Editorial

Atualmente, os profissionais de relgov têm à sua disposição ferramentas tecnológicas que executam tarefas em velocidades inimagináveis há poucos anos, proporcionando uma enorme quantidade de dados e alívio em relação a atividades consideradas repetitivas, como monitoramento. No entanto, é preciso levar em consideração o respeito a princípios éticos, cujos limites são continuamente testados pelas novidades do mundo digital.

Uma de nossas matérias investiga o cenário das relações de profissionais de relgov com os poderes executivo, legislativo e agências reguladoras nesse mundo em que a Inteligência Artificial está cada vez mais presente – e tenta traçar um quadro do futuro próximo. Nossa outra reportagem destaca como é a aplicação de conceitos como transparência e integridade na área, quais as regras necessárias para fiscalização e controle das atividades e se elas vêm se mostrando eficazes.

Na seção de artigos, nossos articulistas debatem desde a questão de ESG no setor automotivo e seus impactos no meio ambiente à capacidade de adaptação e conhecimento das particularidades de cada região do país para atuação em diversas esferas de poder. O leitor também encontrará um raio-X das estratégias de relgov utilizadas para manter o Perse, programa que permitiu a sobrevivência de importantes setores como os de eventos e turismo durante e após a pandemia de Covid-19.

Desejamos uma boa leitura!

Por Thomaz D’Addio, Conselheiro de Comunicação do IRELGOV, e Marcela Tullii, Diretora de Comunicação do Instituto

Nesta Edição

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Coluna Radar

IRELGOV apresenta modelos de referência em relações governamentais para secretaria ligada ao Ministério do Planejamento e Orçamento

Nos dias 28 e 29 de agosto, a presidente do IRELGOV, Patricia Nepomuceno, e a diretora-executiva, Lara Gurgel, realizaram reuniões de apresentação do IRELGOV e de seus modelos de referência em relações governamentais para membros da Secretaria Executiva e Secretaria de Assuntos Internacionais e Desenvolvimento (SEAID) do Ministério do Planejamento e Orçamento.

IRELGOV acompanha lançamento da Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória

No dia 21 de agosto, a diretora-executiva do IRELGOV, Lara Gurgel, acompanhou lançamento da Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória, instituída pelo decreto nº 12.150 de 2024 como parte do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação.

A nova Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória tem como objetivo estabelecer e disseminar boas práticas regulatórias com foco no cidadão, promovendo a evolução contínua do processo regulatório, aprimorando o ambiente de negócios e garantindo os interesses da sociedade.

Como porta-vozes e articuladores dos interesses privados, os profissionais de relações governamentais desempenham um papel crucial na implementação dessas boas práticas regulatórias no Brasil”

Lara Gurgel

Diretor regional do IRELGOV no Espírito Santo promove encontro de relacionamento

No início de setembro, o diretor regional do IRELGOV no Espírito Santo, Luciano Gollner, promoveu um encontro de relacionamento com profissionais de relações governamentais na região e apresentou o papel do think tank, a agenda prevista para o decorrer do ano e os benefícios da associação ao Instituto.

Muitas discussões propositivas foram postas à mesa com temas de interesse do setor de RIG e de temas importantes ligados ao estado do Espírito Santo. O encontro foi uma oportunidade única para consolidação de conexões valiosas entre os participantes.

Happy Hours reúnem associados em São Paulo e no Rio

No dia 22 de agosto, o IRELGOV promoveu, em São Paulo, mais uma edição do tradicional Happy Hour, quando associados e convidados puderam trocar experiências e conversar sobre as últimas novidades e atualizações em suas carreiras. Já no dia 17 de outubro, o encontro foi no Rio de Janeiro.

Fique atento às redes sociais do IRELGOV e confira as datas dos próximos eventos!

Happy Hour em São Paulo - Agosto de 2024
Happy Hour no Rio de Janeiro - Outubro de 2024

POR DENTRO DO IRELGOV

Protagonismo dos lobistas por maior transparência

Por Lara Gurgel, diretora-executiva do IRELGOV

É quase inevitável associar compliance, ética e transparência no lobby à regulamentação da atividade. No Brasil e em diversas partes do mundo, testemunhamos um ciclo vicioso: esses temas ganham destaque sempre que um novo escândalo de corrupção envolve atores do setor público e privado.

As consequências são bem conhecidas: após cada escândalo, o termo “lobista” volta a ser usado de forma pejorativa, associado a práticas ilícitas. A sociedade se mobiliza, exigindo mais transparência e regras mais rigorosas, enquanto o governo retoma as discussões sobre a regulamentação do lobby. Esse ciclo se repete há mais de uma década no Brasil e nós, profissionais de relações governamentais e institucionais — ou lobistas, para os mais ousados — pagamos um alto preço reputacional pelas ações de uma minoria cada vez menos representativa em nossa profissão.

Há dez anos, o IRELGOV nasceu do desejo coletivo de promover maior transparência sobre a prática de stakeholder, profissionalizando aqueles que atuam nessa área e valorizando a reputação da atividade. Desde então, temos trabalhado incansavelmente para disseminar informações e estabelecer padrões éticos.

No entanto, em paralelo a esses esforços, os avanços em termos de regulamentação têm sido limitados. Apesar da crescente disposição e interesse da comunidade de lobistas em participar dessas discussões, as mudanças necessárias ainda não ocorreram. Em que pese a responsabilidade do governo e legisladores de estabelecer padrões claros de conduta para os funcionários públicos que são alvo de lobby, parece que não conseguimos romper o ciclo de danos reputacionais gerados pelos escândalos de corrupção, que vão muito além da própria atividade.

Para que essa narrativa mude, nós, lobistas, precisamos unir forças para destacar o papel legítimo e positivo que o lobby pode desempenhar na formulação de políticas públicas. É essencial que reforcemos nossa atuação ética e responsável, promovendo um diálogo construtivo entre o setor privado e o público. No entanto, não podemos nos contentar apenas em “parecer” éticos; é fundamental que façamos investimentos significativos para que o governo e a sociedade nos percebam dessa forma. Somente assim poderemos transformar a imagem da nossa profissão e demonstrar sua relevância para a democracia.

Como destacado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em seus “10 Princípios para a Transparência e Integridade no Lobby”: “Os lobistas devem cumprir padrões de profissionalismo e transparência; eles compartilham a responsabilidade de promover uma cultura de transparência e integridade no lobby.”

Outros países com regulamentações robustas em relação ao lobby já demonstraram que os lobistas podem ser protagonistas nos processos de transparência, provando ser possível “abrir” dados sem comprometer as estratégias das empresas e de seus clientes. Não está na hora de nós, lobistas, assumirmos a liderança desse processo no Brasil? Além de corresponsáveis, conforme definição da OCDE, somos os principais impactados pela possível regulamentação e falta de transparência e governança na prática de nossa atividade.

É fundamental mostrar como, individualmente, nossas empresas e consultorias podem ser mais transparentes em relação às suas interações com o governo. Essa abordagem não apenas fortalecerá nossa credibilidade, mas também contribuirá para o fim de ciclos danosos à reputação dos lobistas, fomentando a construção de uma cultura de responsabilidade e integridade no setor.

Tecnologia, transparência e ética nas relações governamentais

Softwares de monitoramento, aplicativos de gestão de relacionamento, Inteligência Artificial: não há dúvidas de que essas ferramentas, proporcionadas pelos recentes avanços tecnológicos, facilitam a vida dos profissionais de relações governamentais – e que vieram para ficar. Se por um lado oferecem mais precisão e melhoram a apoiam a construção de argumentação técnica, por outro exigem regulamentação e respeito a princípios éticos. As relações com os poderes executivo, legislativo e as agências reguladoras deveriam ser sempre pautadas pela integridade e transparência, deixando claro que o objetivo é contribuir com o processo de construção de políticas públicas, visando o bem da sociedade. 

A cada dia que passa, as tecnologias assumem maior importância no cotidiano das relações institucionais. O relgov de relacionamento, típico do século passado, vai se tornando obsoleto. “Aquele relgov de cafezinho, unicamente baseado nas relações pessoais, ainda existe, mas está rapidamente sendo substituído por argumentação técnica. E é aqui que entra o relgov jurídico, apoiado em dados”, explica o advogado José Augusto Castro, sócio no escritório TozziniFreire. “Quanto mais bem fundamentada for a justificativa apresentada pelo formulador da política pública, mais fácil será para ele defendê-la perante o público, a imprensa e o eleitorado. Ele precisa de elementos técnicos e é aí que escritórios de advocacia e consultorias entram no processo”.

Gabriel Quiliconi, advogado e consultor especializado em relações institucionais, governamentais e assuntos regulatórios e fundador da Quiliconi Consulting, concorda com a relevância das tecnologias de ponta, mas ressalta que é preciso combiná-las com estratégias robustas, adaptadas ao público-alvo. Segundo ele, se o interlocutor for do Poder Executivo, agilidade e adaptabilidade são fundamentais – a aplicação de análise preditiva e de dados de big data permite identificar tendências emergentes nas prioridades governamentais. “No campo Legislativo, a sofisticação na coleta e interpretação de dados, junto a uma narrativa fundamentada, ajuda a influenciar decisões. Já nas agências reguladoras o enfoque está na precisão técnica e no diálogo contínuo. Apresentar análises meticulosas e bem embasadas é essencial para moldar regulamentações complexas”.

Mas para isso funcionar é necessário fazer um mapeamento preciso dos stakeholders. É o que defende Luiz Carlos Tavares, advogado e mestre em ciência política. “Para dar certo, o relacionamento com esses atores tem que ter uma história prévia. É fundamental mapeá-los e tentar estabelecer um relacionamento de qualidade, mantendo um engajamento constante. Isso aumentará as chances de um resultado positivo quando for necessário convencê-los”.

Importante também é conhecer necessidades e objetivos desses stakeholders. Entender, por exemplo, qual caminho o governo quer trilhar e como melhorar sua atuação, se tornando um parceiro prioritário, melhorando a qualidade do debate.

“Temos que ter essa leitura e buscar a convergência”, comenta Romero Jucá, consultor-chefe da Blue Solution. “As relações entre sociedade e segmentos organizados são de fundamental importância para melhorar a qualidade da ação pública. Já fui governador, ministro, senador……e sempre estive aberto ao diálogo com os setores organizados da sociedade. Um parlamentar não tem obrigação de saber tudo, mas sim de ouvir e ter discernimento para debater os temas de interesse. Por isso as consultorias são importantes”.

José Augusto Castro ressalta que é importante analisar a argumentação a ser utilizada junto aos stakeholders. “Como advogado que trabalha com relgov em um escritório de advocacia, meu trabalho passa por elaborar justificativas jurídicas do ponto de vista técnico”, explica.

Uma das dificuldades encontradas é o timing, especialmente no Legislativo, onde a agenda apertada pode atrasar o andamento de projetos. Segundo Quiliconi, em 2023 a reforma tributária monopolizou tanto a agenda que outras legislações, como o Marco Regulatório das Apostas Esportivas, foram adiadas, exigindo uma reordenação das prioridades pelos atores envolvidos. “Já nas agências reguladoras, a resistência à mudança é um obstáculo comum. A regulamentação dos produtos de cannabis medicinal pela Anvisa, que só avançou após significativa pressão de diversos setores, exemplifica bem essa dificuldade”.

Para Henrique Abreu, diretor-executivo da Nação Consultoria, no âmbito do Poder Executivo o problema é a necessidade de coordenação entre diferentes níveis de governo e a construção de consenso em um ambiente político frequentemente polarizado e fragmentado. “Já no Legislativo, uma das principais dificuldades é a necessidade de conciliar diversos interesses e demandas de diferentes grupos políticos e sociais. Os legisladores devem equilibrar as expectativas de seus eleitores com as demandas de setores e as alianças políticas, o que pode complicar a elaboração e aprovação de leis. Para o Judiciário e as agências reguladoras, o principal obstáculo reside na construção de estratégias de atuação observando a necessária atenção quanto à independência e imparcialidade em um ambiente político e econômico complexo. A atuação em relgov no âmbito destas instituições precisa primar pela adoção de iniciativas de boas práticas e pela manutenção da confiança pública”.

E a crescente polarização política só dificulta o cenário. Romero Jucá considera que vivemos um momento em que o debate ficou menos técnico, com a presença na mídia se impondo sobre a troca de ideias. “A narrativa do zap prevalece sobre as discussões estratégicas. A política anterior era mais baseada na qualidade dos debates. Hoje, vence quem conseguir encaixar uma narrativa. É a lacração das redes sociais que prejudica a discussão. Por isso é tão importante combater o radicalismo”.

Por outro lado, “as redes sociais e a mudança da esfera pública de debate também podem colaborar para debates mais plurais, com diferentes canais para contraposição de narrativas e análise dos fatos. Nesse sentido, prezar pela argumentação transparente e verificável é fundamental para o fortalecimento da reputação e fortalecimento do debate público”, argumenta Thomaz D’Addio, diretor da Ágora Comunicação Estratégica e Public Affairs.

Segundo Quiliconi, para contornar a volatilidade e a complexidade do ambiente regulatório, é essencial que as organizações incorporem uma cultura de inovação contínua. Isso inclui a adoção e integração de novas tecnologias internamente, como softwares de monitoramento regulatório que permitem ajustar estratégias à medida que novas regulamentações são propostas. “Além disso, a criação de fóruns permanentes de diálogo entre governo e setor privado, promovidos por associações de classe ou consórcios empresariais, pode evitar crises antes mesmo de se consolidarem”.

Henrique Abreu, diretor-executivo da Nação Consultoria, acredita que é necessário aperfeiçoar canais de comunicação e incrementar a transparência. “É importante criar plataformas mais acessíveis para a divulgação de informações e a promoção de diálogos abertos com a sociedade civil, o que pode aumentar a confiança pública e facilitar a colaboração entre diferentes setores para a adesão a pautas de interesse”.

Entre as principais tecnologias utilizadas, a Inteligência Artificial aparece como um dos principais game changers dos últimos anos. Gabriel Quiliconi acredita que ela tem o potencial de revolucionar o cenário das relações governamentais, especialmente por meio da análise preditiva, pois modelos de IA podem identificar padrões em discursos parlamentares e ajudar a prever mudanças de opinião ou tendências, permitindo que as estratégias sejam ajustadas de forma ágil e precisa. Além disso, pode automatizar o mapeamento de stakeholders, tornando-o mais preciso e dinâmico, e personalizar mensagens conforme o perfil dos interlocutores, aumentando a eficácia da comunicação. “Entretanto, é crucial que o uso da IA seja regido por princípios éticos sólidos. Isso inclui garantir a transparência dos algoritmos utilizados, evitar vieses que possam distorcer análises ou decisões, e respeitar a privacidade dos dados envolvidos. A adoção responsável da IA melhora a eficácia das estratégias de relações governamentais, ao mesmo tempo em que preserva a integridade das instituições e a confiança pública”, diz.

O diretor-executivo da Nação Consultoria concorda que a IA pode ser uma poderosa aliada nas relações governamentais ao automatizar e otimizar processos de monitoramento e análise de dados. Segundo ele, a IA permite realizar análises de grandes volumes de informações provenientes de fontes diversas, como mídias sociais, notícias, documentos legislativos e regulatórios. “Ferramentas de IA podem, por exemplo, realizar análises de sentimento em discursos políticos ou em debates públicos, ajudando a entender a percepção pública sobre determinados temas”, explica. “Plataformas de CRM (Customer Relationship Management) integradas com IA podem automatizar a personalização de comunicações, identificar oportunidades de engajamento e priorizar contatos com base em análises preditivas. Isso facilita a construção de relacionamentos mais estratégicos e informados com atores governamentais e regulatórios. No entanto, apesar dos avanços tecnológicos e da disponibilização de informações de maneira cada vez mais automatizada, relacionamento e articulações presenciais ainda são importantes, pois dificilmente poderão ser substituídos integralmente por processos digitais”.

E o futuro? Henrique Abreu, diretor-executivo da Nação Consultoria, afirma que a utilização da IA em relações governamentais deverá se intensificar, impulsionada pela crescente digitalização e pela necessidade de respostas rápidas e precisas em um ambiente político dinâmico. A IA poderá transformar a forma como os governos interagem com os cidadãos e outras partes interessadas, ao facilitar a comunicação personalizada e o engajamento direto, promovendo maior transparência e eficiência nos processos governamentais. “A automação de tarefas burocráticas e a melhoria na gestão de dados também permitirão que os governos se concentrem em questões mais estratégicas e de alto impacto. No entanto, esse avanço trará desafios relacionados à privacidade, segurança de dados e ética no uso da IA exigindo um equilíbrio cuidadoso entre inovação e a proteção dos direitos dos cidadãos, com estrita observância de normas reguladoras aplicáveis, de instruções normativas, passando pela LGPD até a primazia da Constituição Federal”.

Quiliconi considera que, nos próximos cinco anos, a digitalização das relações governamentais deverá se intensificar, com reuniões virtuais e consultas públicas online tornando-se a norma. A IA cumprirá um papel central nesse processo, permitindo análises mais rápidas e precisas das tendências políticas e sociais. “A influência das questões ESG nas regulamentações também deverá crescer, exigindo que as empresas se alinhem a esses princípios para manterem sua relevância. Por fim, a fragmentação política e a polarização continuarão sendo desafios, exigindo ainda mais competência na construção de consensos e na navegação por um ambiente regulatório cada vez mais complexo e dinâmico”.

Luiz Carlos Tavares acha que o uso de big data e IA na estruturação e na gestão das relações governamentais, na identificação de tendências e automatização das interações será crescente. “Em alguns países legislações inteiras foram criadas a partir da inteligência artificial. Não há dúvidas de que essas tecnologias permitem entregas de melhor qualidade. O profissional de relgov que não estiver preparado para usar esse ferramental de inteligência vai ficar para trás. Por outro lado, as empresas também terão que ser cada vez mais transparentes com suas comunicações com os stakeholders, pois o ambiente será cada vez mais digital e interconectado. Aposto em uma tendência a uma abordagem mais colaborativa do ponto de vista das políticas públicas, com as empresas fazendo engajamento não só com os governos, mas também com as associações do terceiro setor e até mesmo diretamente com as comunidades”.

“Nos tempos atuais, pensar em cinco anos para a frente é uma eternidade”, avalia Jucá. “Tudo pode acontecer, um novo vírus pode surgir…não tenho dúvidas de que a Inteligência Artificial será um instrumento preponderante nas tratativas de acompanhamento e análise de dados. Mas isso não prescinde do talento humano de confiabilidade, de busca de convergência. Afinal, a IA não tem capacidade de entendimento político. É um instrumento importante, mas não poderá substituir a humanidade”.

Andrea Macera

Entrevista com Andréa Macera, secretária de Competitividade e Política Regulatória do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços

1 – Como tem funcionado o PRO-REG?

A iniciativa de retomada do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG), que teve sua primeira fase em 2007, veio no bojo da reestruturação do Governo Federal, o qual, pela primeira vez, previu a criação de um órgão responsável pela coordenação, supervisão e execução de ações operacionais e orientativas relativas à implementação das boas práticas regulatórias no Poder Executivo federal. Trata-se da Secretaria de Competitividade e Política regulatória do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (SCPR/MDIC).

Uma diferença importante em relação à primeira fase do PRO-REG diz respeito ao escopo de atuação. A primeira fase do Programa teve como público-alvo as agências reguladoras. Nessa segunda fase, o PRO-REG amplia sua atuação para órgãos da administração direta. Atualmente, estão mapeados mais de 230 órgãos reguladores no Governo Federal, com diferentes níveis de maturidade regulatória.

2 – De que forma o programa atua no aperfeiçoamento do ambiente regulatório brasileiro por meio da adoção de boas práticas?

A Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória, também chamada “Regula Melhor”, tem por finalidade estabelecer e difundir boas práticas regulatórias, com foco no cidadão, promovendo a evolução contínua do processo regulatório de forma a assegurar os interesses da sociedade e aprimorar o ambiente de negócios.

Ela estabelece diretrizes e objetivos a serem atingidos no prazo de dez anos, com vistas a obter um ambiente regulatório mais seguro, previsível e confiável. Para cada objetivo específico, há uma macroação relacionada e suas respectivas realizações. O Comitê Gestor do PRO-REG é a unidade responsável por definir as ações operacionais e por coordenar, monitorar e avaliar as atividades de implementação dessa Estratégia.

3 – Em que estágio se encontra o ambiente regulatório no Brasil? É possível comparar com outros países?

Nos últimos anos, o Brasil tem avançado na agenda de reforma regulatória. Em 2019, foi aprovada a Lei Geral das Agências (LGA) que estabeleceu regras de governança, disciplinando a gestão e os processos decisórios de 11 agências reguladoras federais. Esses órgãos passaram a ter a obrigação de elaborar periodicamente agendas regulatórias, planos de gestão e planos estratégicos, aprimorando a qualidade e acessibilidade de suas ferramentas de planejamento. Mecanismos de participação social, como consultas e audiências públicas, receberam uma disciplina única, com prazos e obrigações de transparência previstos em lei.

Consultas públicas, em particular, passaram a ser obrigatórias previamente à edição de todos os atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos ou usuários de serviços. Análises de Impacto Regulatório (AIRs) também passaram a ser obrigatórias nesses casos. Ainda em 2019, a Lei de Liberdade Econômica estendeu a obrigação de realizar AIRs para toda a Administração Pública Federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas.

Para além da modernização de leis e regulamentos, o avanço da política de reforma regulatória também implica uma mudança cultural e institucional. Nesse mesmo contexto, já em 1º de janeiro de 2023, surgiu dentro da composição do MDIC a Secretaria de Competitividade e Política Regulatória (SCPR), cujas atribuições incluem a promoção, coordenação, supervisão e execução de ações voltadas à implementação das boas práticas regulatórias em nível federal; a proposição de medidas de melhoria regulatória e do ambiente de negócios brasileiro; e a elaboração, monitoramento de iniciativas relacionadas à política regulatória nacional.

4 – Quais os objetivos do PRO-REG como política pública? Como envolver o setor privado nesse debate?

O PRO-REG tem por finalidade apoiar a implementação de boas práticas regulatórias e aprimorar a coordenação do processo regulatório na administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Atuar na melhoria regulatória significa não apenas rever normas ou marcos regulatórios, mas também aperfeiçoar mecanismos de elaboração da regulação, ou seja, atuar no processo regulatório. E isso inclui o fortalecimento institucional dos reguladores e a utilização das ferramentas adequadas por meio das quais a regulação é elaborada, implementada e revisada.

Recentemente, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou uma sondagem sobre a percepção do custo regulatório. Esse custo foi estimado em R$ 243 bilhões e inclui, entre outros, o excesso de normas, a dificuldade de encontrar uma norma, a ausência de um portal único da regulação e sobreposições ou conflitos de normas. Os resultados dessa sondagem foram importantes para a definição de algumas ações do Programa.

5 – Quais são os objetivos da nova Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória? Como se dará a participação do setor privado no processo de discussão do ambiente regulatório nacional?

A Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória visa definir prioridades claras, coordenar esforços entre os entes públicos e privados, alocar de forma eficiente os recursos, responder a desafios e oportunidades, proporcionar mais estabilidade e previsibilidade, incrementar o engajamento, a confiança e a transparência na política regulatória e fomentar a colaboração, a melhoria contínua e o aprendizado. São sete os objetivos específicos, em torno dos quais serão executadas as ações: i) comunicar e engajar os atores; ii) estimular o uso e compartilhamento do conhecimento; iii) incentivar a cooperação internacional e em diferentes níveis de governo; iv) desenvolver capacidades institucionais; v) promover a redução do estoque regulatória e a simplificação; vi) ampliar a transparência e a participação social; vi) atuar de forma coordenada para promover a coerência regulatória.

Conforme já dito, o setor privado participou de todas as etapas da construção dessa estratégia e seguirá atuando de forma colaborativa, sobretudo com ações que permitam ampliar sua participação em processos regulatórios

Por uma regulamentação legítima e eficaz

Em países como o Brasil, que ainda não alcançaram a maturidade institucional, e onde público e privado às vezes se confundem, a aplicação de conceitos como transparência e integridade é, muitas vezes, fluida. A regulamentação de atividades como a de relações institucionais e governamentais (ou lobby) torna-se, para muitos, necessária, desde que as regras sejam legítimas, passíveis de serem cumpridas e fiscalizadas. Desta forma, deixa de ser um empecilho, uma burocracia, e passa a ser, além de um instrumento de proteção, uma ferramenta de desenvolvimento do processo.

Para construir um ambiente favorável ao desenrolar das relações governamentais, o primeiro passo consiste em definir conceitos como transparência, integridade e compliance. De acordo com Ágatha Camargo Paraventi, professora da Faculdade Cásper Líbero, transparência indica intenção e prática de entregar à sociedade informações sobre formas de atuação de uma organização que permitam a avaliação das ações desta. “Em relações governamentais, a transparência está voltada a permitir que os diversos públicos compreendam os objetivos, as iniciativas e a forma como essas relações são construídas. Já integridade está relacionado à prática da ética, aos comportamentos das pessoas e das organizações e o compliance ao controle de riscos legais e regulatórios. Todos esses conceitos estão dentro de um sistema de governança que tem o objetivo de proteger o valor de longo prazo das organizações, associado à mitigação de riscos que envolvem as relações da organização com as diversas partes interessadas. Isso inclui também equidade, sustentabilidade e accountability”.

Paula Chies Schommer, professora de administração pública da Universidade do Estado de Santa Catarina, acredita que a transparência de uma organização pode ser definida por sua capacidade de revelar, publicamente, os fatos associados a seu desempenho, acertos e erros. “Espera-se que qualquer agente público ou organização pública seja transparente em relação a dados, fatos e critérios de decisão. Cabe também responder a qualquer pergunta e demanda por informação do público”, explica. “Quanto à integridade e compliance, às vezes são usados no setor público como sinônimos, em outras compliance é considerado um componente da integridade. Ambos os conceitos remetem à expectativa de que as decisões e ações de agentes públicos e privados sejam pautadas pela ética, pela responsabilidade no cumprimento de normativas legais que se aplicam a cada tipo de atividade. Já a ideia de accountability pode ser entendida como um sistema de respostas a expectativas, de controle sobre o exercício do poder e como mecanismo de responsabilização por atos e omissões”.

Na última década, com a edição da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) e, agora, com a Nova Lei de Licitações (Lei n. 14.133/21), a cobrança chegou às instituições privadas que se relacionam com o poder público. Segundo Edmar Camata, presidente do Conaci (Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios das Capitais), os Programas de Integridade passam a ser valorizados, seja para a redução de penalidades da Lei Anticorrupção, seja para grandes contratações com o poder público. “Nesse novo cenário, a punição por comportamentos não íntegros chega às empresas, com penas pesadas, que podem chegar a 20% do faturamento anual. Outro ponto relevante é a responsabilidade objetiva e a autoaplicação das penalidades pela própria administração. Isso requer de qualquer entidade privada que se relacione com o poder público um investimento necessário em integridade das culturas corporativas. O tom deve vir do topo, da alta gestão. E é necessário que, muito além de serem comunicados, os colaboradores assumam uma nova cultura”.

Guilherme France, advogado e pesquisador de direitos humanos e anticorrupção, especialista em organizações e normas internacionais e gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional, ressalta que os conceitos devem considerar os riscos específicos das atividades envolvidas. “Historicamente ficou claro que as atividades de lobby e relgov estão sujeitas a riscos de corrupção, como o pagamento de propina e outras vantagens indevidas que podem ser concedidas a agentes públicos, além de conflitos de interesse. Por isso, se tornam necessárias medidas de transparência e integridade, justamente para diminuir esses riscos. Quando falamos de transparência estamos tratando de entender quais relações e interesses estão sendo fornecidos pelo poder público. Integridade e adoção de medidas adequadas reduziriam esses riscos de corrupção e permitiriam que as atividades estivessem alinhadas ao máximo aos princípios da organização”.

Embora haja semelhanças quanto aos meios no setor privado e no setor público e normativas que se aplicam a ambos, há diferenças sobretudo em relação aos públicos envolvidos. “No setor público, é esperado que todas as pessoas interessadas ou afetadas pelas organizações públicas participem, de modo direto ou via representantes, da definição de propósitos, valores, regras e procedimentos a guiar a ação dos agentes públicos. Os canais e processos para fazê-lo, portanto, são mais amplos e mais abertos”, pontua Paula Schommer. “Esse envolvimento das partes interessadas também pode acontecer no setor privado. No entanto, na área pública, além de reduzir riscos e melhorar desempenho, o envolvimento dos públicos interessados e usuários é necessário para que seu poder e recursos sejam usados de maneira legítima”.

Carlos Petiz, gerente de Integridade e Compliance na Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina, coordenador do Fórum de Integridade das Empresas Estatais de Santa Catarina e auditor-líder em Sistemas de Gestão de Compliance (ISO 37.301) e Antissuborno (ISO 37.001) destaca que, no caso do conceito de integridade, existe uma diferença fundamental. “Na esfera pública refere-se ao alinhamento e à adesão a normas, valores e princípios éticos compartilhados para defender e priorizar o interesse público sobre os interesses privados, para utilizarmos a definição da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), que coloca a integridade como um dos princípios da governança corporativa, traz um conceito muito mais preocupado com a conexão entre discurso e ação, e o cuidado da organização com suas partes interessadas, com a sociedade em geral e com o meio ambiente. Isso acaba se refletindo nos demais conceitos, de transparência e compliance, pois o foco de qualquer ação no setor público deve ter, como prioridade, o interesse público”.

Camata realça que as diferenças existem na aplicação dos conceitos, em especial quando, na área pública, se encontram exigências específicas em virtude dos princípios constitucionais e do regime administrativo público. “De toda forma, estamos falando dos mesmos conceitos, que se aproximaram consideravelmente nos últimos anos, em especial por um maior conhecimento, na administração pública, sobre questões como compliance, frequentemente relacionadas à prestação de contas ao público e ao cumprimento de normas que garantem a integridade do governo. Já no setor privado, muitas vezes é focado em aderir a regulamentos específicos do mercado em que a empresa atua, assim como evitar práticas anticompetitivas e assegurar que as empresas operem dentro da lei. A transparência pode ser mais limitada, dependendo das exigências regulatórias e dos interesses comerciais”.

Os conceitos aplicados no Brasil são similares aos utilizados no exterior – o distanciamento está na raiz cultural de cada sociedade. “Não existem tantas diferenças, até porque o compliance, como o próprio nome deixa claro, foi um conceito trazido de fora. O que existe são diferenças culturais muito expressivas entre diversos países. Alguns exemplos são bem conhecidos, como quem viaja para a Europa e fica surpreso de que não há uma fiscalização rígida se você comprou ou não o ticket do transporte público. Para eles é uma questão cultural, afinal, quem se sujeitaria a quebrar sua integridade e prejudicar uma coletividade por um valor tão ínfimo? É o reflexo de uma construção cultural que levou gerações”, comenta Carlos Petiz.

O presidente do Conaci afirma que transparência e compliance no setor público têm avançado em nosso país, especialmente após a promulgação da Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei Anticorrupção, mas considera que desafios como a corrupção ainda persistem. “Em geral, o Brasil tem caminhado rumo a padrões de integridade e exigências na área pública a partir de grandes escândalos ou a partir de exigências de organismos internacionais, a exemplo da OCDE. Nesse sentido, a própria Lei Anticorrupção e a Lei de Acesso à Informação tiveram inspiração externa. Em países como a Suécia, a transparência governamental é muitas vezes mais robusta devido a uma cultura de prestação de contas mais enraizada e a um sistema de controle interno mais eficiente. A maturidade do eleitor e o que ele exige daqueles que gerenciam recursos públicos também é consideravelmente mais elevada”.

Para Guilherme France, países onde existe regulamentação do lobby, como os integrantes da União Europeia, Estados Unidos e Chile exibem um nível maior de transparência. “Não tenho dúvidas de que a regulamentação é importante”, salienta. “A autorregulamentação não tem avançado de forma adequada e me parece que é necessária uma regulação estatal. Existe um certo conservadorismo ou até receio por parte das empresas de que regras dificultarão o livre desempenho de suas atividades. Até existem preocupações legítimas em relação a esse processo quanto a uma possível burocratização, principalmente entre empresas pequenas. No entanto, grandes empresas talvez tenham dúvidas sobre permitir que a sociedade conheça os meandros da representação”.

Carlos Petiz considera que o principal erro é ver o compliance como um empecilho, uma burocracia, quando, na verdade, busca proteger tanto a empresa quanto seus profissionais. “Quando o compliance estabelece uma política de relacionamento com determinados stakeholders, como o oferecimento de brindes, o objetivo principal é a prevenção. Um bom compliance officer terá capacidade de entender a demanda do setor de relgov e orientá-lo de forma que possa atuar e cumprir seus objetivos estratégicos, mas sem prejudicar a empresa”.

Para Ágatha Paraventi, os maiores desafios na atividade de relações governamentais não estão na ausência de instrumentos legais. “É claro que a regulamentação da atividade, em ampla discussão há anos em nosso país, trará muitos ganhos de transparência. As principais dificuldades estão relacionadas à aplicação dos princípios de integridade nas interações público e privada e na representação de interesses. Os conflitos surgem e vão além das políticas de relações institucionais, de registrar, guardar evidências e dar transparência às atividades de representação. Envolvem diversas formas de contato e interação entre agentes públicos e privados. É o caso de organizações com grande influência e poder econômico em uma região que, na aplicação de responsabilidade corporativa na comunidade, colaboram para solucionar serviços públicos insuficientes e acabam tendo privilégios concedidos pelo poder público”.

Edmar Camata concorda. Segundo ele, mesmo com legislações avançadas, a falta de aplicação eficaz e o enfraquecimento das instituições de controle podem comprometer a integridade. “No Brasil, começamos há pouco a discussão sobre a efetividade dos Programas de Integridade, algo que já era debatido em países como os Estados Unidos na década de 1990. Claro que escândalos de corrupção que envolvem altos cargos públicos, onde a transparência foi comprometida e os mecanismos de controle falharam, ainda são comuns, mas isso também ocorre no privado. O caso das Americanas deixou claro que, quando o assunto é controle, a zona de conforto não deve ser uma opção. É importante, portanto, que a cultura organizacional apoie e priorize práticas de transparência e integridade, não minimizando a importância de investigações internas ou auditorias”.

A professora de administração pública da Universidade do Estado de Santa Catarina diz que o importante é buscar o contínuo aperfeiçoamento da transparência e da integridade do compliance. “Não basta desenhar uma regra ou um programa em certo momento e seguir fazendo o mesmo para sempre. Cabe aprender com erros e acertos, testar novos métodos e tecnologia, incorporar as aprendizagens e dar continuidade aos esforços para melhorar o desempenho e atender às necessidades dos diferentes públicos, sobretudo os que mais precisam do serviço público. Ser eficiente e demonstrar que cumpre as regras vigentes não é suficiente. É necessário, também, aprimorar essas regras e o desempenho, de modo que ajudem a melhorar as condições de vida das pessoas que trabalham na organização pública, usam seus serviços ou com ela se relacionam”.

Uma melhora do cenário passaria por um aumento do controle, por meio de regras mais rigorosas, ou pela disseminação dos conceitos de transparência e integridade? “Uma legislação mais rigorosa pode fornecer uma base sólida para práticas de compliance, mas deve ser acompanhada por mecanismos eficazes de fiscalização. Em alguns setores, a autorregulação pode ser eficaz, especialmente se for apoiada por uma cultura forte de ética e integridade. No entanto, pode não ser suficiente em contextos em que há baixa confiança ou histórico de má conduta”, diz Edmar Camata. “Fortalecer as instituições de controle interno, como tribunais de contas e corregedorias, é essencial, assim como promover a educação contínua sobre a importância de práticas éticas e de compliance para servidores públicos e profissionais do setor privado”.

Já Carlos Petiz não entende que a resposta esteja só na regulamentação. Para ele, a experiência de outros países mostra que o excesso de regras ou exigências, como cadastros ou relatórios, acaba afastando os profissionais da regulação, mas não da atividade. “E no Brasil não seria diferente, provavelmente até pior, devido à nossa tendência para a informalidade. Por outro lado, nosso país ainda não tem maturidade institucional para deixar tudo a cargo da autorregulação. Nesse caso, creio que os bons profissionais acabariam pagando pelos erros dos mal-intencionados”.

O caminho, acredita Petiz, está na disseminação do conceito de integridade. A transformação pela mudança de cultura é a única que se prova efetiva no longo prazo. “No mundo ideal, não seria necessário haver controles. Mas, lidando com a realidade das estruturas sociais – empresas, governos, entidades associativas – é preciso propor controles que sejam assertivos. É comum pensarmos que isso é impossível, que nosso “jeitinho” não tem cura, mas existem exemplos bem-sucedidos. Todos lembramos que antigamente era permitido e socialmente aceito fumar em locais fechados, o que hoje é uma coisa impensável. Trata-se de um exemplo simples de uma mudança cultural que se efetivou em menos de uma geração”.

Paula Schommer também aposta em difundir e aprimorar conceitos e práticas de transparência e integridade, estimular e capacitar agentes públicos e cidadãos para demandá-las, construí-las colaborativamente e envolver pessoas e conhecimentos diversos para que as questões de compliance, por exemplo, não sejam algo muito técnico, restritas a profissionais de áreas como direito e contabilidade. “Quanto a intensificar controle, é preciso cuidado. Não cabe aumentar os que partem de pressupostos de desconfiança ou que engessem processos. Os sistemas de controle, sejam eles de caráter político, administrativo, social, judicial, parlamentar ou de desempenho, precisam estar a serviço da democracia e da solução dos problemas públicos. Não são um fim em si. Precisam ser razoáveis e submetidos aos critérios e processos democráticos”, afirma.

Nos últimos anos, os índices de transparência e obediência às regras de compliance vêm dando sinais de melhora. De acordo com Carlos Petiz, há evolução constante. “Pesquisa recente da KPMG aponta que 82% dos respondentes têm programas de ética e compliance implementados de forma eficiente em suas organizações, e somente 3% informaram que não existe área de compliance. Alguns setores, mais regulados, são naturalmente mais afetados pela necessidade de cumprir regras e exigências legais, como o financeiro e de concessões, por exemplo. O fenômeno da operação Lava-Jato impulsionou o tema no Brasil, com um empurrão mais recente a partir do crescimento da preocupação das empresas com o ESG, que está muito próximo do compliance, pois os riscos reputacionais passaram a ser vistos também como riscos de mercado”.

O presidente do Conaci enfatiza que, nos últimos anos, os índices de transparência e conformidade com regras de compliance têm mostrado crescimento, especialmente com a adoção de novas tecnologias e a pressão social por mais transparência. “No entanto, esses avanços podem variar bastante entre diferentes órgãos e regiões. Iniciativas como o Portal da Transparência no Brasil têm contribuído para avanços, mas ainda há desafios significativos, principalmente em áreas mais vulneráveis à corrupção”.

Paraventi acentua que uma grande contribuição foi a lei 12.846/2013, que reduziu, pelas penalidades, o apetite ao risco de uma organização para praticar corrupção. “Os estudos de acompanhamento da maturidade dos programas de compliance em nosso país, nos últimos 10 anos, são impressionantes. Das organizações de grande porte, pelo menos 85% têm a função de compliance estruturada. Mas o caminho tem sido o de discussão e promoção de conhecimento sobre como surgem e como os conflitos de interesse afetam os objetivos das organizações, dos seus diversos públicos e da sociedade como um todo. A pressão contra a corrupção só acontece quando ela deixa de ser normalizada socialmente, quando as pessoas avaliam que as consequências não justificam os benefícios de curto prazo e passam a considerar a conduta intolerável”. Ela acredita que o país tem um desafio cultural, exemplificado pela convenção social de reciprocidade e troca, por meio da qual tendemos a retribuir cooperações, mesmo que com papéis e deveres em conflito com essa ação. “Essa reciprocidade está presente nas interações do dia a dia e nas grandes negociações, é um fenômeno relacional relevante a ser estudado em um país que cultua a “cultura da amizade”, na qual, como diz o ditado popular, de autoria desconhecida, “para amigos tudo, para inimigos, a lei”.

Guilherme France constata que há uma redução da aplicação da lei em função de irregularidades, o que pode estar produzindo um sinal de que se tornou menos custoso não cumprir a regulamentação. “Sem dúvida, boa parte das pesquisas realizadas por diversos organismos dão conta de que o Brasil se encontra em posição desvantajosa quando comparado com outros países da América Latina”. Ele afirma que é preciso avançar na conscientização da sociedade de que a maioria das empresas utiliza argumentos legítimos nas discussões que envolvem defesa de interesses. “Tenho a impressão de que ainda há receio por parte das empresas de assumir esses interesses e que as pessoas ainda os veem como obscuros. Por isso, a importância de que sejam apresentados com argumentos embasados cientificamente e defendidos de forma pública. A sociedade precisa entender esse processo como legítimo e importante para o processo democrático”.

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A relação entre assessoramento parlamentar, governança e conformidade no processo político

Por Thais Cardoso, assessora parlamentar do Mandato Aba Reta, especialista em Gestão de Instituições Pública e coordenadora de Empregabilidade do Coletivo Pretas e Pretos em Relgov e Maiara Oliveira, coordenadora-geral da Assessoria Parlamentar do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, integrante do Coletivo Pretas e Pretos em Relgov

O papel dos assessores parlamentares é frequentemente subestimado na literatura sobre governança e política. No entanto, este ofício tem um impacto significativo na eficácia das políticas públicas, na integridade do processo legislativo e na agenda pública. Entender essa influência é crucial para melhorar as práticas legislativas e promover uma governança mais transparente e responsável na formulação e implementação de políticas públicas.

O assessoramento parlamentar é essencial para o funcionamento eficiente do processo legislativo, fornecendo suporte técnico e estratégico aos parlamentares. A governança e a conformidade são de suma importância para garantir práticas éticas e transparentes na tomada de decisões e na prestação de contas do processo político, assim como na garantia da proteção dos direitos fundamentais, eficácia e integridade do processo legislativo. Eles fornecem suporte técnico, estratégico e político aos parlamentares, ministérios, autarquias e afins, impactando diretamente a governança e a conformidade com normas e regulamentos, bem como auxiliam na melhoria de qualidade das leis.

A pessoa assessora parlamentar, seja no Legislativo, seja no Executivo, ou mesmo no Judiciário, atua enquanto elo entre o parlamentar e a sociedade, garantindo que as demandas da população sejam ouvidas e que as decisões políticas sejam tomadas de forma transparente e em conformidade com o processo legislativo. Complementarmente, envolve a análise de políticas, a formulação de estratégias legislativas e a gestão de relações com stakeholders. A atuação dos assessores pode, portanto, impactar diretamente a qualidade da governança e a conformidade dentro do sistema político.

No contexto parlamentar, a governança envolve a transparência, a prestação de contas e a participação efetiva das partes interessadas. Na busca por uma maior transparência no processo político, os assessores ajudam a garantir que as atividades parlamentares sejam conduzidas de forma transparente, fornecendo informações claras e acessíveis ao público e aos demais stakeholders.

A governança pública é orientada por diretrizes essenciais para sua eficácia e efetividade, sendo elas: capacidade de resposta, integridade, melhoria regulatória, prestação de contas e responsabilidade (accountability) e transparência. Diante de sua complexidade, é imprescindível enfatizar que ela depende da capacidade de implementar políticas públicas que atendam às necessidades da sociedade de maneira transparente e responsável. Com isso, o assessor parlamentar, ao atuar como intermediário entre o parlamentar e a sociedade, contribui para com a promoção de uma governança de qualidade. Ao garantir que as propostas legislativas sejam bem fundamentadas e que as implicações políticas sejam plenamente compreendidas, os assessores contribuem para a formulação de políticas mais eficientes, éticas e justas.

Ao analisar as demandas da população, os assessores auxiliam a identificar problemas e propor soluções legislativas adequadas. Essa capacidade de transformar demandas sociais em ações concretas contribui para a garantia da legitimidade do processo político e fortalecimento da confiança da população nas instituições.

A conformidade no processo político abrange o cumprimento de leis, regulamentos e normas éticas sendo, portanto, um aspecto central para a integridade do processo legislativo. No primeiro aspecto, os assessores revisam projetos de lei e outras iniciativas para garantir que estejam em conformidade com a legislação vigente e com os padrões éticos. Essa análise é essencial para identificar possíveis violações legais e recomendar ajustes que alinhem as propostas com o ordenamento jurídico e os princípios éticos.

Os assessores identificam riscos associados a propostas legislativas e políticas públicas, auxiliando a prever possíveis consequências negativas e garantir que as políticas sejam justas e equitativas. Ademais, atuam diretamente na mitigação de risco propondo alterações nas propostas legislativas ou sugerindo medidas preventivas, visando evitar conflitos de interesse e práticas antiéticas.

A conformidade, também conhecida como compliance, é um elemento essencial para a legitimidade e a integridade das instituições políticas. No contexto legislativo, ela garante que as decisões e políticas adotadas estejam em conformidade com a legislação vigente e com as normas éticas estabelecidas.

Por meio da análise cuidadosa de propostas, da orientação ética e da gestão de riscos, os assessores asseguram que as decisões políticas sejam tomadas em conformidade com a lei e com os mais altos padrões éticos. Esse papel não apenas protege a integridade do processo legislativo, mas também fortalece a confiança pública nas instituições políticas e promove uma governança mais transparente, justa e responsável.

Neste sentido, tal papel não se limita ao cumprimento literal das leis, mas também envolve a adesão a normas éticas e padrões morais que regem o comportamento dos agentes públicos. Portanto, assegurar a conformidade é um passo crítico para garantir que as leis aprovadas contribuam para o bem comum e interesses da sociedade.

As Escolas de Governo da Câmara dos Deputados e a do Senado Federal, organizam regularmente cursos e seminários para capacitar parlamentares, suas equipes e comunidade externa sobre temas específicos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, legislação ambiental, especializações voltadas para políticas públicas, governança, compliance e Legislativo. Esses programas de capacitação ajudam a fortalecer a governança legislativa, ao fornecer o conhecimento necessário para a análise crítica e a tomada de decisões informadas.

Em países como o Brasil, os assessores têm contribuído para a elaboração e implementação de políticas públicas em áreas como saúde e educação, meio ambiente, direitos humanos, segurança pública, garantindo que estejam em conformidade com as normas internacionais e locais. Por exemplo, em 2023 a Assessoria Parlamentar do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, junto à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, atuou no Congresso Nacional pela aprovação da Lei Federal n.º 14.692 de 2023, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, permitindo que doadores de recursos aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente indiquem a destinação dos valores.

Dado o exposto, observa-se que a atuação do assessor parlamentar no campo da governança e conformidade no processo político enfrenta diversos desafios, como a crescente complexidade da legislação, a pressão por resultados a curto prazo e a necessidade de se adaptar às novas tecnologias. No entanto, o desenvolvimento de ferramentas e metodologias mais eficazes para a análise de riscos e a gestão da conformidade, aliado à formação continuada dos assessores, pode contribuir para superar este cenário, aprimorando a qualidade das leis e construindo legislações em conformidade com o ordenamento jurídico e com os interesses sociais.

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Integridade, transparência e compliance no contexto das relações governamentais

Carlos Renato Lauz Petiz Junior, Sênior Fellow do Conselho Consultivo do IRELGOV

Em sua mais recente edição, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), maior referência no Brasil e uma das principais no mundo sobre o tema, incluiu a integridade como o primeiro dos cinco princípios da governança corporativa. Indo além, o IBGC inseriu a ética como fundamento da governança corporativa.

A novidade trazida pela IBGC não é um caso isolado. Vivemos uma jornada global em direção à integridade, que passou a ser um conceito central para qualquer tipo de organização, independentemente de porte, natureza jurídica ou estrutura de capital. Esse movimento tem relação direta com a preocupação cada vez maior, principalmente das empresas, com seus impactos sociais, ambientais e seus aspectos de governança, a tríade já popularmente conhecida por ESG, na sigla em inglês.

Nas palavras do IBGC, integridade é “praticar e promover o contínuo aprimoramento da cultura ética na organização, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesses, mantendo a coerência entre discurso e ação e preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas, com a sociedade em geral e com o meio ambiente”.

Em outras palavras, em um contexto no qual as organizações são cada vez mais cobradas por suas atitudes e posições, integridade nada mais é do que a coerência entre discurso e ação.

A integridade é um pilar fundamental também na relação entre público e privado, essência da atividade de RIG. A presença de uma cultura de integridade sólida reduz significativamente as oportunidades para desvios de conduta e desestimula esse tipo de comportamento, evitando práticas que podem manchar a reputação de uma organização de forma irreparável. Não é preciso citar nomes para relembrarmos exemplos de empresas que foram dizimadas por casos de corrupção.

Um dos elementos fundamentais da integridade é a transparência. A transparência garante que as informações, decisões e ações governamentais sejam acessíveis pela sociedade, o que reduz a possibilidade de corrupção e fortalece a responsabilização (accountability), aumentando a confiança dos cidadãos nos processos governamentais.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em suas recomendações sobre transparência e integridade no lobby, lembra que os lobistas compartilham a responsabilidade de promover uma cultura de integridade e transparência, como parte de uma sociedade que demanda maior transparência do poder público. Embora aparentemente haja um conflito com o sigilo das estratégias empresariais, na verdade a transparência oferece resguardo para a empresa sobre a lisura do processo decisório do qual fez parte com base em argumentos fidedignos.

O papel do compliance é garantir que a organização esteja aderente às leis, regulamentos e normas estabelecidas. Na atividade de RIG, o compliance ajuda a assegurar que as ações sejam conduzidas dentro dos limites legais, prevenindo riscos com impactos reputacionais ao negócio.

Embora, como todos sabemos, ainda não haja uma regulamentação da atividade de RIG no Brasil, as organizações que se relacionam com o poder público podem adotar medidas preventivas internas para se precaver contra situações indesejáveis, como políticas próprias relativas a brindes, hospitalidades e no contato com stakeholders; códigos de ética e conduta; canais efetivos de ouvidoria; procedimentos de due diligence, entre outros.

Mais do que isso, um bom compliance officer saberá orientar sobre a melhor forma de prevenir riscos sem impactar os resultados e objetivos estratégicos do departamento de RIG, guiando o profissional de relações governamentais para uma atuação ética e dentro dos parâmetros esperados pela organização.

Por fim, registro meus parabéns ao Irelgov por incluir o tema “Transparência, integridade e compliance em relações governamentais” na Agenda de Relações Governamentais e Políticas Públicas 2023-2024, e por promover a produção de conhecimento e discussão entre seus associados.

E convido os colegas a participarem e colaborarem no GT dedicado a essa temática, na direção do desenvolvimento de uma nova cultura baseada na ética e na integridade em nossa atividade. Lembrando sempre que: #integridadeéocaminho

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Lobby contemporâneo e a menina da bota

Por Gustavo Bernard, diretor regional do Irelgov em Minas Gerais e gerente de comunicação e relações governamentais da Bernard Mentoring & Consulting.

O lobby e as instituições públicas passam por importantes transformações no Brasil que vão além dos debates sobre a regulamentação da atividade dos profissionais que lidam com governos ou atuam próximos às formulações de políticas públicas. São mudanças que têm ocorrido em diferentes níveis e contextos – dos mais amplos e sofisticados aos mais micros e rudimentares – na direção de mais transparência, como regras de compliance ou novos guias de conformidade, com efeitos nas políticas públicas, nos planos de negócios das empresas e nas formas de influenciar ou apoiar pleitos, campanhas ou causas.

Trata-se de novas formas de conexões e interfaces diretas e indiretas – tanto analógicas quanto digitais – entre todos os agentes que, de algum modo, defendem interesses próprios ou de terceiros, influenciam ou decidem no Brasil contemporâneo. Mesmo em meio à complexidade do sistema político nacional, do vigente clima de polarização política e ideológica e das constantes necessidades de atualizações das regras dos jogos de influência, ainda são visíveis as buscas por esses aprimoramentos institucionais e por mais segurança jurídica, nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e nos respectivos poderes (executivo, legislativo e judiciário).

A adolescente Lei Complementar da Ficha Limpa (135/2010), por exemplo, de iniciativa popular, que deu nova roupagem a outra mais antiga Lei Complementar, a da Inelegibilidade (64/1990), nasceu com o objetivo cristalino de proteger a honestidade e moralidade administrativa no exercício de mandato a partir da observância dos históricos de candidatos a cargos públicos no Brasil. Até hoje, tais marcos legais influenciam o processo eleitoral brasileiro, inclusive os regionais. Mesmo com os aquecidos debates em Brasília, mais precisamente no Senado e na Câmara Federal, sobre ajustes ou novas formas de interpretações dessas importantes leis, esses marcos legais seguem persuadindo cada etapa do processo democrático brasileiro, inclusive nas eleições municipais, com dinâmicas próprias e muito peculiares.

Na continental república federativa presidencialista brasileira ocorrem a cada quatro anos esse tipo de eleição: mais locais e focadas nas realidades das cidades, com pleitos previstos para os dias 6 de outubro (1º turno) e 27 de outubro (2º turno), com exceção do Distrito Federal e de Fernando de Noronha. Para o melhor andamento desse processo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido pela ministra Cármen Lúcia, definiu 12 inovadoras resoluções para esses pleitos e debates locais, com base em sugestões de partidos políticos, Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), universidades, entidades da sociedade civil e cidadãos. São claras direções tanto para candidatos e legendas partidárias quanto a eleitores e eleitoras que vão desde boas práticas no uso da Inteligência Artificial (IA) e no combate à desinformação (fake news) até compromissos e metas para mais equidade de gênero e diversidade nos pleitos democráticos.

Governado pelo empresário Romeu Zema (NOVO-MG), o Estado de Minas Gerais também é modelo sobre esse alcance das transformações institucionais com desdobramentos políticos locais. Minas alcançou os primeiros lugares na lista das Assembleias Legislativas mais transparentes do Brasil, atrás apenas das do Distrito Federal e do Espírito Santo, segundo o Índice de Transparência e Governança Pública da Transparência Internacional. Dona de um Produto Interno Bruto (PIB) superior a R$ 1 trilhão – só menor que os dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro – Minas Gerais é também o estado com maior número de municípios do país (853 cidades) e habitat de mais de 16 milhões de eleitores que podem desempatar ou decidir um pleito político nacional.

Esse estado, com dimensões superiores ao território da Espanha, tem neste ano mais de 72,9 mil candidatos – 15% dos 460 mil postulantes de todo o Brasil que disputam vagas nas prefeituras ou câmaras municipais. Historicamente conhecida como a região mais endinheirada do Brasil Colônia (1530-1815) por suas fartas riquezas minerais, como ouro e diamante, Minas registrou neste ano 2,3 mil candidatos às prefeituras mineiras, outros 2,3 mil disputando vice-prefeituras e mais 68,3 mil pretendentes a espaços nas câmaras de vereadores de cidades como Setubinha, um dos municípios mineiros mais empobrecidos do país.

Com pouco menos de 10 mil habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na faixa de 0,5 – próximo ao de países africanos com baixo desempenho em políticas públicas – essa cidadezinha é a morada de uma típica cidadã da zona rural brasileira: a tímida Maria José Mendes, jovem negra de 21 anos, que ficou famosa nas redes sociais após cantar e dançar o próprio “jingle” ao som de forró com sua família e amigos, no quintal da simples casa. Apelidada de “menina da bota” pelos usuários dos algoritmos virtuais, essa mineira, com sérios problemas nutricionais e dentários, conseguiu, apesar da distância que a separa dos grandes centros de poder e institucionais do país, ver realizadas, após a fama, necessidades básicas de saúde: um completo tratamento dentário e a respectiva melhora progressiva nutricional e de renda dela e da família.

Com mais de 1 milhão de seguidores, número muito superior à quantidade necessária para se eleger vereadores e prefeitos em várias cidades do Brasil, Maria José passou a influenciar não só os ritmos dos jingles de alguns candidatos a vereadores que disputam as eleições locais neste ano, mas também o comércio de botas, joias e de outros produtos onde a “menina da bota” é conhecida e falada.

As influências e os lobbies seguem por todos os lados, em suas mais variadas formas, com diferentes abordagens e contextos e inúmeras estratégias de comunicação e marketing. Todos, porém, no fim das contas, visam a defender ou apoiar alguma bandeira ou causa, sejam elas quais forem. Que esse complexo tablado dos jogos políticos e econômicos do Brasil siga se atualizando, de modo cada vez mais transparente e democrático, para um futuro melhor e mais próspero a todos os integrantes da Sociedade Brasil, inclusive as Marias e Josés, ricos, pobres e remediados, com ou sem botas.

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ESG no setor automotivo: sem incentivos governamentais, ainda há muitos espaços para transformar

Por Jackson Campos, especialista em comércio exterior e diretor de relações institucionais da AGL Cargo

As mudanças climáticas já afetam nosso dia a dia e diversas mobilizações governamentais estão sendo feitas na esperança de amenizar os impactos que temos na natureza. O Brasil assumiu esse compromisso assinando o “Acordo de Paris”, mas ainda estamos muito longe de bater as metas. O país, por exemplo, é o 8º maior produtor de veículos no mundo e o 6º maior mercado automotivo, mas ainda não lidamos com as pegadas de carbono que este mercado deixa.

As emissões de gases do efeito estufa do setor correspondem a aproximadamente 10% das emissões totais brasileiras, sendo metade desse montante com origem no transporte de passageiros. Entretanto, para reduzir de maneira efetiva a emissão de gases danosos na atmosfera, é necessário ter cuidado e transformar toda a cadeia logística e de produção dos veículos.

A pegada de carbono de cada automóvel começa na sua produção, quando materiais que agridem o meio ambiente são extraídos para a produção de peças e são transportados de um lugar ao outro para a fabricação dos itens. Há também o alto uso de combustíveis fósseis, o que contribui para a poluição em demasia causada pelo setor.

Para tentar remediar o problema em alguma ponta, um grande mercado está se abrindo para a eletromobilidade. Por mais que estes veículos solucionem apenas parte da questão, ainda é importante entender o impacto que o aumento da frota híbrida ou elétrica teria para a manutenção de metas ambientais definidas pelo governo e quais impactos ela causaria imediatamente para a população, especialmente para quem possui problemas respiratórios.

Buscando reduzir a emissão de gases poluentes pelo trânsito, os governos acabam criando estratégias para minimizar os impactos causados pelo segmento automotivo. O rodízio da cidade de São Paulo, por exemplo, não multa os condutores de carros elétricos, já que eles não emitem nenhum tipo de gás danoso para a atmosfera.

Essa medida tomada pela capital paulista, que possui a maior frota de automóveis do país, proíbe a circulação de veículos dependendo do número final da placa, buscando a redução da emissão de gases poluentes no ar e, por consequência, a diminuição do trânsito dos horários de “rush”, facilitando a locomoção pela cidade.

Entretanto, ainda falta investimento e um olhar mais atencioso para o segmento no Brasil. Sem produção de veículos elétricos no país em 2024 e com previsão para início em 2025, houve um boom de importações dos modelos chineses nos últimos meses e, para proteger a indústria nacional, o governo aumentou o imposto de importação destes modelos e dos híbridos. 

Também falta estrutura para quem já possui estes veículos. Por mais que exista uma expansão muito visível no número de pontos de carregamento dentro das cidades, ainda é muito difícil realizar longas viagens com estes modelos por falta de infraestrutura nas rodovias brasileiras.

Se pensarmos em todos os compromissos ambientais feitos para manter a emissão de gases baixa, ainda falta muito espaço para ser galgado. Mas, com o tempo, é impensável não termos mudanças na cadeia de produção, incentivos governamentais e uma frota mais verde nas ruas, que polua menos e que seja mais acessível para a população em geral. 

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A defesa do Perse: estratégias de relações governamentais para a manutenção de políticas públicas em tempos de crise

Por Leonardo Nezzo Volpatti, advogado e cientista político, sócio fundador do Lima & Volpatti Advogados Associados, professor convidado na Universidade de Caxias do Sul (UCS)

O Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse) foi criado como uma resposta imediata às severas dificuldades enfrentadas pelo setor de eventos devido à pandemia de Covid-19. O programa tinha como objetivo principal fornecer suporte financeiro e fiscal às empresas desse setor, que inclui hotelaria, parques, eventos e restaurantes, entre outros. A importância do Perse para a economia nacional tornou-se evidente, especialmente em estados onde o turismo é uma atividade econômica central, sustentando empregos e impulsionando a arrecadação tributária.

No entanto, em 2023, o Perse enfrentou uma nova ameaça significativa com a edição da Medida Provisória 1202 de 2023, que visava, na prática, descontinuar o programa. A justificativa do governo baseava-se em uma visão restrita de necessidade de contenção de gastos, considerando a política pública Perse apenas sob o prisma de custo orçamentário, sem levar em conta os impactos sociais e econômicos positivos que a política pública gerava, especialmente em regiões turísticas. Essa abordagem governamental desconsiderava o potencial do programa de recuperar economicamente setores fundamentais e preservar milhares de empregos.

Diante desse cenário, tornou-se crucial a mobilização de estratégias de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) para defender a continuidade do Perse. A defesa dos interesses do setor de eventos e turismo, particularmente da hotelaria, parques e eventos, envolveu um esforço coordenado de convencimento dos parlamentares, focado nos ganhos que a manutenção do programa poderia trazer não apenas para o setor produtivo, mas para a sociedade como um todo e para a economia dos estados.

No contexto do Perse, as estratégias de advocacy foram fundamentais para reverter a tentativa de descontinuidade do programa. A criação de narrativas que destacavam os benefícios sociais e econômicos do programa, especialmente em estados com forte dependência do turismo, exemplifica como a advocacy pode ser usada para alinhar os interesses de diferentes grupos e influenciar a tomada de decisão.

A segurança jurídica é um princípio fundamental para a estabilidade econômica e social, especialmente em um ambiente de incerteza como o que o Brasil enfrentava no período pós-pandemia. A súbita mudança de direção representada pela MP 1202 não só ameaçava a recuperação de setores estratégicos, mas também minava a confiança dos investidores e empresários nas políticas governamentais. Ao colocar em risco a continuidade do Perse, o governo gerou uma onda de insegurança entre os empresários do setor de eventos, que passaram a questionar a previsibilidade e a estabilidade das políticas públicas no país.

Diante desse cenário, tornou-se urgente para os defensores do Perse mobilizar estratégias eficazes de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) para reverter a situação. O desafio era convencer os parlamentares de que a continuidade do Perse era não apenas desejável, mas necessária para garantir a recuperação econômica de setores fundamentais e preservar a confiança na estabilidade das políticas públicas.

Para a defesa do Perse foi feita uma estratégia que visava o envolvimento e a participação ativa de diversos parlamentares que se destacaram como “campeões” da causa, liderando a articulação política e a defesa pública do programa. Entre eles, os deputados Felipe Carreras (PSB-PE), Renata Abreu (PODE-SP), Eduardo Bismarck (PDT-CE), e a senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB) tiveram um papel fundamental.

As frentes parlamentares da hotelaria, turismo e cultura e entretenimento fizeram diversos atos em defesa do Perse, unindo as associações, empresariado e parlamentares. Ressalta-se o ato do dia 7 de fevereiro no auditório Nereu Ramos na Câmara dos Deputados, o ato do dia 05 de março no plenário do Senado Federal e o ato do dia 27 de março, no plenário da Câmara dos Deputados. Os atos foram fundamentais para disseminar os argumentos, convencer a opinião pública sobre os benefícios sociais e econômicos dessa política pública e causar a abertura do governo para uma negociação que visava a continuidade do programa.

Após um intenso e amplo diálogo entre os diversos atores envolvidos, ficou evidente que o programa trazia benefícios significativos para a sociedade, justificando sua continuidade. A estruturação da argumentação, baseada nos impactos sociais, econômicos e orçamentários do programa, foi essencial para que se chegasse a um acordo que garantisse a manutenção do Perse, ainda que sob novas condições.

Através de um diálogo estruturado e fundamentado em dados sólidos, os defensores do Perse conseguiram demonstrar aos parlamentares e ao governo a importância da continuidade da política pública. O governo percebeu que não tinha votos para sustentar a derrubada do Perse pela Medida Provisória 1202. Com base nisso, os argumentos sobre a preservação de empregos, a recuperação econômica de setores estratégicos e a geração de receitas fiscais foram centrais para convencer os legisladores. Com isso, foi possível chegar a um acordo que estabeleceu a continuidade do Perse, mas com um custo prefixado de R$ 15 bilhões.

O PL 1026 de 2024 representou uma virada estratégica do governo que, ao propor o projeto, reconheceu a importância do Perse e assumiu a pauta como sua. Esta apropriação da agenda foi vista como um movimento tático para evitar a confrontação direta com o parlamento e, ao mesmo tempo, manter o controle sobre os custos e a execução do programa. O governo, ao propor este projeto, sinalizou um compromisso com a continuidade da política pública, mesmo que sob novas condições financeiras.

Essa reconfiguração da política pública também mostrou a eficácia das Relações Institucionais e Governamentais (RIG) em influenciar a agenda governamental. Ao estruturar uma narrativa robusta, eleger campeões para liderar a defesa do Perse e utilizar embasamento técnico sólido, os defensores do programa conseguiram não apenas evitar sua descontinuidade, mas também garantir que o governo se apropriasse da política, reconhecendo seu valor e importância.

Para mitigar ameaças futuras, entendemos que é fundamental que as ações de RIG continuem a ser organizadas e mobilizadas. A reconstrução democrática dessa política pública, através da participação ativa de diversos setores da sociedade, demonstra que a legitimidade de ações de RIG na defesa de interesses depende de uma articulação estratégica bem-organizada. Esta articulação deve sempre buscar o equilíbrio entre os interesses sociais e econômicos e as necessidades fiscais do governo, garantindo que políticas como o Perse continuem a promover o desenvolvimento econômico e social do país.

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RIG exige adaptabilidade e conhecimento das diversas esferas de poder

Por Nicholas Moreno Rodrigues, especialista no setor de energia, com experiência no Congresso Nacional, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e em mais de 30 câmaras municipais no Estado de São Paulo

Nas Relações Institucionais e Governamentais (RIG), há grandes desafios para atuar em diferentes esferas de governo, sejam federais, estaduais ou municipais, bem como nas agências reguladoras. As interações no nível federal não se traduzem necessariamente em resultados em outros níveis e vice-versa. No âmbito estadual, é essencial compreender as particularidades de cada unidade federativa, suas necessidades e as prioridades políticas de governadores e assembleias legislativas, além da complexidade das normas em diversos municípios. Os profissionais que atuam em todo o território nacional devem ter experiência consolidada, não apenas na compreensão de Brasília, mas também das dinâmicas regionais.

No Executivo Federal, as decisões costumam ser mais centralizadas nos ministérios. Estar ciente de decretos, portarias, resoluções e instruções normativas é essencial para acompanhar possíveis impactos regulatórios. O Poder Executivo Federal é particularmente complexo, abrigando ministérios, autarquias e agências reguladoras, cada um com suas agendas. Já no âmbito estadual, a atuação exige estratégias regionalizadas, adaptando abordagens para dialogar de forma ética e transparente com secretarias e lideranças locais. Manter canais diretos com autoridades, além de participar de eventos governamentais e técnicos, ajuda a fortalecer o capital institucional com os stakeholders.

Outro grande desafio é conhecer profundamente o processo decisório em todas as esferas de governo, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Isso inclui compreender como as leis são elaboradas, discutidas e aprovadas, bem como o funcionamento das decisões do Executivo. Cada esfera governamental exige estratégias próprias, dadas as particularidades de seus processos legislativos, que envolvem um número maior de stakeholders.

Conhecer bem o funcionamento do Legislativo em cada esfera é igualmente importante. Olhando para Brasília, isso inclui o monitoramento de pautas e projetos de lei, articulação com parlamentares e o acompanhamento das comissões permanentes e temporárias, onde ocorrem as discussões fundamentais sobre projetos, emendas e outros instrumentos normativos. A dinâmica de cada comissão e casa legislativa varia, exigindo a compreensão das comissões temáticas e audiências públicas.

Vale destacar que cada ambiente legislativo é distinto. Por exemplo, a dinâmica da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados difere daquela da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) ou da Câmara Municipal de São Paulo. Assim como em Brasília há bancadas temáticas, como a ruralista, ambientalista e de saúde, já em outras câmaras municipais menores, como a de Santa Bárbara d’Oeste, essas dinâmicas podem ser bastante diferentes. Embora no nível federal haja uma maior oferta de dados abertos, os estados e municípios ainda precisam avançar nesse sentido, sendo que, em muitos casos, a assimetria de dados torna o acompanhamento legislativo um grande desafio para quem atua.

São dinâmicas e prioridades diferentes, e um profissional que só atuou em Brasília precisará se reinventar para entender o funcionamento das câmaras municipais e estaduais. Além das diferenças entre o Executivo e o Legislativo nas esferas federal, estadual e municipal, o ambiente regulatório também apresenta suas especificidades, o que exige habilidades específicas e resiliência. Em empresas com operações em todo o território brasileiro, é fundamental que os profissionais dominem o funcionamento de diversas esferas de poder e de suas agências reguladoras.

Um exemplo recente é a aprovação do Projeto de Lei do Combustível do Futuro na Câmara dos Deputados, que promove a descarbonização da matriz energética e incentiva o uso de combustíveis sustentáveis ​​em vários setores. Um dos principais desafios regulatórios será alinhado às regulamentações estaduais com as diretrizes federais da nova política, considerando que cada estado já possui normas e procedimentos próprios. As diferenças de estágio entre os estados podem ajudar ou dificultar a implementação das metas de transição energética, representando tanto um desafio quanto uma oportunidade para profissionais experientes que já atuaram em todas as esferas.

Fica evidente, portanto, que vivemos em um ambiente extremamente complexo e diversificado, com numerosos desafios políticos e regulatórios. A atuação em Relações Institucionais e Governamentais (RIG) exige conhecimento abrangente, habilidades e experiência em diferentes esferas. Trabalhar em vários níveis de governo se tornou um diferencial indispensável para o sucesso. É crucial que os profissionais tenham capacidade de adaptar estratégias conforme os contextos e necessidades regionais, enfrentando desafios e aproveitando as oportunidades que surgem. Isso garante que as organizações se ajustem de forma eficaz ao cenário político e regulatório, que é altamente dinâmico.

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Estratégias nas relações com executivo, legislativo e agências reguladoras

Por Rafael Almeida Ribeiro, CPO (Chief Political Officer) e diretor-executivo no escritório Pellizzon Ribeiro Sociedade de Advogados, especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela USP 

Os profissionais de relações institucionais e governamentais vêm desempenhando, cada vez mais, papel fundamental no fortalecimento das políticas públicas e de interlocução entre a iniciativa privada e a administração pública, com maior volume e complexidade de trabalhos, exigindo mais qualificações, atraindo a atenção de empresas locais e consultorias internacionais. Mas ainda assim, o debate está muito concentrado em nível nacional, com grandes discussões junto ao Congresso Nacional e Poder Executivo Federal, muito em decorrência das competências legislativas privativas da União previstas no artigo 22 da Constituição Federal.

Entretanto, incontroverso que há muito espaço para atuação de profissionais nas agendas das gestões públicas estaduais e municipais, lembrando que somente no interior do Estado de São Paulo existem 645 municípios, onde há muita política pública fazendo a diferença na vida das pessoas, moldadas por múltiplos atores.

Aos estados cabe legislar sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico, urbanístico, assim como sobre orçamento, proteção do meio ambiente, controle da poluição, educação e saúde, entre outros.

Por outro lado, aos municípios cabe atuar nos assuntos de interesse local e suplementação da legislação federal e estadual onde for possível, instituindo e arrecadando tributos. Enfim, uma gama de áreas e temas alheios aos ares de Brasília.

O Estado de São Paulo teve previsão de receita para 2024 estimada em R$ 328 bilhões de reais.

Neste sentido, a habilidade dos profissionais em interagir com o Executivo e o Legislativo estadual e municipal, e com as agências reguladoras estaduais (no caso de São Paulo a Artesp e Arsesp, por exemplo), é essencial para empresas que atuam no desenvolvimento regional e local, bem como pelos agentes do Terceiro Setor.

Um exemplo é a possibilidade de atuação na política federal do saneamento básico, atualizada pela Lei n.º 14.026/2020 (Novo Marco Legal), que impõe esforços municipais para universalização da oferta de água potável, coleta e tratamento de esgoto, além da definição das diretrizes para limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos.

Outro campo de atuação é junto aos consórcios intermunicipais, que permitem compras públicas consorciadas, elaboração de projetos para captação de recursos e gestão de resíduos.

No mesmo caminho, é a atuação junto ao Terceiro Setor, especialmente nas áreas da saúde, educação e assistência social, que se desenvolvem por meio de convênios com os municípios para financiamento de seus projetos, permitindo sua sobrevivência e atendimento da população local.

Compreender as necessidades locais permite que os profissionais de relações institucionais e governamentais identifiquem oportunidades e desafios específicos, com a coleta de dados e engajamento com a população local sendo essenciais para construção de um quadro preciso das prioridades municipais.

Participação em reuniões estratégicas, fóruns de discussão e a contribuição para a formulação de políticas são maneiras de influenciar positivamente a agenda municipal, sem se esquecer do necessário contato com o Governo do Estado e das Assembleias Legislativas para viabilidade de projetos locais que necessitem recursos ou aprovação de instâncias superiores.

Obviamente, a relação com vereadores é crucial para o avanço de propostas e projetos de interesse público, razão pela qual o profissional deve desenvolver, da mesma forma que é feita em nível federal, uma estratégia de monitoramento legislativo para acompanhar a tramitação de projetos de lei nas câmaras municipais e nas assembleias legislativas.

Além disso, é importante participar ativamente de audiências públicas e comissões temáticas, oferecendo subsídios técnicos e informações relevantes para a deliberação de projetos, com especial atenção às emendas parlamentares para projetos locais.

Seguir as regulamentações é de suma importância, necessitando engajamento com as agências reguladoras. Isso pode incluir a submissão de comentários em consultas públicas e o estabelecimento de canais diretos com os reguladores.

Por fim, e não menos importante, a comunicação eficaz é um componente-chave da gestão de relações institucionais. Profissionais devem desenvolver estratégias neste tópico que garantam transparência e reforcem a confiança pública.

É essencial uma estratégia de comunicação clara e coordenada, que envolva todas as partes interessadas, incluindo população, governo e setor privado, com ampla divulgação das ações e iniciativas dos atores envolvidos, bem como campanhas de conscientização e gestão de crises. Utilizar meios de comunicação modernos e acessíveis, como redes sociais e plataformas digitais, facilita a disseminação de informações e a interação com a comunidade.

O trabalho não é fácil, ainda mais em nível municipal, mas o campo para atuação é amplo e diversificado.

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Campanha eleitoral e compromissos para a saúde: Guia de Ações Municípios Saudáveis

Tacyra Valois, CEO do Colégio Brasileiro dos Executivos em Saúde e vice-presidente da ABRIG e conselheira na ComSaude Fiesp

As campanhas eleitorais são instrumento de fortalecimento do processo democrático e oportunidade de amadurecimento dos compromissos do candidato com a sociedade. É parte do processo eleitoral que representa um momento importante e de maior participação do cidadão na decisão do representante que considera mais adequado para responder às necessidades e aos anseios da sociedade.

A postura política que almejamos nas campanhas é de um candidato que sai do discurso vazio e segue um debate de propostas coerentes e factíveis de políticas públicas estratégicas e que possam ser bem estruturadas e implementadas durante o mandato para um sistema de saúde com mais acesso, resolutividade e sustentabilidade.

O setor de saúde precisa se reconhecer e se empoderar do seu tamanho e capacidade de gerar riquezas e melhoria social, e então participar proporcionalmente nas discussões decisivas para o setor. Acreditamos no papel fundamental da sociedade civil organizada para a construção de políticas públicas mais justas, que garantam o cumprimento dos direitos e satisfação das necessidades coletivas do povo.

Mais uma vez nos unimos, três entidades representativas, (Fehoesp, Sinshosp e CBEXS) para construir o “Guia de Ações Municípios Saudáveis | Transformando comunidades, cuidando de pessoas”, para contribuir na construção dos planos de governo dos prefeituráveis nesta eleição.

Entendendo que o sucesso dos candidatos eleitos está diretamente relacionado à capacidade de enxergar mais longe e de antecipar as propostas e implementações das mudanças necessárias para uma melhor condição de vida do cidadão, este guia contribui para trazer para as discussões e debates sobre saúde informações de necessidades reais e sugestões de ações possíveis e alinhadas aos planos de saúde federal e estadual, de forma a impulsionar as novas gestões municipais.

Além de ajudar a qualificar o debate político, a guia objetiva contribuir para a construção de uma agenda inovadora e positiva, que leve a uma melhor gestão e organização. Ele foi desenvolvido para que possa ser adaptado e servir de referência para todos os futuros gestores da saúde dos municípios. Afinal, uma organização mais eficaz da saúde municipal pode garantir acesso universal aos serviços, promover prevenção, prover cuidado e assegurar maior integração entre público e privado, qualidade assistencial e melhoria dos indicadores. Na saúde, para assegurar acesso e uma assistência integral a todos os cidadãos, é necessária uma abordagem colaborativa e organizada, que envolva toda a sociedade.

O projeto iniciou em setembro de 2023, com a contratação de uma consultoria para coordenar o apoio nas pesquisas e preparação de propostas. Foi também realizada a série de videocasts “Papos da Saúde”, com ex-ministros, como José Gomes Temporão, Arthur Chioro, Luiz Henrique Mandeta e Marcelo Queiroga, para compartilhar experiências, desafios e recomendações aos novos gestores. O guia, construído com a contribuição de profissionais da saúde, políticas públicas e relações governamentais, foi entregue a candidatos à Prefeitura de São Paulo e outras cidades, e será repassado aos eleitos e futuros secretários de saúde.

Organizamos as recomendações em quatro eixos estratégicos:

  1. Diagnosticar: eixo que mostra a importância de coletar e analisar informações para mapear e entender as necessidades de saúde, os riscos predominantes e o contexto da área à qual o plano de ação em saúde da nova gestão será desenvolvido e aplicado.
  2. Planejar: apresentação de algumas iniciativas inescapáveis para a qualificação da gestão integral do SUS, como regionalização, avaliação e monitoramento por indicadores e disponibilidade, capacitação e valorização dos profissionais.
  3. Promover + Prevenir: esse eixo destaca os cuidados integrais com a saúde, que implicam ações transversais de promoção, prevenção de agravos, controle dos fatores de risco e, quando instalada a doença, tratamento adequado e reabilitação.
  4. Cuidar: ressalta a necessidade da adoção de novos modelos de governança assistencial, com a coordenação dos diferentes níveis de atenção em redes regionalizadas e hierarquizadas. Destaque para uma Atenção Primária à Saúde (APS) integral, resolutiva, territorial e comunitária; fortalecimento do programa Estratégia de Saúde da Família (ESF); incorporação de ferramentas de saúde digital; maior integração entre os setores público e privado; e garantia de acesso a medicamentos.

Agendas prioritárias

Destacamos algumas agendas na área da saúde que são de forma consensual prioritárias e precisarão de atenção especial dos futuros gestores municipais. Nas últimas décadas, houve uma rápida transição demográfica no país, evidenciada pelo aumento significativo da proporção de idosos. O número de pessoas que sofrem de transtornos mentais também tem aumentado no país. Paralelamente, ocorre uma transição epidemiológica, marcada pela alta incidência de doenças crônicas e pela presença de seus fatores de risco, juntamente com o frequente surgimento de emergências e surtos epidêmicos.

No guia focamos como agendas prioritárias: doenças crônicas, saúde mental, envelhecimento saudável e controle de epidemias – estão organizadas dentro dos quatro eixos estratégicos, visando facilitar a compreensão e ilustrar os recursos que podem ser utilizados para aprimorar as políticas públicas voltadas a essas prioridades.

Desafios

O guia ainda elenca, por áreas, desafios comuns às cidades e apresenta ações que podem ser implementadas pela gestão municipal como gestão de risco visando amenizá-los. São eles:

Governança: ressalta a importância da pactuação e do diálogo do gestor ou gestora municipal da saúde na coordenação e articulação com os entes federativos; a importância de avançar no processo de regionalização; e destaca uma importante ferramenta para ganho de escala: os consórcios intermunicipais.

Judicialização: apresenta iniciativas capazes de prevenir ações judiciais e mostra os resultados do Acessa SUS e dos Núcleos de Apoio Técnico (NAT-Jus).

Gestão e eficiência: mostra como as ferramentas de saúde digital podem melhorar o sistema; a importância da adoção de modelos de remuneração baseados em desfecho; e ações para mitigar os custos operacionais e administrativos.

Educação e tecnologia: destaca a essencialidade em promover a atualização constante dos profissionais de saúde, de formar lideranças, de integrar os currículos acadêmicos às necessidades da prática profissional e mostra caminhos de parcerias para o desenvolvimento tecnológico.

Os executivos em saúde precisam estar cada vez mais organizados e ativos para fortalecer a voz da saúde no cenário político. A missão das entidades representativas é atuar para que isso efetivamente aconteça e ferramentas de relações governamentais se apresentam como importante indutor desta evolução no setor. Com o papel de impulsionar propostas que estão sendo debatidas, apresentam consenso entre nossos associados e servirão para avanços e melhoria do sistema de saúde e melhoria social, ampliando os espaços de diálogo e reforçando nosso compromisso de contribuir para a formação de políticas públicas, melhores decisões nos investimentos em saúde, inovação do sistema e serviços e transformação da sociedade.

Conheça o guia na íntegra pelo link:

https://www.cbexs.org.br/guia-de-acoes-municipios-saudaveis-transformando-comunidades-cuidando-de-pessoas/

Artigo

Agenda negra de política pública: desenho de perfil de profissionais em relgov e advocacy

Por Ícaro Jorge da Silva Santana, advogado

Recentemente, algumas notícias tomaram conta da chamada agenda negra de políticas públicas. Em 2023, foi criada a bancada negra na Câmara de Deputados. Com representação formal na casa, o coletivo terá voz e direito a voto nas reuniões de líderes junto à presidência da Câmara. Nessa agenda, debates como cotas no ensino superior e cotas no serviço público estão na ordem do dia no Congresso Nacional.

Na área de advocacy, houve um crescimento de organizações da sociedade civil voltadas às agendas negras de políticas públicas. Diversos perfis estão surgindo nesse campo e o dinamismo das relações governamentais e tem sido desenhado um novo perfil de profissional implicado em pautas de diversidade racial. Alinhados com uma série de reivindicações históricas, essa agenda negra tem colocado novos atores sociais no cenário nacional.

Pesquisadores, ativistas, articuladores políticos e profissionais de relações governamentais estão sendo construídos e construindo na prática a atuação política-institucional em torno de uma agenda negra que não é apenas estética, mas sobretudo, ética.

Como Rebecca Neaera Abers et al (2018), já apresentado em artigo trabalhado acerca dos movimentos sociais e políticas públicas, a agenda de políticas públicas é constituída a partir do cenário de oportunidades desenhadas para a produção de estratégia de incidência direta nos legisladores e gestores das políticas públicas.

Para tanto, o cenário de oportunidades tem apresentado para esses novos atores formas de universalizar políticas de promoção à igualdade racial que já foram consideradas setoriais em outros momentos da conjuntura brasileira.

O mapa do poder tem sido aos poucos modificado e espaços, outrora ocupados apenas por pessoas brancas, hoje são ocupados por pessoas negras. Há um cenário na própria sociedade que após a estabilização política das ações afirmativas têm entendido de forma mais tranquila políticas de diversidade e inclusão. Assim como há um crescimento de políticas públicas interseccionais e transversais.

É nessa perspectiva que é necessário propor uma reflexão acerca da atuação ética de profissionais de relações governamentais e advocacy para a consolidação de uma agenda negra a partir de duas compreensões teórico-metodológicas: a transversalidade e a interseccionalidade.

Acerca da transversalidade, Fernanda Natasha Bravo Cruz e Doriana Daroit (2024) vão apresentar que, devido à complexidade, articulada com a multidimensionalidade dos problemas públicos reverberam na consolidação de dinâmicas transversais de ação pública que necessitam outras abordagens para a promoção de políticas públicas.

A partir do que Callon, Lascoumes e Barthe (2009) entendem como ação pública, Cruz e Daroit (2024) compreenderão as instituições participativas como fóruns híbridos atuantes que necessitam de conhecimentos interdisciplinares. Diante disso, os profissionais das áreas de articulação nesse contexto requerem estar munidos de uma série de potencialidades que transversalizam sua atuação.

Já a interseccionalidade, termo cunhado por Kimberlé Creenshaw, pode ser entendida como uma ferramenta ou categoria analítica, como nos ensina Collins e Bilge (2021), e é compreendida como uma ferramenta analítica que busca combater a noção de construção monolítica de poder. Nesse cenário, compreende as autoras que o capital é interseccional constituído a partir de marcadores sociais de classe, raça, gênero, geração e sexualidade.

Segundo Crenshaw (1989), é menos necessário buscar o conceito de interseccionalidade do que compreender como essa ferramenta analítica opera na prática. Diante disso, compreender a prática da interseccionalidade na ação do profissional de relações governamentais é parte de uma ação de inflexão no dia a dia.

Nessa articulação, transversalidade e interseccionalidade são articulações teóricas-práticas que estão desenhando parte da ética dos profissionais de relações governamentais que atuam na agenda negra de políticas públicas, justamente pela compreensão de três pontos centrais do atual cenário:

  1. Não há como se pensar nenhuma política pública sem a compreensão transversal e interseccional atrelada a uma agenda negra. Esse dado se dá pelo entendimento do racismo como estruturante em todas as instâncias no Brasil.
  2. A agenda negra é por si mesma interseccional e transversal pela compreensão de uma multiplicidade constituída dos negros e negras no Brasil.
  3. O profissional de relações governamentais e advocacy necessita de um perfil que compreenda a multiplicidade e complexidade da agenda racial a partir de uma compreensão de uma ética para política pública.

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Integridade: princípio da governança corporativa e de uma sociedade mais justa

Por Luiz Martha, diretor de Conhecimento e Impacto do IBGC

De tempos em tempos, a sociedade volta seus olhos para algum escândalo corporativo de grandes proporções, seja no Brasil ou em outros países. Quando isso vem à tona, é natural que surjam questionamentos sobre as falhas que permitem a ocorrência de episódios tão graves.

Por décadas, a discussão sobre integridade corporativa se restringia a aspectos ligados a fraudes, práticas de corrupção e conflitos de interesse. Nos últimos anos temos visto, com cada vez mais frequência, uma interdependência das organizações com suas partes interessadas (stakeholders), incluindo como parte fundamental dessa relação a ética como um fundamento da governança corporativa.

Trata-se uma (r)evolução para a sociedade e para as organizações, que se veem diante de um cenário complexo, que demanda uma relação bem construída com colaboradores, fornecedores, clientes, governos e diferentes comunidades, algo que pode criar valor para todos os envolvidos ou destruí-lo se uma empresa não agir de modo correto diante de qualquer uma dessas partes interessadas.

É indiscutível que a aceleração da Agenda ESG contribuiu muito para esse novo olhar voltado à integridade. Ao mesmo tempo, testemunhamos nos últimos anos um período caracterizado por um maior nível de profissionalização dos conselhos no processo de construção da governança nas empresas.

Como resultado, temas que antes não eram tão afeitos à agenda empresarial foram incorporados ao debate sobre integridade, tais como os direitos humanos, a diversidade, a busca por diversidade, equidade e inclusão, o acesso à saúde e o cuidado com o meio ambiente. Mais recentemente, o papel de novas tecnologias como a inteligência artificial passou a ser pautado sob esse viés, dada sua abrangência e impacto sobre a sociedade e o mundo do trabalho.

Conectada a essa realidade, a versão mais recente do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, publicada em agosto de 2023, definiu a Integridade como um de seus cinco princípios (os demais são Transparência, Equidade, Responsabilização e Sustentabilidade). Conforme a definição do Código, Integridade envolve “praticar e promover o contínuo aprimoramento da cultura ética na organização, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesses, mantendo a coerência entre discurso e ação e preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas, com a sociedade em geral e com o meio ambiente.”

A agenda de governança corporativa engloba diversas questões, sendo algumas delas a prevenção, a mitigação e o tratamento de conflitos de interesses. O IBGC entende que não há como tornar o princípio da integridade efetivo, a não ser por meio do comprometimento e do real envolvimento das principais lideranças da organização. No jargão corporativo, trata-se do “tone of the top” (o tom que vem do topo), sem o qual todo esforço ético de uma organização corre o risco de cair por terra.

Quando se discute as características de uma agenda de integridade alinhada aos anseios atuais da sociedade, é fundamental que a alta liderança das empresas perceba esse esforço como uma estratégia mais ampla, que contemple questões como a sustentabilidade ambiental, a proteção aos direitos humanos, a saúde mental dos colaboradores e como algo que venha a acelerar o desenvolvimento do país, por meio de um caminho inclusivo e que sirva de inspiração para todos os stakeholders envolvidos.

As organizações não podem ignorar os anseios que emergiram da sociedade nos últimos anos. Combater fraudes, mitigar conflitos de interesse, enfrentar os diferentes tipos de assédio e promover ações anticorrupção ainda são tarefas inerentes aos conselhos de administração de empresas públicas e privadas, mas em um país como o Brasil tornou-se inadiável a incorporação da Agenda ESG à lista de temas ligados à Integridade.

A governança corporativa evoluiu significativamente nos últimos anos, expandindo seu foco da otimização de valor econômico exclusivamente aos sócios para o objetivo de geração de valor compartilhado entre os sócios e as demais partes interessadas. Criar uma cultura de Integridade é uma estratégia que ajuda a acelerar esse processo, com potencial para proporcionar mudanças estruturais e desenvolver propósitos que deixem um legado para toda a sociedade.

Guia de diversidade e inclusão na prática

Por Fabi Gadelha Marra, diretora de conteúdo do IRELGOV

O cenário da diversidade e inclusão nas relações governamentais é vasto e complexo, refletindo os desafios e as oportunidades que permeiam nossa sociedade. As organizações, privadas e governamentais, estão cada vez mais cientes da importância da diversidade e inclusão em suas estratégias. Isso inclui a formação de coalizões diversas para promover agendas políticas, bem como o engajamento proativo de grupos subrepresentados nos processos de defesa de interesses.

Mas, na prática, como profissionais de relações governamentais podem atuar no cotidiano de forma permanentemente inclusiva?

Nesta coluna, você encontrará as boas práticas sugeridas pelo Guia de Diversidade e Inclusão do IREGOV, lançado em 2024, que farão a diferença na sua postura e liderança para promover ambientes inclusivos e equitativos.

Nossa primeira abordagem destina-se a trazer luzes sobre o cenário das MULHERES, produzido por Juliana Arantes Marra, vice-presidente e Ana Paula Abritta, Diretora de Planejamento Estratégico do IRELGOV.

A implementação de práticas de contratação justas e inclusivas é mais do que uma questão de responsabilidade social corporativa – é uma estratégia vital para o sucesso empresarial no mundo contemporâneo. Estudos demonstram que a inclusão de gênero no mercado de trabalho formal não apenas promove a equidade, mas também impulsiona a performance das empresas, criando um ciclo virtuoso que fortalece a estabilidade econômica dos países.

Além disso, a presença feminina nas organizações traz benefícios tangíveis e intangíveis, agregando valor em áreas como reputação, inovação e retenção de talentos. Esses impactos positivos não apenas influenciam a produtividade, mas também têm um efeito indireto nos resultados financeiros das empresas. Gerar oportunidades para inclusão de um número maior de mulheres no espaço de trabalho é fundamental.

Para isso, as instituições devem investir no desenvolvimento de políticas e práticas inclusivas, as quais possibilitam não somente a inserção e o desenvolvimento profissional das mulheres, mas que também assegurem uma redução da agenda do cuidado desempenhada, majoritariamente, pelas mulheres.

Após ingressarem no mercado de trabalho, as profissionais de relações governamentais têm enfrentado questões de assédio moral e sexual. Uma pesquisa realizada pelos coletivos Dicas Mulheres em RIG, Pretas e Pretos em Relgov, além das associações como Mulheres em Relgov+(MRG+), Comitê Mulher da Abrig e Irelgov, revelou que 80% das 1.500 respondentes relataram experiências nesse sentido.

Além disso, 92% perceberam disparidades de tratamento por parte de parlamentares ou servidores públicos com base no gênero. Portanto, é crucial promover espaços inclusivos e assegurar o respeito aos direitos das mulheres, tanto dentro quanto fora das empresas, para incentivar um aumento significativo da presença feminina na área de relações governamentais.

 

Práticas recomendadas

Políticas de contratação equitativa

  • Trabalhe com vagas afirmativas, utilize “pessoa” na descrição da função e das atividades ou até mesmo utilize “candidato(a)” como algumas alternativas para dar um tom mais inclusivo para a divulgação das vagas em aberto;
  • Utilize entrevistas estruturadas com perguntas padronizadas para garantir que todos os candidatos sejam avaliados igualmente, bem como critérios claros e objetivos de seleção, aplicando-os consistentemente a todos(as) os(as) candidatos(as);
  • Treine os recrutadores e gerentes de contratação em diversidade e inclusão para torná-los aptos a reconhecer e a mitigar vieses inconscientes;
  • Utilize uma variedade de plataformas e canais de recrutamento para alcançar um grupo diversificado de candidatos; e
  • Fomente parcerias com organizações que apoiam grupos subrepresentados.

 

Treinamento em sensibilização de gênero

  • Ofereça diretrizes para treinamentos que promovam a conscientização sobre questões de gênero, inclusive para tratar sobre temas que são tabus, como o próprio feminismo, machismo, misoginia e os avanços de políticas públicas afirmativas, entre outras;
  • Disponibilize incentivos financeiros para participação em seminários sobre diversidade e inclusão, gênero e liderança;
  • Incentive e facilite a participação das mulheres da empresa em ações de mentoria;
  • Promova treinamentos sobre conduta ou como se proteger em caso de assédio moral e/ou sexual por parte de stakeholders internos e externos da empresa.
  • Crie redes de apoio para mulheres no trabalho.
  • Estabeleça grupos de apoio com foco nos desafios enfrentados pelas mulheres. Esses grupos podem reunir mulheres em posições semelhantes dentro da empresa para compartilhar experiências sobre liderança, maternidade, assédio e outros temas relevantes; e
  • Fomente a criação e desenvolvimento de um ambiente seguro dentro da empresa, onde as mulheres possam se conectar e fortalecer seus laços de sororidade.

 

Maternidade e paternidade no ambiente de trabalho

  • Ceda um ambiente de descanso para gestantes;
  • Flexibilize a jornada de trabalho para que as gestantes possam realizar as consultas e exames do pré-natal com tranquilidade. Ainda, gere oportunidades para que os (as) parceiros(as) também possam acompanhar o pré-natal;
  • Promova sessões de debate sobre as políticas de licença maternidade e paternidade da empresa, fortalecendo a importância da participação de ambos na criação dos filhos;
  • Disponibilize creche, auxílio-creche ou viabilize um convênio com instituições próximas à empresa a fim de possibilitar o acesso rápido dos responsáveis à criança; e
  • Providencie sala de amamentação, com geladeira e freezer, que seja acolhedora e garanta privacidade para ordenha e armazenamento adequado do leite materno.

 

Combate ao assédio moral e sexual

  • Explique os procedimentos para lidar com assédio no local de trabalho e garanta que estão listados no código de ética e conduta da organização;
  • Disponibilize acesso fácil a canais de denúncia na intranet, no site ou em ambiente que transmita segurança e sigilo à denunciante;
  • Apresente alternativas à profissional como antecipação de férias, licença e a mudança de função e/ou equipe dentro da empresa até que o processo de denúncia seja apurado; e
  • Garanta prioridade e celeridade à resolução das denúncias.

 

Promoção de lideranças femininas

  • Disponibilize espaços de fala e de apresentação de novos projetos e ideias para que as profissionais ganhem maior exposição; e
  • Realize sessões com mulheres que são referência no segmento para que compartilhem suas histórias, desafios e conquistas.

 

Na próxima edição, traremos a abordagem inclusiva das pessoas negras.

Fala, associad@!

Na sua opinião, como planejar cenários e se engajar com as novas gestões municipais eleitas?

“Para um relacionamento e planejamento com autoridades Municipais, requer uma análise das propostas de Governo, o partido e a composição Política que elegeu com estas informacoes uma análise dos secretários que irão compor sua gestão em especial na área interessada, assim a estratégia fica mais clara, sabendo que início de governo requer cautela.”
João Marques
CEO na EMDOC Serviços Especializados

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Tel: (21) 99913 4464
E-mail: irelgov@arteiras.com.br 

Jornalista Responsável
Luiza Paula Sampaio (MTb 17.043)

Coordenação Editorial
Thomaz D’Addio
Marcela Tulli

Colaboraram nesta edição
Fernando de Moraes
Iolanda Vieira

Suporte
Márcia Rosa e Débora Santos

Conselho Diretor:
Patricia Nepomuceno – Presidente
Juliana Marra – Vice-Presidente
Lara Gurgel – Diretora Executiva
Felipe Carvalho – Conselho de Planejamento Estratégico
Pablo Cesário – Conselho de Conteúdos
Mariana Guimarães – Conselho Jurídico
Thomaz D’addio – Conselho de Comunicação
Júlia Vianna – Conselho de Parcerias
Verônica Hoe Lopes – Conselho de Responsabilidade Social
Carlos Lima – Conselho de Assuntos Estratégicos
Ariela Zanetta – Conselho de Carreiras
Helga Franco – Conselho Fiscal
Paulo Homem – Conselho Fiscal
Roberta Rios – Conselho Fiscal
Marcelo Almeida – Conselho Consultivo
Leonardo Barreto – Conselho Consultivo
Felipe Daud – Conselho Consultivo
Carlos Petiz – Conselho Consultivo
Mariana Chaimovich – Conselho Consultivo
Luciano Gollner – Diretor regional do IRELGOV no Espírito Santo
Gustavo Bernard – Diretor regional do IRELGOV em Minas Gerais
Rafael Maia – Diretor Regional do IRELGOV no Estado do Rio de Janeiro

 

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