IRELGOV?
Produzir e difundir conhecimento a respeito da carreira, das formas de atuação e das dinâmicas que envolvem a atividade de relações governamentais. Como think tank, um dos objetivos do IRELGOV é, justamente, ser o promotor de pesquisas internas, motivo pelo qual foi lançado o edital para senior fellows. Com muita honra, fui selecionada para participar deste grupo.

Como pretende expandir seu conhecimento e compartilhá-lo dentro do IRELGOV junto aos associados e parceiros?
Acredito que um dos maiores ativos do IRELGOV são seus associados, suas redes e a capacidade que eles têm de mobilizar pessoas. Vimos isso durante os trabalhos do Comitê de Regulamentação do Lobby. Um dos projetos de pesquisa que pretendemos emplacar se relaciona justamente com as estruturas das equipes de relações governamentais, a mensuração de resultados, os perfis dos profissionais. Conhecer melhor essas dinâmicas, explicá-las e categorizá-las certamente será um desafio que, como profissional e acadêmica, pretendo explorar nesse contexto de fellow do instituto. 

Como acredita que é possível melhorar o entendimento da sociedade sobre a profissão de RelGov?
Informar é a melhor maneira de dissolver preconceitos. Muitas pessoas, quando escutam a palavra “lobby” pensam, imediatamente, que se trata de sinônimo de corrupção – ouvi isso, inclusive, em sala de aula, ministrando palestras para estudantes do curso de Direito e de Relações Internacionais. As pessoas, ao receberem informações claras, compreendem facilmente que não são palavras equivalentes, nem correlatas: o lobby é uma das garantias da manutenção da democracia e da participação cidadã, que não deve ocorrer exclusivamente na hora do voto. Portanto, como profissionais da área, disseminar informações precisas a respeito do tema é essencial para não apenas desmistificar o termo “lobby”, mas ressaltar tudo o que ele tem de positivo e de construtivo para aprimorar normas, políticas públicas, enfim, a vida de cidadãs e cidadãos.

COLUNA

A tecnologia social e ancestral preta nas Relações Governamentais: o caso do coletivo Pretas e Pretos em RelGov

Rúbia Freitas

Caroliny Villarinho


O mundo surgiu em África, mas a prática profissional em Relações Governamentais ainda obstaculiza o acesso e o crescimento de profissionais negras e negros atuantes da área no Brasil.

Com o objetivo principal de fortalecer a inclusão, capacitação, a diversidade e permanência desses profissionais, o professor Creomar de Souza, Verô Hoe e Flávia Fernanda criaram o coletivo Pretas e Pretos em RelGov, que teve como atuação inicial discutir o racismo e a equidade no mercado de Relgov e assemelhados. Hoje, o coletivo conta com a participação e orientação de seus fundadores, mas seguindo com uma nova gestão, na qual conta com a coordenação de Raiane Paulo, Jackeline

Brito, Rubia Freitas, Thais Cardoso e Josiara Diniz, e desenvolve diversas ações que favorecem a empregabilidade, como o projeto Empregando Gente Preta, que atua na divulgação de vagas, indicação para posições específicas, oficinas de capacitação para entrevistas e formatação de currículos.

Somos, no entanto, mais do que um grupo de profissionais. O Coletivo Pretas e Pretos em RelGov representa um caso concreto e bem-sucedido do uso da tecnologia social e ancestral preta aplicado às Relações Governamentais, espaço ainda majoritariamente branco. Tecnologia social é tudo aquilo que resolve algum problema de forma simples, prática e barata, a partir de algum conhecimento popular. Um exemplo simples dessa tecnologia é o soro caseiro. Embora ninguém saiba quem foi de fato o criador dessa solução, está comprovada a sua eficácia médica na área da saúde.

Ainda que Grécia e Roma sejam sempre utilizadas para marcar o início da nossa civilização, a verdade é que o continente africano já experimentava sociedades avançadas em organização social, em técnicas agrícolas, de mineração, de saúde, educacionais, e também políticas, dentre tantas outras. Somos herdeiros de técnicas de mediação e de negociação, de solução de conflitos e problemas, de barganha, de enfrentamento, reconstrução, de guerra e paz. Não está nos livros de História, e por isso ainda trabalhamos para a implementação da lei 10.639/03, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Mas esses conhecimentos são mantidos e repassados nos espaços pretos.

Ao contrário do anonimato do criador do soro caseiro, nós conhecemos e saudamos nossos ancestrais por nos terem dado como herança, também, a responsabilidade de continuar o trabalho deles nos dias de hoje. Foi esse legado que garantiu a existência, sobrevivência, resistência, fortalecimento e continuidade da população negra no Brasil, que ainda perpetua, nos dando a certeza que o coletivo Pretas e Pretos em Relgov é sim uma maneira de garantir a nossa existência, saudando sempre nossa ancestralidade por meio do cuidado, zelo e apoio entre nós. E por isso somos também uma tecnologia social.

Existe uma sabedoria africana conhecida como Sankofa. O conceito de Sankofa (Sanko = voltar; fa = buscar, trazer) origina-se de um provérbio tradicional entre os povos de língua Akan da África Ocidental, em Gana, Togo e Costa do Marfim. Em Akan “se wo were fi na wosan kofa a yenki” pode ser traduzido por “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”. Como um símbolo Adinkra, Sankofa comumente é representado como um pássaro mítico que voa para frente, tendo a cabeça voltada para trás e carregando no seu bico um ovo, que representa o futuro.

Somos uma tecnologia ancestral porque estamos resgatando a sabedoria e o conhecimento da cultura afro-brasileira para construir no momento presente a inclusão racial, o desenvolvimento de práticas eficientes e inovadoras no nosso trabalho com Relações Governamentais, com o objetivo de termos no futuro uma realidade social mais democrática, justa e em que seja possível viver.

A nossa ancestralidade pode ser representada de diversas formas. Por meio de trechos musicais, quando Emicida diz que: “tudo que nóis tem é nóis”; ou BK’, e quando diz que: “eu sou a continuação de um sonho, da minha mãe, do meu pai, de todos que vieram antes de mim”. Ou até mesmo por meio de expressões poéticas, quando Conceição Evaristo diz: “o importante não é ser o primeiro ou a primeira, o importante é abrir caminhos”.

E isso é muito importante, porque, desde o início da história do Brasil, vozes negras são silenciadas. Povos pretos, quando colonizados, eram obrigados a deletar suas histórias, nomes, ideologias, crenças, suas organizações sociais e políticas, a fim de cederem aos costumes dos colonizadores. Embora a prática da escravização no Brasil tenha sido abolida em 1888, a manutenção do racismo estrutural no país nos silencia e restringe o acesso a direitos fundamentais, perpetuando uma estrutura de exclusão e inferiorização.

O ramo das Relações Governamentais constitui-se na construção de um relacionamento com o governo de forma ampla, a exemplo da elaboração de Projetos de Leis ou até mesmo na idealização de políticas públicas, e por isso é indispensável.

Os exemplos de resistência e influência positiva na nossa construção social são inúmeros. Entre eles, as irmandades, os capoeiras, os quilombos, e também o coletivo Pretas e Pretos em RelGov, pois somos como nossos ancestrais: inteligentes, belos, articuladores, estrategistas. E com seus ensinamentos vamos abrindo caminho para estar em todos os espaços e construir um país verdadeiramente democrático, livre e justo.

Já somos o orgulho dos nossos ancestrais, e vamos fazer ainda mais.

Rúbia Freitas - Mãe de Yasmin e Antônio, advogada, assessora parlamentar do deputado distrital Max Maciel e coordenadora de Comunicação do coletivo Pretas e Pretos em RelGov. Atua há mais de dez anos com políticas de promoção da igualdade e no enfrentamento ao racismo.

Caroliny Villarinho - Graduanda em Relações Internacionais pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Atualmente faz a gestão das redes sociais e produção de conteúdo no núcleo de comunicação no coletivo Pretas e Pretos em Relgov, é diretora de Produção do projeto de extensão “Pílula de Política” e estagiária de Public Affairs.

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O suplemento de Tecnologia e Relações Governamentais, patrocinado pela TOTVS, apresenta matérias sobre as reuniões e debates do grupo de trabalho, liderado por Luciana Barbetta.

Líder absoluta em sistemas e plataformas para gestão de empresas, a TOTVS entrega produtividade para 70 mil clientes por meio da digitalização dos negócios.

Boa leitura!